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domingo, 18 de maio de 2014

Especialistas são contra sala de audiências especiais


Comissão de Participação Popular quer a retomada da discussão da metodologia do projeto


Requerimento apresentado na tarde desta sexta-feira (16/5/14) pelo deputado André Quintão (PT) pede a suspensão da instalação da sala de audiências especiais do projeto “Depoimento Sem Dano” dentro do Centro Integrado de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte, que será instalado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O requerimento, elaborado durante audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), também prevê a retomada do grupo de trabalho para a discussão da metodologia usada no projeto. O documento será apreciado em reunião posterior da comissão.
O presidente do Conselho Regional do Serviço Social (CRESS 6ª região), Leonardo David Rosa Reis, explicou que a sala de audiências especiais do projeto “Depoimento Sem Dano” consiste num local equipado com brinquedos e computador, onde a criança seria ouvida por um profissional técnico, pautado pelo juiz por meio de ponto eletrônico. O depoimento é gravado para ser usado no processo. “O juiz determinar o que um assistente social ou um psicólogo deve perguntar a uma criança vítima de abuso fere totalmente a autonomia profissional. O sistema precisa se estruturar de tal forma que, quando a vítima chega ao sistema judiciário, já esteja fortalecida e não precise relatar, mais uma vez o ocorrido”.
A presidente da Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Elisabete Borgianni, relatou que a associação protocolou pedido de providências no Conselho Nacional de Justiça solicitando a suspensão da implantação de salas semelhantes em São Paulo. Segundo ela, desde que as salas do “Depoimento Sem Dano” foram criadas, em 2003, no Rio Grande do Sul, se observou nessa cidade o aumento do índice de responsabilização dos acusados de abuso sexual infantil, de 3% para cerca de 60%. Para a presidente, a prova colhida usando a memória de uma criança traumatizada não serve nem para incriminar nem para absolver ninguém. “A memória não consegue reter os acontecimentos da forma como a justiça precisa para fazer a responsabilização dos abusadores. E as equipes sabem que o melhor trabalho a ser feito para recuperar os acontecimentos não é o relato concreto, mas usar a força adquirida pela criança a partir do trauma”. A assistente social destacou, ainda, que o trabalho é longo, envolve a família, e que dificilmente se consegue, num único depoimento, que o assunto seja abordado.
Especialistas destacam revitimização de crianças abusadas
Representando o Fórum de Enfrentamento à Violência contra Criança e Adolescente em MG (FEVCAMG), Helyzabeth Campos destacou que apenas 10% das vítimas de abuso sexual infantil denunciam porque o processo penal revitimiza essas crianças, sendo muito mais doloroso que o abuso em si. “Ela revive uma dor, quando ela deveria estar superando e se curando. Mas não é isso o que acontece. Muitas vezes ela é privada do convívio familiar e o criminoso fica solto, sem nenhum problema”.
A promotora de Justiça e Coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da infância e da juventude, Andréa Mismotto Carelli, destacou que, em 70% dos casos, o abuso sexual infantil acontece dentro do ambiente doméstico, na clandestinidade, com os abusadores sendo muito cuidadosos para não deixarem provas. “Nem sempre o abuso deixa máculas físicas, então não temos a força da perícia na hora de fazer a acusação. Nesse caso, o depoimento da vítima acaba não podendo ser dispensado. Mas acho que deve ser feito num outro espaço e acho que precisávamos mudar a legislação para que a oitiva fosse, inclusive, feita pelo próprio juiz”. Ela também destacou que o estudo psicossocial deveria ser realizado posteriormente a esse depoimento e que a forma como o projeto “Depoimento Sem Dano” está sendo desenvolvida atualmente é um risco. “Temos de baixar a ânsia por condenações. Se optarmos por uma maior qualidade do processo, temos de saber dosar a questão do tempo. Não pode ser só a condenação, mas tem de ser também a qualidade dessa escuta. Por outro lado, os índices de responsabilização dos autores têm que melhorar, para que os agressores sejam presos e as vítimas possam viver tranquilas”.
Falando pelo Conselho Regional de Psicologia - 4ª Região, a psicóloga Esther Arantes enfatisou que o depoimento não pode ser confundido com a escuta profissional de especialistas, que é o estudo psicossocial. “A responsabilização a qualquer custo precisa ser evitada. Como que se passa de 3% para 60%? As crianças que devem ser ouvidas ou quiserem ser ouvidas devem estar cercadas por profissionais e se sentirem seguras a ponto de conseguirem falar sobre o assunto. Se a criança se cala, deve-se respeitar o seu silêncio. A vítima não vai falar de seu trauma num ambiente inquiridor. E nem deve. Além disso, é impossível apurar tudo numa entrevista só”.
Profissionais são constrangidos por juízes
Elisabete Borgianni citou vários casos de constrangimento profissional pelos quais passaram assistentes sociais que trabalham colhendo depoimentos de crianças no projeto “Depoimento Sem Dano”. Sem revelar as fontes, para preservar os profissionais, ela revelou detalhes que deixaram todos os presentes à audiência estarrecidos. “As perguntas que os juízes estão pedindo a esses profissionais para fazerem às vítimas vão além do absurdo. São inaceitáveis. O tempo dos depoimentos muitas vezes é extenso. Os assistentes sociais e as crianças estão sendo submetidos a grande carga de stress. Nosso trabalho não é fazer essas inquirições. Quero ver desembargador entrar na sala de um ginecologista e dizer como ele deve fazer o exame. Extorquir uma verdade de uma criança é anti-ético”.
Andréa Carelli pontuou que muitas vezes há um desconhecimento por parte de alguns juízes de que o processo de arguição das vítimas não é tão simples como pode parecer à primeira vista. Ela também frisou que o estudo psicossocial é um parecer subjetivo e que não há uma certeza peremptória e definitiva com relação ao abuso sexual infantil. “Envolve memória, não é um resultado matemático, de 100% de certeza. E a vítima não é obrigada a falar. Isso impacta bastante na decisão dos juízes. E a finalidade do processo penal é não revitimizar. Uma oitiva mal feita pode ser pior do que a agressão em si”.
Centro Integrado - O presidente da Comissão de Participação Popular, deputado André Quintão (PT), que sempre foi favorável à criação do Centro Integrado, fez questão de esclarecer que nunca defendeu a inclusão da sala de audiências especiais no projeto. Segundo ele, é preciso garantir que o exercício profissional de assistentes sociais e psicólogos seja feito com autonomia. “Temos de defender as crianças e garantir o cumprimento da lei”.
A presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte, Márcia Regina Alves, também frisou a importância da criação do Centro Integrado de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte, cujo objetivo é dar celeridade na punição dos agressores. “Não recebemos os planos de trabalho do Tribunal de Justiça ainda, então não aprovamos nem discutimos nada. Não é definitiva a criação dessa sala, porque, apesar de estar prevista, nada saiu do papel até o momento. O 'Depoimento Sem Dano' ainda não foi objeto de nossa atenção. Depois desse debate de hoje, vamos levar essa pauta e tudo o que fizermos será sempre no sentido de garantir às crianças os seus direitos.

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