Faca no pescoço
O Supremo Tribunal Federal precisa desmitificar o julgamento do processo do mensalão. O tribunal tem de achar um procedimento que permita o julgamento desse processo sem deixar de lado as outras milhares de ações que aguardam a definição dos ministros. A opinião é do ministro Marco Aurélio: “Até parece que não temos mais nada importante na Corte para julgar, que essa é a primeira ação relevante submetida ao crivo do Supremo”.
Em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico nesta quinta-feira (31/5), o ministro afirmou que não vê motivos para a pressa que se percebe em julgar o mensalão e que sequer seria conveniente analisar o caso durante o período eleitoral. Para Marco Aurélio, é evidente que a decisão do STF pode influenciar o processo eleitoral. “Acabará o pronunciamento do Supremo interferindo no processo eleitoral, no certame eleitoral, com desequilíbrio para a disputa”, afirmou. De acordo com ele, contudo, o período eleitoral também não é um obstáculo intransponível para que o caso seja julgado.
O ministro não admite a possibilidade de suspensão do recesso de julho por conta de um processo que considera tão importante quanto qualquer outro que tramita no Supremo e diz que não compareceria às sessões. “Eu próprio não comparecerei a qualquer sessão convocada para o mês de julho para julgar especificamente um processo. Afinal de contas, ninguém está no corredor da morte”, disse.
Na entrevista, o ministro ainda criticou o atraso nas sessões do Supremo, as longas discussões sobre o mesmo fato que acabam por impedir o julgamento de outros processos e a pressão sobre o revisor da ação do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski, para que ele libere logo o processo para a pauta. “O que se quer? Um exame aligeirado pela rama? Não. Se quer um exame cuidadoso, porque nós estaremos lidando com a liberdade de cidadãos”. De acordo com Marco Aurélio, o tribunal não pode deixar de lado, neste caso, a equidistância que deve ter em relação a qualquer processo que tramita no STF.
Leia a entrevista:
ConJur — Há justificativa para a pressa no julgamento do processo do mensalão?
Marco Aurélio — Temos de desmitificar esse processo. Até parece que não temos mais nada importante na Corte para julgar, que essa é a primeira ação relevante submetida ao crivo do Supremo. O processo, para mim, é um processo igual a tantos outros que nós apreciamos. Há uma excitação muito grande, considerado até o rótulo do processo: mensalão. Há a cobrança da sociedade, dos veículos de comunicação que informam e ressaltam o julgamento. Mas é uma Ação Penal. Uma Ação Penal que se mostrou grandiosa quanto à quantidade de envolvidos, no que se manteve aqui, a meu ver com maltrato ao princípio do juiz natural, acusados que não detêm prerrogativa de foro. Mas nós devemos proceder com naturalidade. Precisamos pensar em uma fórmula que não suspenda, ante o tempo necessário para julgamento desse processo, a jurisdição. Que não menospreze a situação de inúmeros jurisdicionados que estão na fila aguardando para ver seu processo julgado. Nós temos, no Pleno, cerca de 700 processos para serem apreciados. Recursos Extraordinários, com repercussão geral admitida, são 253. E estamos julgando muito pouco.
ConJur — Por que julgando pouco?
Marco Aurélio — Porque continuamos com uma relapsia no tocante a tempo, ao horário. Ontem iniciamos a sessão com 50 minutos de atraso. Eu fico até com pena daquele casalzinho que apresenta a sessão plenária na TV Justiça porque eles precisam encher linguiça. Aí, o que ocorre? O presidente compensa no final da sessão. Eu tinha ontem audiências com advogados de fora de Brasília, com uma subprocuradora do município do Rio de Janeiro, com um advogado de São Paulo. E aí nós passamos por relapsos. Sou favorável a se cumprir horário, a se otimizar o tempo. Cada qual se policiar, que aquilo ali não é uma academia. Para acompanhar o relator você não precisa fundamentar o voto. Mas para divergir, sim. E o que está acontecendo? Quando chega a minha vez de votar e eu divirjo. Aí eles começam a rediscutir a matéria, como se houvesse divergência entre eles. E não há. Para quê? Para mostrar ao grande público que eles não estão errados? Já votaram, já fundamentaram os votos. E a desconfiança pesa sobre mim, porque toda vez que você fica isolado em um colegiado, tem que desconfiar do que veiculou. E com isso se gasta muito, mas muito tempo. E em vez de se julgar dez ou 15 processos por sessão, julgamos só um. Às vezes, nem um processo.
