Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Militarização da segurança pública, um processo histórico e constitucional

Quando um país passa por um processo de redemocratização, uma das primeiras medidas a ser tomada é a desmilitarização do seu aparato de segurança. O objetivo é tornar nítida a separação das funções militares e civis: a polícia é responsável pela ordem interna, enquanto os militares se encarregam dos problemas externos. 
A Constituição de 1988 manteve inalterada a prerrogativa militar de intervir em assuntos internos (Zaverucha, 1998). Ponto importante para a efetividade da democracia é o que diz respeito a segurança dos indivíduos. A segurança é direito civil e social e consta nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal de 1988. Em seu artigo 144 temos disponibilizado o seu ordenamento. 
A estrutura de Segurança Pública brasileira, que deveria ser de natureza civil e com fins de defender os interesses dos cidadãos brasileiros em quaisquer circunstâncias, se preocupa mais com a defesa dos interesses do Estado que da cidadania, onde o processo de militarização dessas instituições é a prova do hiperdimensionamento do Estado em relação aos cidadãos, o que mina e fragiliza toda ação com intuito de aproximar, estabelecer pactos de confiança e colaboração entre os órgãos de segurança pública e cidadãos.
No atual estágio do estado democrático de direito é incontestável a interferência militar em assuntos de Segurança Pública baseado na teoria democrática contemporânea de caráter minimalista, não submínima (Mainwaring et alii, 2001). Observo que atores políticos não eleitos influenciam de forma decisiva nesse quesito. Tais atores políticos formados por militares. Encontramos ingerências dos militares na segurança pública e isso fere os princípios básicos da democracia, pois são atores não eleitos que planejam, gerem e estruturam instituições de segurança nos lugares de atores civis o que seria o ideal, estes de indicação dos representantes eleitos pelo povo.
A Instituição  aqui destacada para tal interpretação é a Polícia Militar, mas a Constituição de 1988 traz características importantes desse domínio reservado que se instalou e vigora até os dias de hoje. Umas das teses defendidas para mitigar tal dissimetria entre cidadãos e "militares policiais", seria a eleição do dirigente máximo da Polícia Militar, pelo instrumento da lista tríplice ou mesmo pelos parlamentares eleitos, representantes do povo, após obviamente uma sabatina, para avaliar seu perfil e capacidade para comandar as atividades de policiamento ostensivo preventivo, como mecanismo de promoção da segurança pública.
Na Constituição Federal de 1988, as cláusulas relacionadas com as policiais militares estaduais, sistema judiciário militar e de segurança pública em geral, permaneceu praticamente idêntica à Constituição autoritária de 1967/69. As Polícias Militares tiveram papel de grande importância na manutenção de suas prerrogativas, pois destacaram oficiais superiores que fizeram lobby pelos seus interesses no período de redação daquela carta (Zaverucha, 1998).
O financiamento do lobby se deu à conta de arrecadação de recursos dos policiais militares, para tal investida, especial e majoritariamente os de baixa patente, os praças, desconto aliás, consignado em folha sem permissão ou consentimento dos militares policiais, mas frisando sempre em discursos dos riscos que as instituições policiais militares corriam, mas o que na verdade todos os deputados constituintes desejavam era exatamente a desmilitarização, o que implicaria, obviamente em perda de poder e eliminação de privilégios e prerrogativas despropositadas em uma organização genuinamente policial, com reflexos na estrutura de cargos militares.
Eram oito às comissões de trabalho responsáveis pela elaboração da Carta Constitucional. A Comissão de Organização Eleitoral Partidária e Garantia das Instituições, presidida pelo então senador Jarbas Passarinho – o mesmo que participou do AI-5, em 1968, que fechou o Congresso Nacional - ficou encarregada dos capítulos ligados às Forças Armadas e à Segurança Pública (Zaverucha, 2005; p.60).
O deputado Ricardo Fiúza ficou responsável pela subcomissão de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança. Apoiou firmemente as demandas militares nos debates constitucionais, chegando a rejeitar a tentativa de alguns congressistas de criar o Ministério da Defesa, bem como trabalhar, também, contra a tentativa de se dar fim ao controle do Exército sobre as Policias Militares Estaduais. Optou por favorecer a autonomia das Forças Armadas mantendo o controle parcial do Exército sobre as PMs, alegando para isso, que o governo necessitaria de todas as suas forças para controlar contestadores da ordem social (Zaverucha, 2005; pp.60-61).
