Vinte anos após chacinas no Complexo do Alemão, ninguém foi preso.
Brasil é processado na OEA por violação de direitos humanos.
Vinte e seis mortes e nenhum culpado. Vinte anos depois de duas chacinas que aconteceram durante operações policiais no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, até agora ninguém foi condenado.
Por conta disso, o Brasil está sendo processado na OEA, a Organização dos Estados Americanos, por violação de direitos humanos.
Em outubro de 1994, a polícia fazia uma operação na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão. Houve confronto com bandidos. Três adolescentes sofreram abuso sexual e 13 pessoas morreram.
“Há fortes indícios de que houve execução. Nós temos testemunhas que dizem que uma pessoa foi retirada com vida de casa, e que posteriormente foi encontrada morta no Instituto Médico Legal”, afirmou a delegada Martha Rocha em novembro do mesmo ano.
Em 2013, o Ministério Público denunciou quatro policiais civis e dois militares que participaram da operação. A Justiça aceitou a denúncia, mas até hoje eles não foram julgados.
Seis meses depois da chacina de 1994, a polícia fez uma nova operação contra o tráfico na favela Nova Brasília.
Foi em maio de 1995. Outras 13 pessoas morreram em mais um confronto entre policiais e traficantes. Os corpos tinham sinais de tiros dados a curta distância, o que, segundo especialistas, é característico de uma execução. Na época, não foi feita perícia nas armas dos policiais.
Depois de 17 anos sem grandes avanços nas investigações, o processo chegou ao Gaeco, Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, do Ministério Público do Rio. A promotora que assumiu o caso conversou com testemunhas e parentes das vítimas, e foi feita uma análise das armas. Mas o Ministério Público não conseguiu identificar de onde vieram os tiros.
“Havia uma situação de confronto de traficantes. Então, a gente não sabe nem se esses tiros característicos de execução foram provenientes das armas de policiais. Como é que eu vou acusar os policiais, se eu não sei de onde partiram os tiros?”, questiona Carmen Eliza de Carvalho, promotora do Gaeco do Ministério Público Federal.
Por falta de provas, o inquérito foi arquivado no último dia sete de maio. O crime prescreveu um dia depois.
Passados mais de 20 anos das duas chacinas que deixaram 26 mortos na favela Nova Brasília, ninguém foi responsabilizado. De acordo com a ONG que representa parentes das vítimas, as famílias não receberam qualquer indenização.
“O mínimo que o Estado pode fazer é demonstrar reconhecimento e respeito ao ente que perdeu seu parente ou que foi vítima do assunto. Não que isso resolva a discussão. Tem muitas outras questões envolvendo isso. Mas esse reconhecimento precisava ter sido feito, a gente tentou fazer, teve procedimento de entendimento e no final das contas o Estado não cumpriu”, diz Pedro Strozenberg, secretário executivo do Instituto de Estudos da Religião.
A ONG Cejil, Centro pela Justiça e Direito Internacional, que acompanha as investigações das chacinas desde o começo levou o caso até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que denunciou o governo brasileiro à corte de direitos humanos da OEA, Organização de Estados Americanos. Se a denúncia for aceita, o Brasil vai ser julgado por violência policial, pela primeira vez, na corte internacional.
“É muito frustrante para quem atua na área criminal, você ser acusado, o país ser acusado de violação de direitos humanos. Mas o que eu posso afirmar é que o Ministério Público, a partir do que o Gaeco ingressou, fez todo possível para chegar à autoria dos fatos. Nós ouvimos pessoalmente testemunhas, requeremos todas as provas e diligências possíveis para elucidar o fato”, conta Carmen Eliza de Carvalho.
“A gente espera que a Corte possa determinar a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela omissão da realização de Justiça. Nós esperamos, por exemplo, que os autos de resistência deixem de existir no país. Quer dizer, qualquer pessoa que seja executada pela polícia tem que ser uma morte investigada. Nós como cidadãos transferimos à polícia o monopólio legítimo da violência, dentro de marcos normativos muito sérios e muito restritos. Nós não transferimos à polícia o direito de pena de morte”, afirma Beatriz Affonso, diretora do Centro pela Justiça e Direito Internacional no Brasil.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro disse que todos os homicídios causados por intervenção policial são investigados e que quando é comprovado que o policial não agiu em legítima defesa, ele é responsabilizado pelo crime.
O governo federal, por meio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e do governo do Rio de Janeiro, disse que está em processo de negociação com os responsáveis por esse processo para pagar as indenizações aos parentes das vítimas dessas chacinas.
Em nota, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República disse ainda que o pagamento das indenizações às vítimas e parentes das vítimas das duas chacinas ocorridas na Favela Nova Brasília, nos anos de 1994 e 1995, é um compromisso assumido pelo Governo do Rio de Janeiro, que deve ser cumprido.
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