ConJur — O senhor admite a possibilidade de suspensão do recesso de julho para julgar esse processo?
Marco Aurélio — De forma alguma. Aí é que seria colar a esse processo a excepcionalidade, discrepando do que se imagina em termos de Estado Democrático de Direito. Eu próprio não comparecerei a qualquer sessão convocada para o mês de julho para julgar especificamente um processo. Afinal de contas, ninguém está no corredor da morte.
ConJur — Há a necessidade de julgar o processo esse ano?
Marco Aurélio — Necessidade não há. E procede a preocupação do ex-presidente Lula. Eu admito como legítima a preocupação do ex-presidente quanto à simultaneidade de termos o julgamento no semestre das eleições.
ConJur — Por quê?
Marco Aurélio — Primeiro, porque ele é leigo no campo do direito. Segundo, ele confunde-se com o partido. Ele é o integrante maior do PT. E há acusados do PT no processo. Qual será a repercussão junto aos eleitores da condenação de um desses acusados? Acabará o pronunciamento do Supremo interferindo no processo eleitoral, no certame eleitoral, com desequilíbrio para a disputa.
ConJur — Ou seja, não seria conveniente julgar esse processo no período eleitoral?
Marco Aurélio — Não. De início eu mesmo, como cidadão e como alguém com uma experiência relativa da vida pública, da vida gregária, da vida em sociedade, creio que não seria conveniente esse julgamento no segundo semestre. O ideal teria sido o julgamento ainda em 2011 ou no primeiro semestre de 2012. Agora, evidentemente, se o revisor liberar o processo, ele estiver aparelhado e o presidente o incluir em pauta — quem inclui em pauta é o presidente, ele é quem define, pela liturgia da Corte, os processos que serão julgados — eu estarei pronto para me pronunciar. Também não é obstáculo intransponível a realização das eleições para o julgamento.
ConJur — O mensalão não é um processo especial?
Marco Aurélio — Não. É um processo trabalhoso, porque tem vários acusados. E o relator já nos assustou dizendo que o voto dele tem mais de mil folhas, mas nós temos de estar prontos para julgar. E julgar quando aparelhado o processo. Essa é outra coisa que eu nunca vi no Supremo, uma pressão explícita ou implícita para um integrante do Supremo liberar o processo. Nós sempre guardamos um respeito mútuo muito grande. Cada qual é responsável pelos seus atos. O ministro revisor liberará o processo quando tiver o domínio do processo porque a atuação dele não é meramente formal, de lançar o visto como revisor. Ele precisa realmente ter o domínio.
ConJur — Ele tem de ter pleno conhecimento do caso, tanto quanto o relator, certo?
Marco Aurélio — Claro. Imagine, julgando o processo, um advogado vai à tribuna e coloca uma questão qualquer. O relator, por isso ou por aquilo, presta um esclarecimento, mas não convence. Aí o revisor, que poderá suplementar o que veiculado pelo relator, não terá condições? Por isso é que ele é o revisor. Implica a revisão, realmente. O exame do conteúdo.
ConJur — O revisor, ministro Ricardo Lewandowski, promete liberar a ação até o fim de junho. Será a revisão mais rápida da história do Supremo...
Marco Aurélio — Pelo tamanho, talvez. É um processo com muitos volumes, parece-me que com 80 mil folhas. O que se quer? Um exame aligeirado pela rama? Não. Se quer um exame cuidadoso, porque nós estaremos lidando com a liberdade de cidadãos.
ConJur — Dez advogados de acusados apresentaram uma petição pedindo, por exemplo, para que não sejam feitas sessões todos os dias da semana...