O resultado disso foi uma constituição com fortes prerrogativas para os militares, excetuando, os praças, militares considerandos de baixa patente, pois sequer participaram dos debates em torno da constituição de um novo modelo de organização policial, ficando evidente o caráter ambíguo da carta magna. Artigos liberais de um lado e de outro, artigos com forte inclinação à ingerência militar de outro. Analisando o artigo 142, percebe-se isso de forma bastante dimensionada: "As Polícias e Corpo de Bombeiros Militares, são instituições permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Governador eleito, e destinam-se à defesa da ordem pública, encarregadas do policiamento ostensivo, e também da garantia dos poderes constitucionais (Constituição Federal de 1988). Como garantidores da lei e da ordem internas, a qualquer momento esse ator político ficou assim responsável por interferir em assuntos de segurança pública interna que, em democracias plenas, jamais existiria. 
Tal prerrogativa aparece como sendo de alta intensidade, pois a constituição encarrega os militares da responsabilidade principal na garantia da lei e da ordem interna, outorgando-lhes uma grande margem de decisão que lhes permitem determinar quando e como devem cumprir com suas obrigações (Stepan, 1988; p. 525).
Lei e ordem podem ter várias conotações, a interpretação da ordem interna por parte dos militares pode estar permeada por uma série de estímulos ideológicos. A garantia dessa ordem, ou dos poderes constitucionais, pode não ser levada em consideração por parte dos militares, já que possuem autonomia e indepêndencia constitucional sobre suas ações e decisões, o que não quer dizer que tal fato possa vir a ocorrer, mas permenacerá sempre a dúvida.
Por conseguinte, a autoridade suprema emanada da vontade do poder do povo perante os militares policiais pode ter efeito nulo, sobretudo enquando estiver alienado ideológica e politicamente. Este artigo é muito vulnerável, fazendo com que a intervenção militar na segurança pública, seja marcada pela violência arbitrária, pela truculência, e violações de direitos que frequentemente acometem as ações militares policiais.
Ou seja, a constituição, ao invés de inferir maior controle civil sobre os militares policiais, deu maiores prerrogativas aos mesmos, pois retomou sua essência do período de exceção, concentrando as decisões no Poder Executivo. Com um governante ou agente político nas mãos dos castrenses, a intervenção militar em assuntos políticos fica mais fácil de ocorrer, o que permitiu aos governantes manterem suas forças de segurança, que se constituem em exércitos particulares do poder executivo.
O processo de militarização da Segurança Pública no Brasil pode ser colocado como uma variável explicativa relevante para a não consolidação da democracia no Brasil. Foram destacados aqui alguns pontos desse processo de militarização que, mesmo depois de termos redemocratizado o país, em moldes procedurais submínimos (Nóbrega Jr., 2005), a questão da segurança interna permanece de forma bastante acentuada nas mãos dos militares. Isso gera falta de controle civil sobre os militares, atributo imprescindível para a consolidação da democracia, além de sérias limitações em defender os direitos dos cidadãos.
Em democracias sólidas além das eleições – livres, limpas, competitivas, periódicas e pluripartidárias – e direitos políticos para a maioria adulta da população é imprescindível à garantia dos direitos civis e o efetivo controle das instituições da res pública por atores políticos eleitos pelo povo. 
O caso da militarização da segurança pública é um claro exemplo de ator político não eleito infligindo em assuntos da esfera política civil. Os militares no Brasil mantiveram suas prerrogativas em muitos assuntos do Estado brasileiro. Na verdade saíram do governo, mas não do poder.
O que exemplifica de forma mais eloqüente o domínio reservado das Polícias Militares em atividade civil é o seu papel na segurança pública. Órgão vinculado ao Poder Executivo, que deveria estar imbuído na defesa dos interesses civis, mostra-se como uma instituição estranha ao corpo da esfera civil. 
Na verdade, as prerrogativas dos comandos, principalmente na Polícia Militar, prevalecem e o secretario de segurança pública, ou mais hodiernamente de defesa social, dessa pasta é um mero despachante dos interesses castrenses, uma espécie de "rainha da Inglaterra", pois "reina", mas não governa de fato.
O que prevalece na Segurança da nossa Res Pública é uma estrutura militarizada, herança do período autoritário, que não avança para uma outra estrutura comandada de forma eficiente por profissionais eleitos, capacitados e direcionados para uma realidade de Estado de Direito Democrático. Dessa forma não avançamos como regime democrático, ficando para trás na História.
Claro que há correntes divergentes sobre o tema da desmilitarização da segurança pública, mas é primordial que todos repensem conceitos, dogmas e ideologias que perpassam o estado democrático de direito, para que as instituições de segurança pública possam ser reestruturadas para atender aos reclames do exercício da cidadania e do respeito a dignidade da pessoa humana, e neste ponto, a assertiva se aplica também a Polícia Civil, que apesar de sua estrutura civil, também resiste às mudanças e ao controle civil.

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