Recebi um texto muito interessante, que aborda a questão do desamparo jurídico e psicológico a que estão submetidos os policiais militares quando praticam ações legítimas. No último artigo que publicamos, de autoria do Sargento Carvalho, foi levantada a importância de trabalharmos em estrita observância aos princípios legais e ao Estado Democrático de Direito. Observem, porém, que, mesmo quando nossas ações são legítimas, ficamos desamparados, o Estado nos vira as costa, tendo nós que arcamos com todas as pesadas custas financeiras de um processo criminal, sem falar no desamparo psicológico. Obs.: (Retirei os dados que pudessem identificar o policial autor do texto, trocando-os por "?").
Sou o Número ? da POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE ?, CABO PM ?, casado, pai de uma filha, já nos quase 18 (dezoito anos) de serviço, hoje lotado no ? BPM, exercendo as funções de relator de B.O e comandante da Guarda de Quartel, na cidade de ?. A minha história é a seguinte:
Primeiramente pedir desculpa pelo meu português não tão preciso e procurar ser o mais breve possível. Neste ano de 2011, segundo uma escrivã da 1ª Vara de Justiça da Comarca da cidade de ?, eu e o meu colega Cabo PM ? estamos agendados para irmos ao TRIBUNAL DO JÚRI por cometimento de homicídio ocorrido no ano de 2004 durante atendimento de ocorrência, ocasião que na época, pertencíamos o Pelotão PM daquela cidade.
A vítima ? era um pedreiro, alto e de porte físico avantajado onde armado com um facão investiu para o nosso lado e foi alvejado com 03 (três) disparos de arma de fogo (revólver), 02(dois) efetuados pelo Cabo ? e 01 (um) meu, e no dia dos fatos apresentava comportamento agressivo e fortes sintomas de ter ingerido bebida alcoólica ou outro tipo de substância.
No local, a presença policial e a parlamentação foram completamente ignoradas, e se não bastasse, a sua mãe na tentativa de arrematar o facão de sua mão, acabou sofrendo um contragolpe e em seguida lançada na parede do corredor de acesso a entrada do quintal da casa, vindo a cair ao solo desacordada e logo após socorrida prontamente pelo Sargento ?.
O motivo da ligação ao 190, é que o solicitante/pai, relatou que tinha mais de 05 (cinco) anos que não vinha conversando com seu filho/vitima, por questões familiares e relacionado também à herança, onde após o agredir expulsou-o também da residência e aguardava a POLÍCIA MILITAR na esquina da rua de sua casa.
O mais interessante deste episódio é que, nesse dia, encontrava-me previamente escalado nos 4º e 1º turnos com horários compreendidos das 19:00h às 07:00h na GUARDA DE CADEIA, ocasião que, a viatura do turno composta somente por 02 (dois) militares e comandada pelo 3º Sargento PM ? e motorista Cabo PM ?, por volta das 00:20h apanhou-me com o intuito de reforçá-la para em seguida deslocarmos ao local com supremacia.
Agora Caros Senhores! Quero aqui expor as minhas angustias: Depois do acontecido vem àqueles famosos procedimentos; Comandante de Pelotão comunicando o fato para o mais antigo do ? BPM e este por sua vez, determinando o deslocamento de uma oficial , a qual conduziu todo o APF (Auto de Prisão em Flagrante), e que por sinal muito bem feito, transparente e realizado sem alteração. Mas, vamos lá...
Autos encaminhados para nossa Justiça Militar, que após examiná-los entenderam que a ação foi legítima e sem restar sombras de dúvidas acabaram emitindo os respectivos Alvarás de Soltura, onde não ficamos mais de um dia presos.
Infelizmente lamento que, naquele dia e ano de 2004, tanto nossa Polícia Militar e o Estado de ?, passava por mudanças e uma delas mais incisiva na área de Segurança Pública, a qual carecia de mais recursos. Não obstante, digo o Estado, é porque, se no dia dos fatos a nossa guarnição PM tivesse, por exemplo, equipada de uma Espingarda/CBC calibre 12 e municiada com cartuchos de elastômero (borracha) como é na maioria das viaturas de hoje, acredito eu, que o desfecho dessa história poderia ter sido outro.
