O momento é muito favorável ao governo. Mas, não se enganem, tudo pode piorar se o Palácio do Planalto não for capaz de definir já, com alguma dose de ousadia, suas prioridades legislativas para os próximos quatro anos
Dizia Vinicius de Moraes que “as águas mais turvas contêm às vezes as pérolas mais belas”.Jeito bonito de contar uma verdade, não? Mesmo sem a ajuda do poeta, sabemos que o contrário também ocorre. Até o cristalino mar do Caribe pode se transformar em cenário para as piores tragédias, como demonstrou o vazamento de petróleo da British Petroleum.
Em geral, nossa tendência no Brasil é de agir mal tanto em uma situação quanto na outra. Deixamo-nos abater pelo vírus da desesperança e ignoramos as oportunidades que os momentos de incerteza costumam trazer. E, quando o vento está a favor, inebriamo-nos de um excesso de confiança que despreza todos os riscos.
Vivemos atualmente, como é óbvio, uma fase de grande otimismo, que tem consideráveis chances de desembocar em mais um surto de euforia. Os ingredientes necessários estão na mesa.
Ainda está por ser divulgado o número final, mas tivemos em 2010 o maior índice de crescimento da economia brasileira em décadas. E o nível de emprego sobe a ponto de faltar mão de obra em várias áreas. Os salários têm aumento real. As reservas do país batem recorde sobre recorde. E tome investimento, Copa, Olimpíadas e o escambau!
Fora isso, temos a primeira mulher presidente, que dá os primeiros passos no cargo cercada de simpatias – interna e externamente – e embalada pelo clima a favor próprio de início de governo, que também é início de ano e de década. E ela começa o jogo com uma maioria excepcional no Congresso!
O momento é, sem nenhuma dúvida, muito favorável ao governo Dilma. Mas, não se enganem, tudo pode piorar se o Palácio do Planalto não for capaz de definir já, e definir com alguma dose de ousadia, suas prioridades legislativas para os próximos quatro anos.
Pra começo de conversa, o quadro não é tão róseo assim. Há pedregais por todos os lados. Na economia, são vários os desafios de curto prazo: dificuldade em exportar para um mundo que ainda não saiu da crise; as pressões das contas públicas, do câmbio, dos juros e, ops, até dos preços, que recolocaram a inflação na ordem das grandes preocupações nacionais. Para não falar de questões mais profundas que nos afastam da tão longamente sonhada condição de nação desenvolvida.
Na política, é fato, a oposição não assusta. Está brutalmente enfraquecida pela derrota eleitoral, que a transformou numa minoria numericamente inexpressiva no Congresso, e pela obtusa insistência do tucanato paulista de tolher os movimentos do único nome com capacidade para reerguê-la, o ex-governador mineiro e senador eleito Aécio Neves. Mas a baixa qualidade das alianças que sustentam a base governista fornece material suficiente para convencer o governo quanto à inconveniência de sair soltando fogos por aí. Dilma tem uma base que Lula jamais teve. Mas, nossos avós estavam certos, tamanho realmente não é documento: nunca a base governista foi tão pouco confiável. Muitos dos seus integrantes não coram ao exibir de público suas motivações. Conforme aqui registrado, a presidenta não pode ter segurança nem mesmo quanto à lealdade do seu vice.
Sintomaticamente, um líder da base, o deputado Sandro Mabel (PR-GO) já se apresentou como candidato a presidente da Câmara dos Deputados, contra o nome oficial, de Marco Maia (PT-RS), ao qual o governo chegou após passar por um processo que deixou várias cicatrizes dentro do PT (que tinha outros candidatos) e nas relações com o PMDB (que também queria a cadeira de presidente).
Há duas coisas que podem ajudar Dilma a assumir o efetivo controle da base e melhorar a consistência dessa massa heterogênea e nada desinteressada de políticos e legendas partidárias que a apoia. A primeira é administrar bem o Brasil. Dificilmente o governo perderá o controle de sua base se tiver níveis altos de popularidade. A segunda é estabelecer uma agenda legislativa à altura das necessidades do país.
Queiramos ou não, o Congresso tem muita dificuldade para deliberar sobre matérias importantes sem alguma condução por parte do Executivo. Imensamente fragmentado, ele só consegue construir consenso sem pressões externas (do governo ou da sociedade) em lances isolados de corporativismo (evitar cassações de “colegas”, por exemplo) e oportunismo (votação de aumentos salariais indecentes).
Um dos maiores erros que Dilma poderá cometer na área política será deixar de fazer uso dessa situação. Para isso, ela precisa definir já uma pauta de mudanças legislativas, aproveitando a força dos 56 milhões de votos que recebeu e a maré favorável do início de governo. O preocupante é que, quase um mês após a posse presidencial, não há nenhum sinal de que essa agenda exista.
Líderes da base sabem apenas que a prioridade inicial do Executivo é aprovar as 23 medidas provisórias em andamento no Congresso, das quais a mais rumorosa é a que define o novo valor do salário mínimo. É muito pouco, para uma nação com imensos problemas estruturais, nas mais diversas áreas. Aparentemente, Dilma não pretende enviar uma proposta de reforma política. Se isso ocorrer, adianta um influente parlamentar ligado ao governo, será a morte da reforma política.
Também são modestas as intenções atribuídas a Dilma, até aqui, nos campos fiscal e tributário. No primeiro caso, a ideia seria promover cortes orçamentários e nada mais. No segundo, fala-se que o governo irá propor alterações em partes. A primeira delas poderia ser a redução da contribuição previdenciária patronal. A presidenta tem um ministro da Casa Civil que estudou com cuidado o assunto e não teria dificuldade em propor, imediatamente, um conjunto de medidas bem mais ambicioso para remover um dos mais notórios entraves ao desenvolvimento nacional – o cipoal de impostos e regras tributárias que ajudam a fazer do Brasil uma das nações que mais dificultam a ação de empreendedores. E por que não ir além de tesouradas no orçamento para repensar, de forma ampla e democrática, a estrutura de gastos, a gestão administrativa e a qualidade dos serviços prestados pelo Estado brasileiro?
Já era hora de ter vindo a público, de forma clara, a agenda legislativa do novo governo. Que este não tarde muito a fazê-lo. O passado recente ensina que o primeiro ano de mandato é o momento decisivo para votar as mudanças legais mais polêmicas. Ou Dilma e sua equipe arregaçam logo as mangas, ou deixarão desperdiçar uma oportunidade determinante para o futuro dos brasileiros e para o sucesso da sua administração.
Fonte: congresso em foco
Postado: administrador do blog
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