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O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

MP não pode investigar por causa dele próprio


PEC 37


A quem interessa o Ministério Público não investigar?
A pergunta que encabeça o presente texto talvez seja a mais lida nas redes sociais durante as últimas semanas, por força de uma campanha lançada pelo Ministério Público Federal com o objetivo de convencer a sociedade que a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 37) nada mais seria do que um ataque despropositado contra o órgão, promovido por aqueles que, ao final, teriam medo de sua atuação (como se todo o Congresso Nacional fosse formado por corruptos).
Os defensores do poder de investigação do Ministério Público argumentam que a PEC 37 seria uma retaliação de setores do Congresso Nacional contra a forte atuação que o órgão vem tendo nos últimos anos; que ela traria um grande retrocesso, na medida em que cortaria poderes que o Parquetteria hoje; que seria ela um grande golpe na sociedade, que clamaria pela atuação constante do Ministério Público; que a polícia seria corrupta e a atuação do Ministério Público seria imprescindível no sentido de se obter sucesso nas investigações; que o Ministério Público seria mais independente que a polícia; entre alguns outros argumentos que se são lembrados em discussões sobre o tema.
Já os defensores da PEC 37 dizem que a medida é necessária, a fim de brecar os abusos que viriam sendo cometidos pelos membros dos mais variados órgãos dos Ministérios Públicos; que não se pode tirar o que nunca se teve, já que o Ministério Público jamais teria tido poder de investigação; que não se deve misturar as missões de investigar e acusar; que o papel primordial e constitucional do Ministério Público seria o de fiscalizar a lei e promover a ação penal; também dentre outros argumentos.
O presente texto não se atreverá a entrar na discussão sobre o mérito da questão, sobre se a Constituição Federal garante ou não ao Ministério Público o direito de fazer investigações. Não se perderá tempo aqui com isso, até porque nada traria de novo aos leitores, além dos argumentos já amplamente expostos por eminentes doutrinadores a favor de ambas as teses.
O que se pretende aqui é uma análise diferente, a ser feita sob a ótica da prática forense, de forma construtiva, sem argumentos apaixonados, o que passa por, inicialmente, trocar a pergunta que intitula o texto.
O questionamento mais correto não seria “a quem interessa o Ministério Público não investigar?”, mas sim “por que o Ministério Público ainda não pode investigar?”.
E a resposta, em tom de crítica construtiva à importantíssima instituição, é um sonoro “por causa do próprio Ministério Público, por conta dos abusos que alguns de seus membros cometem, por muitos de seus membros se acharem acima do bem e do mal e pensarem que os fins justificam os meios”.
Não é outra a verdade.
Quem vos escreve é radicalmente contra o poder de investigação do Ministério Público. Não por ser favorável à criminalidade ou por, sendo advogado criminalista, ter interesses diretos na não investigação por parte do Ministério Público. Não. Pelo contrário. Quanto mais o Ministério Público trabalhar, certamente mais clientes aparecerão na porta do nosso escritório. O real motivo da contrariedade, porém, é o compromisso acadêmico, sendo certo que numa análise isenta nosso posicionamento se dirige no sentido da impossibilidade de investigação, simplesmente por entender que a Constituição Federal não dá esse poder ao Parquet.
Aliás, em outra oportunidade, já vislumbrando a tendência natural de que fosse atribuído poder de investigação ao Ministério Público, este autor escreveu artigo intitulado “Ministério Público de Garantias”[1], onde se defendia, em suma, na esteira de proposta de criação do chamado “Juiz de Garantias”[2], a designação de um membro do Ministério Público para atuar na fase investigativa, cessando seu trabalho com o encerramento do inquérito policial e oferecimento da denúncia.
Renova-se aqui a proposta caso os poderes investigatórios do Ministério venham realmente a ser definitivamente reconhecidos na jurisprudência da nossa Corte Suprema.
Voltando ao assunto do texto, porém, nota-se claramente que a tendência do Supremo Tribunal Federal é admitir os poderes de investigação do Ministério Público. Já, inclusive, se decidiu nesse sentido nos autos dos HC 87.610, HC 90.099 e HC 94.173, todos relatados pelo ministro Celso de Mello. (decisões de turma)
Em que pese tal tendência, o que se ouve a todo momento, inclusive de ministros do Supremo Tribunal Federal, é que a falta de rédeas do Ministério Público é a única preocupação em se dar carta branca para o órgão investigar.
Os motivos são muitos ao redor do país. E podem ser exemplificados em inúmeros casos concretos. Este ensaio se limitará a dois tão somente, ambos ocorridos em Brasília e referentes à utilização pelo Ministério Público do instituto da delação premiada.
Ação Penal 470 — vulgarmente chamada de “Mensalão” — duas testemunhas de acusação — José Carlos Batista e Lucio Bolonha Funaro — tiveram em seu favor o beneplácito do Ministério Público Federal de não denunciá-los, o que se deu devido ao fato de que eles teriam contribuído para as investigações. O mais curioso no fato é que ambas as testemunhas citadas, segundo a própria denúncia, teriam cometido crime de formação de quadrilha juntamente com outros três réus, estes sim denunciados naquela ação penal.