Marco Aurélio — E não haverá, porque nós não podemos parar a jurisdição. Nós atuamos muito no campo individual. Temos as turmas com Habeas Corpus com réus presos. Temos o Pleno. A minha ideia seria iniciar o julgamento, se dar sequência na quarta e quinta, no horário normal, cumprindo o horário e com a observância, não só das condições físicas do relator, que são precárias, mas também do compromisso de três ministros com o TSE, e deixarmos a manhã de quarta-feira para julgarmos os demais processos. Não vamos poder suspender os trabalhos para analisar uma só ação. Nós temos de dar satisfação aos contribuintes e aos jurisdicionados que estão aguardando há tempos o julgamento de suas causas.
ConJur — Os advogados pedem que o Supremo não julgue com a “faca no pescoço”. O senhor sente uma faca no pescoço?
Marco Aurélio — Não. Isso foi uma expressão retórica que um colega disse, que o tribunal teria recebido a denúncia com a faca no pescoço. Ao que eu disse: “Bendita faca”. E não julgamos... Depois de milhares de processos apreciados, nós temos uma leveza maior para atuar segundo o que pensamos, segundo convencimento formado, ciência e consciência possuídas, e decidir. Não podemos bater carimbo, colocar na vala comum, mas também não podemos conferir um procedimento especial a esse processo. Porque, se conferirmos, nós estaremos deixando no ar, principalmente ao leigo, certa suspeição da equidistância. Ou seja, uma impressão de que não estamos atuando como devemos atuar, como Estado juiz. De forma equidistante. E julgando segundo os elementos do processo. E nada mais.
ConJur — O senhor disse em sessão que achava estranho o STF discutir os procedimentos do processo sem a participação dos advogados...
Marco Aurélio — Exato. A mola mestra do devido processo legal é o contraditório. Ou seja, o cidadão saber o seu dia em juízo em que algo que diga respeito aos interesses dele estará sendo tratado. E aí nós temos o acompanhamento pela defesa técnica, pelo profissional da advocacia. Como vemos que se está potencializando a repercussão desse processo junto à sociedade, junto à mídia? Nós tivemos uma proposta em questão de ordem, para saber, por exemplo, se poderia o relator resumir o relatório. O que eu fiz na ação que discutiu a anencefalia? Eu li o relatório de 30 folhas? Não. Eu li quatro folhas. E eu mesmo decidi resumir, distribui aos colegas e entreguei ao advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde, que foi a autora da ação. Isso é ato do relator, é quem conduz o processo.
ConJur — Mas não é necessário definir alguns parâmetros, como o tempo da acusação?
Marco Aurélio — O Ministério Público, na história do Tribunal Superior Eleitoral, na história do Supremo, nunca teve marcação de tempo para falar. O Ministério Público é o fiscal da lei. Nessa terceira ida ao TSE, eu vi que isso mudou. Porque, quando se dá a palavra ao procurador-geral eleitoral, se diz que terá dez minutos para sustentação. Eu, se fosse do Ministério Público, já teria esperneado. Teria me insurgido contra isso. No caso do processo do chamado mensalão, se fixou cinco horas para a acusação. Cada defensor terá uma hora para defender o cliente. É claro que talvez não use esse tempo todo. Mas cinco horas para o procurador, delimitando-se? Cinco horas para o procurador, dividindo pelo número de acusados, representa oito minutos para ele falar sobre cada acusação. E parece que há imputações cumulativas. Ou seja, não se atribui apenas um crime, mas, no caso de alguns acusados, dois ou três crimes.
ConJur — Os advogados também citam o receio de que se crie um agravante do risco de prescrição...
Marco Aurélio — Não pode haver isso. A missão de julgar é uma missão sublime. E não cabe, nesse campo, para fugir da incidência da prescrição, se fazer conta de chegada. Majorar a pena visando afastar a prescrição. Isso aí é injustiça manifesta e é traição ao dever de fidelidade ao caso concreto, segundo a regência. Não passa pela minha cabeça que um integrante do Supremo imagine majorar a pena, não presentes as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, mas exacerbando essas circunstâncias judiciais para simplesmente não incidir a prescrição. Ou seja, nós não podemos cogitar de uma pena hipotética e depois ajustar essa pena hipotética a um quantitativo que afaste a prescrição.
