Ministério permite que parlamentares direcionem R$ 1 milhão a mais que o limite autorizado por norma que pretendia coibir o uso de dinheiro público em festas. Parecer da própria pasta advertiu para excesso no repasse
São João de Campina Grande extrapolou limite de envio de recursos de emendas orçamentárias |
O mês das festas juninas mal chegou. Mas a folia com o dinheiro público está longe de ir embora. O Ministério do Turismo abriu uma exceção e permitiu que parlamentares direcionassem ao “maior São João do mundo” R$ 1 milhão além do limite imposto pela própria pasta no final do ano passado. Contrariando orientação inicial do ministério, o ministro Pedro Novais garantiu o envio de R$ 1,6 milhão do orçamento federal para a festa junina de Campina Grande (PB) por meio de emendas direcionadas por dois senadores e dois deputados da Paraíba.
O valor contraria de duas maneiras os limites definidos pela Portaria 88/2010, assinada em dezembro pelo então ministro Luiz Barretto para coibir o desperdício de dinheiro público com festas populares, alvos de suspeitas de irregularidade. A norma diz que nenhum evento gerador de fluxo turístico, como são as festas juninas, pode receber mais de R$ 600 mil originários de emendas parlamentares individuais. Ou seja, o limite imposto pela portaria é menos da metade do valor aprovado para o São João de Campina Grande.
O texto também limita em R$ 300 mil o valor que cada congressista pode destinar, por meio de emendas, para eventos dessa natureza. Esse teto também foi extrapolado. E logo pelo atual presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), senador Vital do Rêgo (PMDB-PB).
Num ofício enviado em 11 de abril, Vital do Rêgo pediu ao ministro do Turismo que direcionasse R$ 1 milhão de uma de suas emendas para a realização do São João de Campina Grande. Ou seja, mais de três vezes o limite estabelecido pela portaria. Vital é do mesmo partido de Pedro Novais e irmão do prefeito de Campina Grande, o também peemedebista Veneziano Vital do Rêgo. “Trata-se de um evento de magnitude internacional, que sempre contou com o apoio do governo federal através de suas políticas públicas”, disse o senador à reportagem por meio de sua assessoria (leia mais).
“Excepcionalidades”
Procurado pelo Congresso em Foco, o ministério alegou que autorizou que os parlamentares estourassem o teto em caráter excepcional por causa da importância da festa no interior da Paraíba. “As festividades juninas estão estimadas a um custo baixo, se comparada aos benefícios gerados. A responsabilidade social, por si só, justifica o apoio a eventos dessa natureza e sua execução gera 10 mil empregos indiretos e 3 mil diretos no município de Campina Grande”, diz a nota enviada pela assessoria do ministro (leia a íntegra).
Uma questão, porém, é que exatamente por ser hoje um importante evento turístico, a Festa de São João de Campina Grande consegue facilmente investimentos privados, o que diminuiria a necessidade de dinheiro do orçamento da União. No site da festa, já consta, por exemplo, o patrocínio da cervejaria Schincariol, da multinacional de eletrônicos Sony, da marca de sandálias Havaianas e da Cachaça 51, entre outros.
O ministério argumenta que sua decisão está baseada no artigo 41 da Portaria 88/2010, que delega ao secretário-executivo e ao secretário nacional de Políticas da pasta competência para “decidir acerca das excepcionalidades que venham a surgir”. O mesmo discurso é adotado por Vital do Rêgo.
O problema é que a norma condiciona o recurso dessas “excepcionalidades” à apresentação de “prévia análise” e “parecer técnico da área responsável”, o que não ocorreu no caso. Pelo contrário, há seis pareceres técnicos preliminares do ministério advertindo que o valor da proposta apresentada pela prefeitura de Campina Grande, que firma o convênio com o governo federal, está acima dos limites imposto pela Portaria 88/2010. “ATENÇÃO!!! Valor autorizado está diferente do valor da proposta, por favor, adequar”, alertou, em várias oportunidades, a funcionária do ministério responsável pelo contato com a prefeitura.
“De acordo”
Apesar dos alertas, o parecer jurídico final do Ministério do Turismo chegou a analisar o processo como um todo, mas não fez qualquer referência à ultrapassagem dos limites, e aprovou o convênio. O parecer é do dia 27 de maio. De acordo com a documentação anexada ao convênio, a coordenadora nacional de Políticas, Janaína Pinto, alertou a secretária nacional de Políticas do Turismo, Ana Isabel Mesquita, de que havia um pedido da prefeitura de Campina Grande para que o limite fosse estourado.
Por isso, encaminhou o caso a ela e ao secretário-executivo do ministério, Frederico Costa, para analisarem a situação. Em 19 de maio, mesmo sem um parecer técnico sobre a superação do teto, Ana Isabel e Frederico aprovaram o pedido da prefeitura, respondendo que estavam “de acordo” com a reivindicação do prefeito (veja o documento).
O ministério também decidiu destinar R$ 200 mil ao evento, totalizando a promessa de repasse de R$ 1,8 milhão em recursos federais para “o maior São João do mundo”. Além da emenda no valor de R$ 1 milhão, de Vital do Rêgo, outros três parlamentares também destinaram recurso para o São João de Campina Grande. O também senador Cícero Lucena (PSDB) destinou R$ 300 mil, enquanto os deputados Wellington Roberto (PR) e Manoel Júnior (PMDB) direcionaram R$ 150 mil cada.
A corrida dos parlamentares por apoio à realização do São João de Campina Grande (PB) produziu uma situação no mínimo curiosa. Wellington Roberto copiou na íntegra, modificando apenas o valor da emenda, o ofício enviado por Vital do Rêgo a Pedro Novais. A fidelidade ao documento original, enviado quase um mês antes ao ministério, foi tão grande que o gabinete do deputado atribuiu a Roberto o partido de Vital. No documento, assinado em 4 de maio, Wellington Roberto aparece como sendo do PMDB e não do PR, partido ao qual está filiado desde 2003 (compare os dois ofícios).
Caminho para desvio
Em entrevista ao Congresso em Foco no final do ano passado, o ministro Jorge Hage, da Controladoria Geral da União (CGU), afirmou que as emendas parlamentares individuais estavam no centro do problema da malversação do dinheiro público no país. À frente da apuração de denúncias sobre mau uso de recursos do orçamento com festas e eventos, Jorge Hage defendeu a extinção das emendas.
“Primeiro, tais emendas pulverizam o dinheiro público em pequenas obras de interesse público menor. Em segundo, fazem com que o parlamentar federal exerça um papel de vereador, quando ele deveria estar preocupado com os grandes debates nacionais. E, finalmente, porque tem sido esse o principal caminho para os desvios de dinheiro público que verificamos”, disse o ministro.
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