Operação Aquarela — investigação que subsidiou o oferecimento de cinco denúncias contra vários ex-diretores do Banco Regional de Brasília, além de tantas outras pessoas. Em todas as ações penais, com exceção de uma, existe uma testemunha que também teve a boa vontade do Ministério Público no sentido de não ser denunciada, desde que fizesse o “acordo de delação de premiada” e colaborasse com as investigações.
Os dois exemplos, que se repetem aos montes tanto no âmbito federal quanto estaduais, são emblemáticos, pois em nenhuma das legislações que tratam do instituto da delação premiada — e não são poucas —, se dá ao Ministério Público o poder de fazer “acordos” e, em flagrante ofensa ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, deixar de denunciar um ou outro investigado de acordo com suas conveniências. O que se verifica em todas as leis que regem a matéria, aí sim, é que poderá ser concedida em favor do condenado, ao final do processo, redução da pena ou mesmo o perdão judicial. Ambas as providências, porém, por óbvio, a critério do julgador e não do acusador.
E os exemplos de abuso se renovam. Investigações sobre os mesmos fatos feitas de forma paralela àquelas levadas a cabo pela autoridade policial; dificuldade de acesso pelos advogados aos autos de investigação; montagem dos autos de investigação apenas com as peças que sejam interessantes para a acusação; negativa de acesso das defesas aos tais “acordos de delação” etc.
Atitudes do tipo atentam contra princípios mais básicos do nosso ordenamento jurídico, tais como no bis in idem, ampla defesa, contraditório, comunhão das provas, devido processo legal, obrigatoriedade da ação penal etc.
Alguns poderiam tentar justificar tais atitudes afirmando: mas a polícia faz tudo isso também.
É verdade, mas a polícia, ao menos em tese, sofre controle Ministério Público. Já o Parquet, ao que tudo se desenha, não tem controle de ninguém. É totalmente independente sem sofrer as devidas consequências pelos excessos. Os abusos de alguns de seus membros não são punidos. Certa feita o autor que vos escreve ouviu de um ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal a seguinte frase (mais ou menos assim): “me orgulho de ter sido um dos maiores lutadores na constituinte pela valorização do Ministério Público, mas eu não tinha ideia do monstro que estava ajudando a criar”.
Não se chega aqui a tanto, mas uma coisa é certa: o Ministério Público precisa ser controlado. E não se fala aqui em controle de seus atos, mas sim de seus excessos, tal como qualquer pessoa ou órgão. Como costuma dizer o Ministro Marco Aurélio em suas aparições no Supremo Tribunal Federal, “é o preço que se paga por viver em um Estado Democrático de Direito”.
A partir do momento que seus próprios membros aprenderem a entender que tão importante — para a manutenção do devido Estado Democrático de Direito — quanto a atuação dura do órgão é que sejam cessados os abusos dela provenientes, aí sim, certamente, não se discutirá mais os limites de sua atuação.
Será tão difícil atuar dentro dos limites da lei? De acordo com as regras do Código de Processo Penal? Em atenção aos ditames das leis esparsas? Sem se achar acima da lei? Sem se achar o dono da verdade?
Certo de que a resposta é negativa, ao menos para a grande maioria de seus membros, conclui-se dizendo que quando os membros do Ministério Público notarem isso seus poderes serão, sim, amplamente aceitos. É esta, repita-se, a clara tendência. Muito melhor do que manter esse discurso de vítima de um golpe contra o Ministério Público, deveriam seus membros se focar em mostrar que admitem erros e com eles aprendem para evoluir. Que podem exercer poderes de investigação dentro dos limites legais, tal como qualquer outra instituição pública.
Perceberemos, assim, se a tão almejada investigação não terá capa de processo; terá o mesmo tratamento para os processos que envolvem o rico e o pobre; será feita em apurações normais, sem holofotes, ou só naquelas em que se vislumbra a chance de espaço na mídia.
Enfim, a se confirmar a tendência dos poderes de investigação aqui tratados, veremos se o Ministério quer realmente investigar, se “rebaixar” a ser uma nova grande polícia, ou se ele pretende apenas controlar aqueles casos de seu interesse, estrategicamente pinçados de acordo com as conveniências da época.
E assim se volta ao questionamento “por que o Ministério Público não pode investigar” para, concluindo, repetir a resposta: “por causa do próprio Ministério Público, por conta dos abusos que alguns de seus membros cometem, por muitos de seus membros se acharem acima do bem e do mal e pensarem que os fins justificam os meios”.

[1] Boletim IBCCRIM. n. 207, v. 17, 2010. p. 9 / Boletim IBCCRIM.
[2] A figura do Juiz de Garantia faz parte do PL 157, apresentado ao Senado Federal visando à reforma do Código de Processo Penal, e que hoje descansa nas prateleiras da Câmara dos Deputados a espera de aprovação.
Délio Lins e Silva Júnior é advogado em Brasília, mestre em Ciências Jurídico Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Revista Consultor Jurídico

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