ConJur — Como fazer esse julgamento sem transformar o Supremo em um tribunal de exceção?
Marco Aurélio — Com equidistância, que é garantia maior de todos, não apenas desses acusados. Eu não sei como vai ser, por exemplo, se houver condenação, a fixação da pena. Talvez tenhamos aí uma feira livre, cada qual levantando o dedo para sugerir uma pena. E nós devemos ter uma visão do conjunto e, de forma razoável e proporcional, fixar, se for o caso de condenação, a pena para cada qual dos acusados. Outra coisa que não cabe é o seguinte: há um princípio básico em Direito Penal de que a culpa é individual. Não cabe julgamento em bloco. Ou seja, se imagina que, em relação a cada qual, haja elementos a revelar a culpa ou a inocência.
ConJur — O julgamento tem de ser individualizado...
Marco Aurélio — Sim. Claro que talvez se possa cogitar de quadrilha. Aí se pega cada qual e examina, no tocando a cada um dos acusados, os elementos que foram coligidos ao processo.
ConJur — Recentemente, a OAB entrou no Supremo com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando o financiamento privado de campanhas políticas por empresas. Considerando que todos os escândalos políticos têm origem em financiamento de campanhas, essa ação não seria mais importante...
Marco Aurélio — Muito mais importante. E eu já disse que eu sou a favor do voto facultativo, não obrigatório. O exercício da cidadania é um direito. O cidadão não pode ser compelido a exercer a cidadania. É escolha dele. E, em segundo lugar, defendo o financiamento estritamente público. Hoje ele é misto, já que se tem o fundo partidário, e o horário de televisão com desconto, pela empresa que transmite a propaganda, de imposto por conta do tempo consumido. Eu não consigo conceber o financiamento por parte de pessoa jurídica. Pessoa natural, ainda podemos imaginar que haja idealismo, adesão ao partido. Mas o financiamento privado acaba saindo muito caro para a sociedade. Não acredito em altruísmo. E se busca, posteriormente, quanto ao eleito, o troco.
Em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico nesta quinta-feira (31/5), o ministro afirmou que não vê motivos para a pressa que se percebe em julgar o mensalão e que sequer seria conveniente analisar o caso durante o período eleitoral. Para Marco Aurélio, é evidente que a decisão do STF pode influenciar o processo eleitoral. “Acabará o pronunciamento do Supremo interferindo no processo eleitoral, no certame eleitoral, com desequilíbrio para a disputa”, afirmou. De acordo com ele, contudo, o período eleitoral também não é um obstáculo intransponível para que o caso seja julgado.
O ministro não admite a possibilidade de suspensão do recesso de julho por conta de um processo que considera tão importante quanto qualquer outro que tramita no Supremo e diz que não compareceria às sessões. “Eu próprio não comparecerei a qualquer sessão convocada para o mês de julho para julgar especificamente um processo. Afinal de contas, ninguém está no corredor da morte”, disse.
Na entrevista, o ministro ainda criticou o atraso nas sessões do Supremo, as longas discussões sobre o mesmo fato que acabam por impedir o julgamento de outros processos e a pressão sobre o revisor da ação do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski, para que ele libere logo o processo para a pauta. “O que se quer? Um exame aligeirado pela rama? Não. Se quer um exame cuidadoso, porque nós estaremos lidando com a liberdade de cidadãos”. De acordo com Marco Aurélio, o tribunal não pode deixar de lado, neste caso, a equidistância que deve ter em relação a qualquer processo que tramita no STF.
Leia a entrevista:
ConJur — Há justificativa para a pressa no julgamento do processo do mensalão?
