Em recente decisão, já transitada em julgado, a magistrada rejeitou denúncia que imputava a conduta de possuir droga para consumo próprio, sob o argumento de atipicidade da conduta
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Publicado por Pedro Magalhães Ganem - 1 dia atrás
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Apesar do processo ser público e de ter transcrito a decisão na íntegra, apenas substituí o nome da parte por um fictício, com o objetivo de não lhe expor.
D E C I S Ã O
Vistos etc.
O Órgão Ministerial ofereceu Denúncia em face de TÍCIO, já qualificado nos autos, imputando-lhe a prática do crime tipificado no artigo 28, caput, da Lei nº 11.343/2006.
Colhe-se da peça acusatória, às fls. 02, que o acusado, em 21/11/2013, foi abordado por policiais, os quais encontraram com o réu 03 (três) pequenas “buchas” da substância ilícita vulgarmente conhecida como “maconha”, todas destinadas para seu próprio consumo.
Relatados, decido:
Preambularmente cumpre registrar o posicionamento a ser firmado por este Juízo diante da situação fática ora vivenciada pelo acusado.
Em que pese o estágio inicial que se encontra a presente ação penal, o que aqui se discute é a reprovabilidade da conduta perpetrada pelo réu e a (des) necessidade de punição pelas vias do Direito Penal.
Neste sentido, importante trazer à baila o entendimento exposto pela então Juíza de Direito Maria Lúcia Karan que, ainda na vigência da Lei nº 6368/76, absolveu a ora ré pela prática do crime previsto no artigo 16 da referida lei, flagrada com pequena quantidade de maconha e cocaína para uso próprio, sob argumento da "falta de tipicidade penal”.
No referido decisum, a ilustre magistrada assim asseverou que:
"É comum ouvir afirmações de que a impunidade da posse de drogas para uso pessoal incentivaria a disseminação de tais substâncias. Entretanto, uma análise mais racional revela que tal afirmativa não parte de dados concretos, sendo mera suposição, suposição que também seria possível fazer num sentido oposto, pois não é razoável pensar que a ameaça de punição pode, não só ser inócua no sentido de evitar o consumo, como até funcionar como uma atração a mais, notadamente entre os jovens e adolescentes, setor onde o problema é especialmente preocupante. Também não há dados concretos que demonstrem que a punição do consumidor tenha alguma consequência relevante no combate ao tráfico. A simples observação dos processos que tramitam na Justiça Criminal permite afirmar que é raríssimo encontrar casos em que a prisão do consumidor leva à identificação do fornecedor. Se o consumidor pode vir a ser um [...] traficante, deverá ser punido no momento que assim se tornar, pois aí sim estará deixando a esfera individual para atingir a bens jurídicos alheios, devendo a punição alcançar qualquer conduta que encerre a destinação da droga a terceiros, pouco importando se o fornecimento se dá a título oneroso ou gratuito, em grande ou pequena quantidade."
Já sob a vigência da atual Lei nº 11.343/06, a 6ª Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP, Sexta Câmara Criminal, Apelação Criminal nº 993.07.126537-3, Rel. José Henrique Torres, j. 31.03.2008), por sua vez, retomou o debate para fins de declarar a inconstitucionalidade do artigo 28 da referida Lei, sob o argumento de que
“não há tipificação de conduta hábil a produzir lesão que invada os limites da alteridade, afronta os princípios da igualdade, da inviolabilidade da intimidade e da vida privada e do respeito à diferença, corolário do princípio da dignidade, albergados pela Constituição Federal e por tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil”.
Tal posicionamento tomou projeção nacional, de tal modo que já é possível verificar a sua presença nas sentenças dos magistrados de primeiro grau, a exemplo do Juiz Rubens Casara, da 43ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que absolveu sumariamente o réu pela prática do crime previsto no artigo 28 da lei nº 11.343/06, sob o fundamento de que o fato narrado evidentemente não constitui crime:
"Por força do princípio da ofensividade (nullum crimen sine iniuria), não existe crime sem ofensa ao bem jurídico em nome do qual a norma penal foi criada. No caso em exame, a conduta de P. Não colocou em risco real e concreto o bem jurídico - saúde pública - que se afirma protegido pela norma penal incriminadora. De igual sorte, não se pode reconhecer a existência de crime sem que o resultado da conduta do agente se mostre capaz de afetar terceiras pessoas ou interesses de terceiros. Note-se que a conduta do réu toca apenas bens jurídicos individuais."2 Por fim, como consequência deste debate, a arguição da inconstitucionalidade aportou no STF, que lhe deu status de"Repercussão Geral". Sendo assim, portanto, a discussão atual acerca da inconstitucionalidade do artigo 28, da Lei nº 11.343/06 afeta o Supremo Tribunal Federal, que não deve demorar na apreciação do caso”.¹
Como visto no teor do julgado acima transcrito, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu e existência de “Repercussão Geral” no caso da inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/06:
"No caso, a controvérsia constitucional cinge-se a determinar se o preceito constitucional invocado autoriza o legislador infraconstitucional a tipificar penalmente o uso de drogas para consumo pessoal. Trata-se de discussão que alcança, certamente, grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria. Portanto, revela-se tema com manifesta relevância social e jurídica, que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Nesse sentido, entendo configurada a repercussão geral da matéria Constitucional."
Ademais, a Primeira Turma do Pretório Excelso, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, aplicou, de forma pioneira, o princípio da insignificância a caso específico de porte de drogas, esclarecendo que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando “estritamente necessários à própria proteção das pessoas”, levando-se em consideração, para tanto, que no caso houve porte de ínfima quantidade de droga, o que resultou na determinação do trancamento do procedimento penal por ausência de tipicidade material da conduta²:
“a aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige que sejam preenchidos requisitos tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e relativa inexpressividade da lesão jurídica”.
Por fim, tal posicionamento vem a se consolidar com a proposta da comissão de juristas responsáveis pelo Anteprojeto do Novo Código Penal de descriminalizar o uso de drogas, cabendo ao Poder Executivo regulamentar a quantidade de substância que uma pessoa poderá portar e manter sem que se considere crime.
Outrossim, não se ignora a possibilidade de diferente posicionamento nos Tribunais pátrios, mormente por não estar pacificada a questão nos Tribunais Superiores. Todavia, entendo ser desnecessário aprofundar-me nas razões do meu convencimento acerca da atipicidade da conduta, eis que os entendimentos supra transcritos refletem o meu decisum.
Tendo em vista a atipicidade da conduta perpetrada pelo réu, concluo pela falta de justa causa para o exercício da ação penal, razão pela qual REJEITO A DENÚNCIA, com fulcro no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal.
Intimem-se. Preclusos prazos recursais, dê-se baixa e ARQUIVE-SE.
1 - Juízo da 43ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Processo nº 0074975-39.2010.8.19.0001– Juiz Rubens Roberto Rebello Casara. Sentença Proferida em 31 de janeiro de 2012.
2 - STF, 1ª Turma., HC 110.475/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14.02.2012
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