Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

"Ativismo judicial faz parte da democracia"


Albert Fishlow - Divulgação
No Brasil, o ativismo judicial e a judicialização da política fazem parte do aprofundamento da democracia e da ampliação da sociedade civil. Não são apenas resultado de brechas na legislação, de acordo com o economista norte-americano Albert Fishlow, que há mais de 40 anos estuda o país. Nos Estados Unidos, compara, o número de processos não tem crescido no ritmo brasileiro e a Suprema Corte tem se tornado mais conservadora em temas importantes.
"Os sistemas de Justiça dos dois países caminham em direções opostas. Mas ambos reconhecem a importância de um Judiciário forte e independente para a manutenção da democracia", analisa o concorrido professor Fishlow em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico, que teve de retomar a conversa por diversas vezes e meios (telefone, e-mail, pessoalmente) para concluir a conversa sobre a atualidade política do país e o papel que o sistema Judiciário tem desempenhado nos últimos anos no Brasil.
Professor emérito da Escola de Relações Internacionais e Públicas da Universidade Columbia, de Nova York, Fishlow é um dos mais respeitados estudiosos estrangeiros dedicados a observar o nosso país. São os chamados brasilianistas, pesquisadores não-brasileiros cujo objeto de estudo, sob diferentes aspectos, é o Brasil [leia aqui sobre a genealogia dos brasilianistas e a recente tradição de estudos sobre nossa pátria].
As transformações da Nova República brasileira nas últimas duas décadas também foram discutidas na entrevista com o economista. As mudanças, de acordo com Fishlow, vêm ocorrendo em diferentes frentes e não partem de um contexto exclusivamente institucional ou estritamente de ordem econômica. Há um processo de transformação em curso que envolve diferentes atores, agentes e circunstâncias. Esta ideia é apresentada e detalhada em O Novo Brasil (editora Saint Paul, 288 pág.), livro lançado recentemente.
No início de 2010, Albert Fishlow enviou os originais de seu livro ao presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi um dos primeiros a ter acesso ao material. Em O Novo Brasil, o autor examina o processo de redemocratização dos últimos 25 anos e como o contexto político, as mudanças sociais e a consolidação da estabilidade econômica interagem entre si.
Durante a entrevista, Fishlow atribuiu ao Judiciário brasileiro o importante papel de agente da redemocratização. Mas fez ressalvas: “Seria um equívoco afirmar que o Poder Judiciário tem agora uma responsabilidade maior por conta do crescimento socioeconômico. Há muito ainda por ser feito no âmbito da reforma política. A continuidade do crescimento socioeconômico não está simplesmente assegurada dentro de um contexto de complexidade global e de prioridades internas diversas”.
Albert Fishlow, 75 anos, dedica-se a empreender pesquisas sobre o Brasil há mais de quatro décadas. Criou e foi diretor do Centro de Estudos Brasileiros e dirigiu o Instituto de Estudos Latino-Americanos, ambos da Universidade Columbia. Lecionou também na Universidade da Califórnia, em Berkeley (onde orientou o doutorado do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan), e na Universidade Yale, quando dirigiu o Centro para Estudos Internacionais da instituição. O pesquisador deu aulas na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, e foi subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos dos EUA.
Leia a entrevista:
ConJur — O senhor esteve bastante ocupado em 2010. Entre outras coisas, finalizou um livro sobre o Brasil, certo? Poderia comentar algo sobre ele?
Albert Fishlow — O livro acaba de ser publicado. O Novo Brasil trata dos últimos 25 anos do país, enfocando os processos interativos de mudança política, reforma econômica, políticas sociais e relações exteriores durante este período. Conclui com um breve olhar para o futuro, voltado para a nova administração da presidente Dilma Rousseff. Espero que a obra contribua para o andamento das discussões sobre políticas que devem ser prioritárias nos próximos anos.
ConJur — O senhor acompanhou o caso envolvendo o pedido de extradição de Cesare Battisti? Como avalia o fato de Lula ter deixado para o último dia a decisão sobre o caso e ter optado por negar a extradição?
