Raul Sánchez Cedillo é um dos participantes do movimento #15M na Espanha. Em 15 de maio deste ano, milhares de pessoas se reuniram em Puerta Del Sol, em Madri, e desde lá tem se expandido por todo o país reivindicando uma mudança radical no sistema político e representativo do país. Os manifestantes também opõem-se às privatizações, propondo um maior controle democrático do sistema financeiro. Da Espanha, Raul concedeu esta entrevista por e mail à IHU On-Line, em que falou sobre o início do movimento, a importância das redes sociais para que ele se fortalecesse e repercutisse e, também, sobre como instituições que, antes, estavam a frente das mobilizações da população, como os partidos políticos, sindicatos e ONGs, saem enfraquecidos e descrentes. Raul Sánchez Cedillo é tradutor e filósofo e faz parte da Universidad Nómada da Espanha. É membro do Comitê de redação das revistas Multitudes (com sede em París) e Swarm. Confira a entrevista. IHU On-Line – Como começou o movimento #15M? Raul Sánchez Cedillo – O movimento começou com o convite para a manifestação do dia 15 de maio de 2011, lançada por uma rede emergente chamada Democracia Real Já. O lema da convocatória é: “Não somos mercadoria nas mãos de políticos e banqueiros. Democracia real já”. A manifestação foi realizada em mais de 60 localidades de toda a Espanha pelos vários núcleos do movimento e foi amplamente divulgada através das redes sociais na internet, principalmente via Facebook e Twitter. A manifestação foi feita uma semana antes das eleições municipais e regionais do dia 22 de maio com o objetivo de expressar a rejeição em massa à democracia atual, ao bipartidarismo e à impossibilidade de opções que a ditadura dos mercados e instituições financeiras nos trouxe. Semanas antes dessa data, o número de adesões e confirmações de presença virtual de algo que poderia ocorrer eram perceptíveis. IHU On-Line – Quais são as reivindicações dos manifestantes? Raul Sánchez Cedillo – A esta altura, nos encontramos diante de algo como uma imensa “lista de queixas” coletadas em dezenas de assembleias feitas por toda a Espanha. É preciso somar ainda as produções das assembleias realizadas em outros lugares da Europa e do mundo, sobretudo na Grécia e na França. Ainda assim, é possível dizer que o movimento reúne: a) propostas de radicalização democrática do sistema político e representativo, tais como: reforma da lei eleitoral contra o bipartidarismo; legislação específica contra a corrupção dos representantes eleitos; independência efetiva do sistema judicial a respeito dos partidos políticos; b) propostas contra a privatização dos serviços públicos, do sistema de pensões e contra os cortes nas serviços sociais. Também reivindicam a universalidade do atendimento à saúde e educação. Além disso, há um número dramático de pessoas que estão perdendo suas casas porque não podem pagar as hipotecas imobiliárias que contraíram e isso precisa ser revisto; c) propostas de controle democrático do sistema financeiro e exigência para que os bancos e as companhias de investimento devolvam o dinheiro público que foi dado a elas para que não falissem. E que esse dinheiro devolvido seja gasto com as questões sociais e investido para o bem da população. IHU On-Line – Os manifestantes são todos jovens? Por que são os jovens que fazem tais reivindicações ao governo? Raul Sánchez Cedillo – O movimento é majoritariamente jovem (entre 18 e 30 anos), mas não se pode chamar de movimento juvenil. Não apenas porque a participação se dá com pessoas de todos os grupos de idade, mas também porque expressa situações e interesses comuns, com maior ou menor centralidade em um ou outro aspecto. Podemos dizer que nestes dias uma nova geração massiva de ativistas jovens tem feito seu “batismo” de fogo na experiência fundadora e mitopoética. IHU On-Line – Como entender estes acontecimentos numa região de bem-estar social? Raul Sánchez Cedillo – O bem-estar social é relativo. Se o compararmos com os países centrais da Europa todos os indicadores de bem-estar social da Espanha estão abaixo do nível de todo o continente europeu, desde o gasto social por habitante até o gasto em educação, saúde, salário mínimo, idade de aposentadoria , distribuição de renda per capita etc. As taxas de crescimento do PIB nos últimos dez anos na Espanha correspondem aos ganhos de capital geradas pelo ciclo imobiliário e hipotecário e a consequente disponibilidade de uma massa monetária baseadas nestas formas de crédito. O colapso financeiro euroatlântico foi acompanhado, na Espanha, de um colapso econômico sem precedentes. Isso porque a economia espanhola é movida fundamentalmente por uma indústria da construção e financeira imobiliárias (junto dos serviços turísticos), cujo comportamento empresarial e bancário tem sido de risco zero que resultou na desaceleração do crédito e dos investimentos e que, portanto, geraram dois milhões de desempregados nestes últimos anos, segundo dados oficiais. O consentimento do governo socialista de Zapatero arruinou todo o seu capital político nesta subordinação completa aos grandes poderes financeiros e das corporações. Estamos diante de um ataque mortal ao sistema do Estado de bem-estar social em toda União Europeia – UE, ou seja, uma destruição dos fundamentos sociais da União Europeia e de seus textos constitucionais. Na Espanha, a crise é ainda mais grave porque as políticas de austeridade da própria UE, junto com a adesão ao Euro, impedem toda manobra competitiva e toda autonomia financeira. O problema da Espanha é um problema europeu, para o bem ou para o mal. IHU On-Line – As manifestações são similares ao que ocorreu no Egito e na Líbia? Raul Sánchez Cedillo – Há grandes similaridades, desde o uso das redes sociais até o acampamento em grandes praças, assim como a retórica da indignação ante um sistema político e social intolerável. Em qualquer caso, as referências à primavera árabe no movimento #15M são explícitas e não anedóticas. Essa grande onda de manifestações nestes países tem contribuído para o despertar da população. IHU On-Line – Como é o uso das tecnologias nas manifestações? Raul Sánchez Cedillo – Podemos dizer que é um uso ótimo a respeito das possibilidades da web 2.0. A imersão infosférica do movimento é completa e praticamente generalizada. Os aspectos mais interessantes do uso são os seguintes: – A extensão viral e rizomática das convocatórias, lemas, propostas através das redes sociais e a multiplicação dos fóruns de discussão; a velocidade de contágio e indignação é praticamente instantânea entre quaisquer sujeitos. – A dimensão post-massmediática da informação e da comunicação neste movimento. Creio que, pela primeira vez, ao menos na Espanha, tem-se produzido uma autonomia completa dos meios de expressão pública do movimento, assim como de suas formas de comunicação interna. Há uma mês do movimento, não havia “rostos” nem “nomes” de porta-vozes públicos reconhecíveis, todos têm sido efêmeros. Pela primeira vez, os mass-media tem estado atrás do movimento e têm sido obrigados a nutrir-se das fontes de informação próprias do movimento, talvez todas as tentativas de manipulação, tergiversação e criminalização tenham sido imediatamente contestadas por usuários dos mass-media e por participantes e/ou simpatizantes do movimento (contestadas não somente com a opinião contrária, como também com fontes, imagens e textos próprios). A retransmissão constante de muitas assembleias e as manifestações por streaming na internet têm dado uma visibilidade e uma transparência ao movimento que têm anulado todas as tentativas de invisibilizá-lo ou tipificá-lo. – Para ler mais: | |
#15M na Espanha e a descrença nos partidos, sindicatos e ONGs. Entrevista especial com Raul Sánchez Cedillo |
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