Marco Aurélio — Temos de desmitificar esse processo. Até parece que não temos mais nada importante na Corte para julgar, que essa é a primeira ação relevante submetida ao crivo do Supremo. O processo, para mim, é um processo igual a tantos outros que nós apreciamos. Há uma excitação muito grande, considerado até o rótulo do processo: mensalão. Há a cobrança da sociedade, dos veículos de comunicação que informam e ressaltam o julgamento. Mas é uma Ação Penal. Uma Ação Penal que se mostrou grandiosa quanto à quantidade de envolvidos, no que se manteve aqui, a meu ver com maltrato ao princípio do juiz natural, acusados que não detêm prerrogativa de foro. Mas nós devemos proceder com naturalidade. Precisamos pensar em uma fórmula que não suspenda, ante o tempo necessário para julgamento desse processo, a jurisdição. Que não menospreze a situação de inúmeros jurisdicionados que estão na fila aguardando para ver seu processo julgado. Nós temos, no Pleno, cerca de 700 processos para serem apreciados. Recursos Extraordinários, com repercussão geral admitida, são 253. E estamos julgando muito pouco.
ConJur — Por que julgando pouco?
Marco Aurélio — Porque continuamos com uma relapsia no tocante a tempo, ao horário. Ontem iniciamos a sessão com 50 minutos de atraso. Eu fico até com pena daquele casalzinho que apresenta a sessão plenária na TV Justiça porque eles precisam encher linguiça. Aí, o que ocorre? O presidente compensa no final da sessão. Eu tinha ontem audiências com advogados de fora de Brasília, com uma subprocuradora do município do Rio de Janeiro, com um advogado de São Paulo. E aí nós passamos por relapsos. Sou favorável a se cumprir horário, a se otimizar o tempo. Cada qual se policiar, que aquilo ali não é uma academia. Para acompanhar o relator você não precisa fundamentar o voto. Mas para divergir, sim. E o que está acontecendo? Quando chega a minha vez de votar e eu divirjo. Aí eles começam a rediscutir a matéria, como se houvesse divergência entre eles. E não há. Para quê? Para mostrar ao grande público que eles não estão errados? Já votaram, já fundamentaram os votos. E a desconfiança pesa sobre mim, porque toda vez que você fica isolado em um colegiado, tem que desconfiar do que veiculou. E com isso se gasta muito, mas muito tempo. E em vez de se julgar dez ou 15 processos por sessão, julgamos só um. Às vezes, nem um processo.
ConJur — O senhor admite a possibilidade de suspensão do recesso de julho para julgar esse processo?
Marco Aurélio — De forma alguma. Aí é que seria colar a esse processo a excepcionalidade, discrepando do que se imagina em termos de Estado Democrático de Direito. Eu próprio não comparecerei a qualquer sessão convocada para o mês de julho para julgar especificamente um processo. Afinal de contas, ninguém está no corredor da morte.
ConJur — Há a necessidade de julgar o processo esse ano?
Marco Aurélio — Necessidade não há. E procede a preocupação do ex-presidente Lula. Eu admito como legítima a preocupação do ex-presidente quanto à simultaneidade de termos o julgamento no semestre das eleições.
ConJur — Por quê?
Marco Aurélio — Primeiro, porque ele é leigo no campo do direito. Segundo, ele confunde-se com o partido. Ele é o integrante maior do PT. E há acusados do PT no processo. Qual será a repercussão junto aos eleitores da condenação de um desses acusados? Acabará o pronunciamento do Supremo interferindo no processo eleitoral, no certame eleitoral, com desequilíbrio para a disputa.
ConJur — Ou seja, não seria conveniente julgar esse processo no período eleitoral?
Marco Aurélio — Não. De início eu mesmo, como cidadão e como alguém com uma experiência relativa da vida pública, da vida gregária, da vida em sociedade, creio que não seria conveniente esse julgamento no segundo semestre. O ideal teria sido o julgamento ainda em 2011 ou no primeiro semestre de 2012. Agora, evidentemente, se o revisor liberar o processo, ele estiver aparelhado e o presidente o incluir em pauta — quem inclui em pauta é o presidente, ele é quem define, pela liturgia da Corte, os processos que serão julgados — eu estarei pronto para me pronunciar. Também não é obstáculo intransponível a realização das eleições para o julgamento.