Albert Fishlow — O caso Battisti infelizmente tornou-se uma espécie de cause célèbre, com a comunidade europeia, e não somente a Itália, reagindo contra a decisão de última hora de Lula. O Supremo Tribunal Federal prometeu rever a decisão. A extradição é uma questão de Direito Internacional e as opiniões sobre seus aspectos legais divergem. Porém, internamente, o caso também repercute, as forças políticas não se ausentaram da discussão.
ConJur — O ativismo judicial passou a ser um fenômeno em curso no Brasil. Por conta de lacunas na legislação, muitas leis estariam defasadas em áreas vitais e imprescindíveis. A partir daí, o Judiciário brasileiro passou a ocupar esse espaço, atuando também como “propositor do Direito” para suprir o espaço deixado pelos legisladores. Muitos críticos dizem que isso resultou em uma judicialização excessiva da vida política e social do país. Nos EUA, o ativismo judicial não parece ser um problema. Como o senhor vê isso?
Albert Fishlow — No Brasil, o ativismo judicial ou a judicialização da política têm sido parte de um aprofundamento da democracia e ampliação da sociedade civil e não apenas como resultado de brechas na legislação. Nos Estados Unidos, o número de casos nos tribunais não tem crescido tão rapidamente como no Brasil, e o sentimento de muitos é que a Suprema Corte tem recuado em relação a decisões-chave tomadas no passado referentes ao fim da segregação em escolas e ao direito ao aborto. Uma questão jurídica crucial nos Estados Unidos é se terão sucesso em bloquear esta nova tentativa de promover o seguro de saúde universal. Então, nesse sentido, os sistemas de Justiça dos dois países caminham em direções opostas. Mas ambos reconhecem a importância de um Judiciário forte e independente para a manutenção da democracia.
ConJur — O senhor defende que o sistema Judiciário no Brasil tem exercido papel fundamental na consolidação da estabilidade democrática no país. Pode-se dizer que o Judiciário é um dos principais agentes neste momento de equilíbrio institucional e estabilidade socioeconômica no Brasil? Em casos pontuais, a estabilidade seria mais responsabilidade do Judiciário do que da classe política brasileira? Como o senhor avalia a atuação da Justiça brasileira nos últimos anos?
Albert Fishlow — Está claro que nos últimos anos uma postura de maior ativismo judicial tem prevalecido no Brasil. O número de ações judiciais tem crescido no país. Também é verdade, contudo, que um grau de consolidação, sem prejuízo da imparcialidade, foi infundido por meio da Emenda Constitucional 45 e da criação do Conselho Nacional de Justiça. Temos agora a aprovação explícita da Súmula Vinculante pelo Supremo no caso de consentimento por dois terços da composição do tribunal. Porém, seria um equívoco afirmar que o Poder Judiciário tem agora uma responsabilidade maior por conta do crescimento socioeconômico. Há muito ainda por ser feito no âmbito da reforma política. A continuidade do crescimento socioeconômico não está simplesmente assegurada dentro de um contexto de complexidade global e de prioridades internas diversas.
ConJur — Nas últimas eleições, elegemos para deputado federal um humorista de televisão, o Tiririca, sem nenhuma experiência administrativa ou política e com uma campanha baseada em trocadilhos e piadas. Houve até um processo judicial para avaliar se ele era mesmo alfabetizado. O Congresso no Brasil ainda parece refletir nossos piores vícios. Que perspectivas o senhor tem sobre o parlamento brasileiro?
