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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Turismo abre exceção para “maior São João do mundo”


Ministério permite que parlamentares direcionem R$ 1 milhão a mais que o limite autorizado por norma que pretendia coibir o uso de dinheiro público em festas. Parecer da própria pasta advertiu para excesso no repasse
Site oficial
São João de Campina Grande extrapolou limite de envio de recursos de emendas orçamentárias
Edson Sardinha
O mês das festas juninas mal chegou. Mas a folia com o dinheiro público está longe de ir embora. O Ministério do Turismo abriu uma exceção e permitiu que parlamentares direcionassem ao “maior São João do mundo” R$ 1 milhão além do limite imposto pela própria pasta no final do ano passado. Contrariando orientação inicial do ministério, o ministro Pedro Novais garantiu o envio de R$ 1,6 milhão do orçamento federal para a festa junina de Campina Grande (PB) por meio de emendas direcionadas por dois senadores e dois deputados da Paraíba.
O valor contraria de duas maneiras os limites definidos pela Portaria 88/2010, assinada em dezembro pelo então ministro Luiz Barretto para coibir o desperdício de dinheiro público com festas populares, alvos de suspeitas de irregularidade. A norma diz que nenhum evento gerador de fluxo turístico, como são as festas juninas, pode receber mais de R$ 600 mil originários de emendas parlamentares individuais. Ou seja, o limite imposto pela portaria é menos da metade do valor aprovado para o São João de Campina Grande.
O texto também limita em R$ 300 mil o valor que cada congressista pode destinar, por meio de emendas, para eventos dessa natureza. Esse teto também foi extrapolado. E logo pelo atual presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), senador Vital do Rêgo (PMDB-PB).
Num ofício enviado em 11 de abril, Vital do Rêgo pediu ao ministro do Turismo que direcionasse R$ 1 milhão de uma de suas emendas para a realização do São João de Campina Grande. Ou seja, mais de três vezes o limite estabelecido pela portaria. Vital é do mesmo partido de Pedro Novais e irmão do prefeito de Campina Grande, o também peemedebista Veneziano Vital do Rêgo. “Trata-se de um evento de magnitude internacional, que sempre contou com o apoio do governo federal através de suas políticas públicas”, disse o senador à reportagem por meio de sua assessoria (leia mais).
“Excepcionalidades”
Procurado pelo Congresso em Foco, o ministério alegou que autorizou que os parlamentares estourassem o teto em caráter excepcional por causa da importância da festa no interior da Paraíba. “As festividades juninas estão estimadas a um custo baixo, se comparada aos benefícios gerados. A responsabilidade social, por si só, justifica o apoio a eventos dessa natureza e sua execução gera 10 mil empregos indiretos e 3 mil diretos no município de Campina Grande”, diz a nota enviada pela assessoria do ministro (leia a íntegra).
Uma questão, porém, é que exatamente por ser hoje um importante evento turístico, a Festa de São João de Campina Grande consegue facilmente investimentos privados, o que diminuiria a necessidade de dinheiro do orçamento da União. No site da festa, já consta, por exemplo, o patrocínio da cervejaria Schincariol, da multinacional de eletrônicos Sony, da marca de sandálias Havaianas e da Cachaça 51, entre outros.
O ministério argumenta que sua decisão está baseada no artigo 41 da Portaria 88/2010, que delega ao secretário-executivo e ao secretário nacional de Políticas da pasta competência para “decidir acerca das excepcionalidades que venham a surgir”. O mesmo discurso é adotado por Vital do Rêgo.
O problema é que a norma condiciona o recurso dessas “excepcionalidades” à apresentação de “prévia análise” e “parecer técnico da área responsável”, o que não ocorreu no caso. Pelo contrário, há seis pareceres técnicos preliminares do ministério advertindo que o valor da proposta apresentada pela prefeitura de Campina Grande, que firma o convênio com o governo federal, está acima dos limites imposto pela Portaria 88/2010. “ATENÇÃO!!! Valor autorizado está diferente do valor da proposta, por favor, adequar”, alertou, em várias oportunidades, a funcionária do ministério responsável pelo contato com a prefeitura.
“De acordo”
Apesar dos alertas, o parecer jurídico final do Ministério do Turismo chegou a analisar o processo como um todo, mas não fez qualquer referência à ultrapassagem dos limites, e aprovou o convênio. O parecer é do dia 27 de maio. De acordo com a documentação anexada ao convênio, a coordenadora nacional de Políticas, Janaína Pinto, alertou a secretária nacional de Políticas do Turismo, Ana Isabel Mesquita, de que havia um pedido da prefeitura de Campina Grande para que o limite fosse estourado.
Por isso, encaminhou o caso a ela e ao secretário-executivo do ministério, Frederico Costa, para analisarem a situação. Em 19 de maio, mesmo sem um parecer técnico sobre a superação do teto, Ana Isabel e Frederico aprovaram o pedido da prefeitura, respondendo que estavam “de acordo” com a reivindicação do prefeito (veja o documento).
O ministério também decidiu destinar R$ 200 mil ao evento, totalizando a promessa de repasse de R$ 1,8 milhão em recursos federais para “o maior São João do mundo”. Além da emenda no valor de R$ 1 milhão, de Vital do Rêgo, outros três parlamentares também destinaram recurso para o São João de Campina Grande. O também senador Cícero Lucena (PSDB) destinou R$ 300 mil, enquanto os deputados Wellington Roberto (PR) e Manoel Júnior (PMDB) direcionaram R$ 150 mil cada.
A corrida dos parlamentares por apoio à realização do São João de Campina Grande (PB) produziu uma situação no mínimo curiosa. Wellington Roberto copiou na íntegra, modificando apenas o valor da emenda, o ofício enviado por Vital do Rêgo a Pedro Novais. A fidelidade ao documento original, enviado quase um mês antes ao ministério, foi tão grande que o gabinete do deputado atribuiu a Roberto o partido de Vital. No documento, assinado em 4 de maio, Wellington Roberto aparece como sendo do PMDB e não do PR, partido ao qual está filiado desde 2003 (compare os dois ofícios).

Caminho para desvio
Em entrevista ao Congresso em Foco no final do ano passado, o ministro Jorge Hage, da Controladoria Geral da União (CGU), afirmou que as emendas parlamentares individuais estavam no centro do problema da malversação do dinheiro público no país. À frente da apuração de denúncias sobre mau uso de recursos do orçamento com festas e eventos, Jorge Hage defendeu a extinção das emendas.
“Primeiro, tais emendas pulverizam o dinheiro público em pequenas obras de interesse público menor. Em segundo, fazem com que o parlamentar federal exerça um papel de vereador, quando ele deveria estar preocupado com os grandes debates nacionais. E, finalmente, porque tem sido esse o principal caminho para os desvios de dinheiro público que verificamos”, disse o ministro.
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