ConJur — O mensalão não é um processo especial?
Marco Aurélio — Não. É um processo trabalhoso, porque tem vários acusados. E o relator já nos assustou dizendo que o voto dele tem mais de mil folhas, mas nós temos de estar prontos para julgar. E julgar quando aparelhado o processo. Essa é outra coisa que eu nunca vi no Supremo, uma pressão explícita ou implícita para um integrante do Supremo liberar o processo. Nós sempre guardamos um respeito mútuo muito grande. Cada qual é responsável pelos seus atos. O ministro revisor liberará o processo quando tiver o domínio do processo porque a atuação dele não é meramente formal, de lançar o visto como revisor. Ele precisa realmente ter o domínio.
ConJur — Ele tem de ter pleno conhecimento do caso, tanto quanto o relator, certo?
Marco Aurélio — Claro. Imagine, julgando o processo, um advogado vai à tribuna e coloca uma questão qualquer. O relator, por isso ou por aquilo, presta um esclarecimento, mas não convence. Aí o revisor, que poderá suplementar o que veiculado pelo relator, não terá condições? Por isso é que ele é o revisor. Implica a revisão, realmente. O exame do conteúdo.
ConJur — O revisor, ministro Ricardo Lewandowski, promete liberar a ação até o fim de junho. Será a revisão mais rápida da história do Supremo...
Marco Aurélio — Pelo tamanho, talvez. É um processo com muitos volumes, parece-me que com 80 mil folhas. O que se quer? Um exame aligeirado pela rama? Não. Se quer um exame cuidadoso, porque nós estaremos lidando com a liberdade de cidadãos.
ConJur — Dez advogados de acusados apresentaram uma petição pedindo, por exemplo, para que não sejam feitas sessões todos os dias da semana...
Marco Aurélio — E não haverá, porque nós não podemos parar a jurisdição. Nós atuamos muito no campo individual. Temos as turmas com Habeas Corpus com réus presos. Temos o Pleno. A minha ideia seria iniciar o julgamento, se dar sequência na quarta e quinta, no horário normal, cumprindo o horário e com a observância, não só das condições físicas do relator, que são precárias, mas também do compromisso de três ministros com o TSE, e deixarmos a manhã de quarta-feira para julgarmos os demais processos. Não vamos poder suspender os trabalhos para analisar uma só ação. Nós temos de dar satisfação aos contribuintes e aos jurisdicionados que estão aguardando há tempos o julgamento de suas causas.
ConJur — Os advogados pedem que o Supremo não julgue com a “faca no pescoço”. O senhor sente uma faca no pescoço?
Marco Aurélio — Não. Isso foi uma expressão retórica que um colega disse, que o tribunal teria recebido a denúncia com a faca no pescoço. Ao que eu disse: “Bendita faca”. E não julgamos... Depois de milhares de processos apreciados, nós temos uma leveza maior para atuar segundo o que pensamos, segundo convencimento formado, ciência e consciência possuídas, e decidir. Não podemos bater carimbo, colocar na vala comum, mas também não podemos conferir um procedimento especial a esse processo. Porque, se conferirmos, nós estaremos deixando no ar, principalmente ao leigo, certa suspeição da equidistância. Ou seja, uma impressão de que não estamos atuando como devemos atuar, como Estado juiz. De forma equidistante. E julgando segundo os elementos do processo. E nada mais.
ConJur — O senhor disse em sessão que achava estranho o STF discutir os procedimentos do processo sem a participação dos advogados...
Marco Aurélio — Exato. A mola mestra do devido processo legal é o contraditório. Ou seja, o cidadão saber o seu dia em juízo em que algo que diga respeito aos interesses dele estará sendo tratado. E aí nós temos o acompanhamento pela defesa técnica, pelo profissional da advocacia. Como vemos que se está potencializando a repercussão desse processo junto à sociedade, junto à mídia? Nós tivemos uma proposta em questão de ordem, para saber, por exemplo, se poderia o relator resumir o relatório. O que eu fiz na ação que discutiu a anencefalia? Eu li o relatório de 30 folhas? Não. Eu li quatro folhas. E eu mesmo decidi resumir, distribui aos colegas e entreguei ao advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde, que foi a autora da ação. Isso é ato do relator, é quem conduz o processo.