Albert Fishlow — A eleição de um comediante de televisão com o maior número de votos no país, redistribuídos para os partidos da mesma coligação, gerou uma atenção considerável no Brasil. Pessoalmente, Tiririca não é o problema. A falha está no sistema eleitoral com base na lista aberta para a Câmara, no qual há múltiplos candidatos individuais e muitos, mas muitos, porém fracos, partidos políticos. Um sistema de lista fechada, com algum peso centrado mais em distritos eleitorais, em vez da escolha ampla realizada em todo o estado, seria uma oportunidade de focar a seleção mais no programa político do que na popularidade individual. Em um Brasil federal, o apelo de se candidatar como governador ou prefeito de grandes cidades é muito intenso, e isso acaba por tirar força do legislativo e dá margem à contínua aprovação de medidas provisórias como algo natural das funções do Congresso. Espera-se que, dispondo de uma maior base aliada, a presidente Dilma terá a oportunidade de tratar do tema. O próprio Lula manifestou o interesse em cuidar da questão durante este ano. É importante focar nisso.
ConJur — As eleições no Brasil foram marcadas por uma campanha agressiva de ambos os lados e o uso de temas de forte apelo popular como a legalização do aborto com fins midiáticos e eleitorais. O senhor criticou a falta de ideias novas dos candidatos à presidência. Como avalia as últimas eleições e o resultado nas urnas?
Albert Fishlow — A vitória de Dilma nas eleições presidenciais não foi surpreendente por três razões. Primeiro, a extraordinária popularidade de Lula teve efeitos óbvios conforme a campanha avançava, e sua escolha tornou-se assim mais amplamente conhecida. Em segundo lugar, a forte recuperação econômica em 2009 e 2010 contribuiu para um sentimento de satisfação nacional, favorecendo o PT como candidato. Terceiro, a eleição presidencial no Brasil tem se tornado cada vez mais regionalizada, com o Nordeste desempenhando uma importante fonte de suporte ao PT. Para disputar a eleição, José Serra precisava de uma estratégia coerente, capaz de fazer o estado-chave de Minas Gerais virar a seu favor. Por uma série de razões, isso não ocorreu, e mesmo que ele conseguisse o apoio, suas chances eram poucas desde o início. Não foi à toa que Dilma não teve muitas razões para preocupar-se com ideias novas: sua escolha foi acertada em enfatizar a continuidade.
ConJur — Os oito anos de governo Lula produziram uma polarização ideológica intensa no Brasil. É complicado muitas vezes mesmo para os brasileiros entender o que acontece. Como estudioso, como vê estes últimos oito anos e qual sua expectativa para a administração de Dilma Rousseff?
Albert Fishlow — Essa pergunta requer muitas páginas para uma resposta completa. Algumas das respostas estão em meu livro. A continuidade na política econômica, de um lado, e o avanço nas políticas sociais, de outro, são fundamentos da Era Lula. Sua decisão de não tentar encontrar meios para concorrer a um terceiro mandato, como alguns de seus pares fizeram na América Latina e na África, também foi decisiva para a democracia brasileira. A presidente Dilma já explicitou o compromisso de manter e aperfeiçoar esses mesmos aspectos. Claramente, as relações internacionais tornaram-se mais relevantes, conforme o Brasil tem avançado nas últimas décadas. O Brasil se favoreceu das atuais condições de comércio e crescimento dos mercados internacionais. Com a União Europeia em dificuldade, e os Estados Unidos e Japão sobrecarregados pela crescente dívida pública, o futuro global dependerá, inevitavelmente, mais do Brasil, China, Índia, África do Sul, Coréia, Indonésia, etc.
ConJur — Depois de anos estudando o Brasil, o que lhe parece mais peculiar ou surpreendente em relação à sociedade brasileira e sua organização política e econômica?
Albert Fishlow — Mudanças ocorridas com o fim definitivo da inflação, a expansão do comércio, a extensão de políticas sociais e a institucionalização progressiva do país, enfim, fenômenos que vimos nos últimos 20 anos. Mudanças que transformaram anteriormente o Brasil e provêm agora a base para um futuro muito melhor. Esses compromissos terão que ser sustentados. Possibilidades de riquezas originadas do petróleo do pré-sal podem ajudar nesse processo. Muito vai depender de melhorias na educação de base e média, que fortaleceria o capital humano e continuaria a reduzir o elevado grau de desigualdade de riqueza e de renda no país. E, claro, a violência social requer atenção, o que torna indispensável a garantia de segurança pública.