Ora, é óbvio que nenhum Policial Militar é preparado para ceifar a vida de ninguém, e sabemos mais do nunca, que hoje, quando somos submetidos a treinamentos e instruções é para cada vez mais, estarmos capacitados em sermos uma Policia mais eclética e pacificadora possível onde o “Socorrer e Proteger” estarão sempre incutidos em nossas mentes. Depois disso, penso que o Estado terá que investir muito pesado ainda no seu braço forte POLÍCIA MILITAR em armamentos e equipamentos não-letais, para que militares iguais a mim não fiquem tão órfãos na hora de ter que explicar a justiça se sua ação foi legal ou não. Porque nessa história toda o que estar me deixando triste e intrigado, é que desde do dia do APF , as audiências do processo no Fórum de ? e por fim o Tribunal do Júri, eu não tive e nem terei o apoio da Instituição no tocante a minha defesa e nem sequer com os honorários do advogado que acabei de contratar, onde cobrou o preço simbólico de R$ 6.000,00 (seis mil reais) para me defender e sendo solidário ainda, em dizer que acha absurdo um Servidor do Estado em ato de serviço e principalmente dentro das excludentes de ilicitude ter que por meios próprios custear sua defesa.
Então fica aquela pergunta dentro de mim que não quer calar... Poxa vida! Eu não cometi nenhum tipo de desvio de conduta para estar tendo que gastar com advogado assim, e será por que certas coisas são tão unilaterais para nós? Onde vejo que é notória a existência e operância de órgãos como os das Promotorias de Justiça, Corregedorias e Ouvidorias de Polícia e até mesmo dos Direitos Humanos, mas, para o meu caso não existe nenhum, e não só meu, como de diversos policiais desse Estado.
Falam-se das assessorias jurídicas existentes em certos batalhões... mas para que? Segundo o assessor jurídico do próprio batalhão que pertenço, ele me disse que já tem uns quatro meses que ele não defende mais militares em casos isolados, e sim, só os interesses da instituição, conforme força de um documento vigente. Tão somente foi categórico em poder estar dando uma olhada no meu processo orientando-me a não ficar na inércia e indicando-me um bom advogado gabaritado em júri para se for o caso contratá-lo.
Então veja os senhores! Eu de serviço, todo certo, APF cumprida na íntegra, preso por um dia, e agora sabe o que sinto? É o que falei anteriormente “Um verdadeiro órfão” e sem diagnosticar as outras coisas: Desde 2004 até 2010 não fui inicialmente assistido psicologicamente e nem se quer juridicamente, onde continuei trabalhando normalmente por 06 (seis) anos ininterruptos nas ruas, graças a Deus sem quaisquer problemas e com relevantes serviços prestados a população.
São devidos os motivos que também aqui elenco, que solicitei do meu comandante de companhia a minha retirada das ruas, tendo em vista que o julgamento se aproxima e encontro-me endividado e desmotivado para trabalhar no serviço operacional, compartilhando com a indignação dos meus colegas de farda que não param de perguntar - Porque você saiu da rua? E ao responder-lhes, procuro não perpetuar muito o meu descontentamento e nem servir de um câncer para eles.
Onde só sei que agora é restar pedir primeiramente a Deus por nossa absolvição e depois a compreensão dos Senhores Comandantes do Alto Escalão da POLÍCIA MILITAR, Deputados Estaduais e Federais, Psicólogos, Sociólogos, Promotores de Justiça, Secretários de Governo, Governador de Estado e demais autoridades, que juntos estudem uma solução para isso. Quero também aqui reforçar, junto aos meus superiores diretos, o desejo de permanecer trabalhando na Guarda de Quartel, local este que tenho muito apreço e único até agora que encontrei apoio. É o meu desabafo!
Fonte: universo policial
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