ConJur — Mas não é necessário definir alguns parâmetros, como o tempo da acusação?
Marco Aurélio — O Ministério Público, na história do Tribunal Superior Eleitoral, na história do Supremo, nunca teve marcação de tempo para falar. O Ministério Público é o fiscal da lei. Nessa terceira ida ao TSE, eu vi que isso mudou. Porque, quando se dá a palavra ao procurador-geral eleitoral, se diz que terá dez minutos para sustentação. Eu, se fosse do Ministério Público, já teria esperneado. Teria me insurgido contra isso. No caso do processo do chamado mensalão, se fixou cinco horas para a acusação. Cada defensor terá uma hora para defender o cliente. É claro que talvez não use esse tempo todo. Mas cinco horas para o procurador, delimitando-se? Cinco horas para o procurador, dividindo pelo número de acusados, representa oito minutos para ele falar sobre cada acusação. E parece que há imputações cumulativas. Ou seja, não se atribui apenas um crime, mas, no caso de alguns acusados, dois ou três crimes.
ConJur — Os advogados também citam o receio de que se crie um agravante do risco de prescrição...
Marco Aurélio — Não pode haver isso. A missão de julgar é uma missão sublime. E não cabe, nesse campo, para fugir da incidência da prescrição, se fazer conta de chegada. Majorar a pena visando afastar a prescrição. Isso aí é injustiça manifesta e é traição ao dever de fidelidade ao caso concreto, segundo a regência. Não passa pela minha cabeça que um integrante do Supremo imagine majorar a pena, não presentes as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, mas exacerbando essas circunstâncias judiciais para simplesmente não incidir a prescrição. Ou seja, nós não podemos cogitar de uma pena hipotética e depois ajustar essa pena hipotética a um quantitativo que afaste a prescrição.
ConJur — Como fazer esse julgamento sem transformar o Supremo em um tribunal de exceção?
Marco Aurélio — Com equidistância, que é garantia maior de todos, não apenas desses acusados. Eu não sei como vai ser, por exemplo, se houver condenação, a fixação da pena. Talvez tenhamos aí uma feira livre, cada qual levantando o dedo para sugerir uma pena. E nós devemos ter uma visão do conjunto e, de forma razoável e proporcional, fixar, se for o caso de condenação, a pena para cada qual dos acusados. Outra coisa que não cabe é o seguinte: há um princípio básico em Direito Penal de que a culpa é individual. Não cabe julgamento em bloco. Ou seja, se imagina que, em relação a cada qual, haja elementos a revelar a culpa ou a inocência.
ConJur — O julgamento tem de ser individualizado...
Marco Aurélio — Sim. Claro que talvez se possa cogitar de quadrilha. Aí se pega cada qual e examina, no tocando a cada um dos acusados, os elementos que foram coligidos ao processo.
ConJur — Recentemente, a OAB entrou no Supremo com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando o financiamento privado de campanhas políticas por empresas. Considerando que todos os escândalos políticos têm origem em financiamento de campanhas, essa ação não seria mais importante...
Marco Aurélio — Muito mais importante. E eu já disse que eu sou a favor do voto facultativo, não obrigatório. O exercício da cidadania é um direito. O cidadão não pode ser compelido a exercer a cidadania. É escolha dele. E, em segundo lugar, defendo o financiamento estritamente público. Hoje ele é misto, já que se tem o fundo partidário, e o horário de televisão com desconto, pela empresa que transmite a propaganda, de imposto por conta do tempo consumido. Eu não consigo conceber o financiamento por parte de pessoa jurídica. Pessoa natural, ainda podemos imaginar que haja idealismo, adesão ao partido. Mas o financiamento privado acaba saindo muito caro para a sociedade. Não acredito em altruísmo. E se busca, posteriormente, quanto ao eleito, o troco.
Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico
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