ConJur — Muitos concordam com o ponto de vista que uma das principais invenções da Constituição de 1988 é o papel e a posição que a Carta Magna estabelece para o Ministério Público. Esta ideia no Brasil é creditada como sendo sua. Como o senhor analisa a atuação do Ministério Público brasileiro nos últimos anos frente às mudanças políticas e sociais pelas quais passamos?
Albert Fishlow — O Ministério Público precede a Constituição de 1988, contudo, com esta, ganhou maior força por sua incorporação como uma agência independente. Nos anos subsequentes, o MP tornou-se uma presença marcante quando o assunto era meio ambiente, direitos do consumidor, a extensão de privilégios sociais. O MP não opera apenas na esfera federal, mas nos níveis estadual e municipal. Outros países também dispõem desta presença em três níveis, porém o Brasil caminhou mais, combinando a função da promotoria com um papel ativo e independente como defensor dos direitos coletivos.
ConJur — O senhor afirmou recentemente que o Brasil ainda sofre o impacto da capitalização da Petrobrás, o que nos levou a uma valorização do real por conta da entrada de capital estrangeiro no país. Recentemente, presenciamos o que foi descrito pela imprensa como uma guerra cambial internacional, quando pareceu favorável à China manter a desvalorização de sua moeda. Como o senhor analisa a gestão da política financeira no Brasil recentemente frente a esse cenário? O que podemos esperar a curto e longo prazo?
Albert Fishlow — O Brasil preocupou-se acertadamente com a entrada de capitais e a consequente valorização de sua taxa de câmbio. Procurou taxar a entrada e pôr fim à queda do câmbio estrangeiro em bancos do país para reduzir a valorização do real. Ao mesmo tempo, a inflação tem aumentado, conduzindo a um provável crescimento das taxas de juros domésticas. Isso leva a uma direção contrária. A China tem resistido aos esforços dos Estados Unidos para valorizar o yuan, o que permitiria um dólar mais fraco, e o Brasil tem apoiado essa posição — embora tenha tentado limitar as importações chinesas em si. Contudo, um elemento central neste processo foi ignorado. O Brasil precisa eliminar seu déficit orçamentário, gastando menos; o que é uma diretriz já aprovada pelo governo, porém não empregada de forma satisfatória. Aqui uma necessária reforma da Previdência Social pode ajudar. A pretendida alta taxa de crescimento do Brasil precisa de muito mais investimento, e um superávit do setor público poderia contribuir. A indústria precisará da contínua melhoria tecnológica para aumentar a produtividade e poder assim competir internacionalmente. As mudanças na composição e extensão dos gastos públicos são fundamentais. Com isso, as taxas de juros passam a cair permanentemente e o excesso de influxo de capital não será mais um fator na determinação da taxa de câmbio.
ConJur — Falando em reforma da Previdência, em sua opinião, há alguma esperança do próximo governo assumir as reformas da Previdência Social e de nosso sistema tributário?
Albert Fishlow — Sou encorajado a pensar que sim por conta de preocupações do país com a taxa de câmbio, como acabei de explicar. Isso pode motivar o cuidado com problemas básicos no sistema tributário e na Previdência Social como uma forma de compensação. Deve-se mencionar também as reformas no mercado de trabalho. Como o nível de emprego tem crescido, as pressões para reformulações nessa área também se fazem perceber.
ConJur — O senhor é um veterano no estudo sobre o Brasil. Como estudioso estrangeiro, arriscaria dizer qual é nosso pior vício e nossa melhor virtude?
Albert Fishlow — As virtudes são muitas, muitas, diversas: isto explica porque continuo ir ao Brasil com frequencia e porque preservo meu interesse no país. E o vício de sempre se remeter apenas como o país do futuro, e não em relação ao presente, está perdendo força.

Fonte: conjur.com.br

Postado: administrador do blog 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada

politicacidadaniaedignidade.blogspot.com