Desde a deflagração da Operação Lava Jato, há oito meses, a investigação -- que começou com a apreensão de R$ 5 milhões em dinheiro -- alcançou envergadura internacional com remessas vultosas para o exterior e indícios de envolvimento de partidos políticos, bem como de sete das maiores empreiteiras do país. As cifras de dinheiro drenadas da Petrobras -- estatal até há pouco sinônimo de orgulho nacional -- já atingiram a casa de dezenas de bilhões de reais e, por enquanto, seu efetivo impacto é incalculável para o erário.
É nesse cenário que o país, atônito, celebrou o Dia Internacional de Combate à Corrupção (9 de dezembro). O acervo indiciário até agora obvia um esquema fluente há mais de 15 anos. Consternada, a sociedade indaga-se: onde isso tudo vai parar? O que fazer para impedir que volte a acontecer? Como podemos vencer uma corrupção tão enraizada?
Considerada o maior obstáculo para o desenvolvimento social e econômico de um país, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a corrupção movimenta o equivalente a 3,6 trilhões de dólares por ano no mundo. Seus tentáculos projetam-se para todos os setores -- principalmente os mais sensíveis, como a Educação, a Saúde e o Meio Ambiente. Estima-se que a corrupção eleva em até 40% os gastos em saneamento básico. Mais do que confinar-se a certos domínios, esse mal fragiliza as instituições e os valores da democracia, comprometendo o desenvolvimento sustentável e o Estado de Direito.
Hoje, são notórios o grau de sofisticação e a mutabilidade das organizações criminosas. Recentemente, descobriram-se conexões do Primeiro Comando da Capital (PCC) com uma das máfias italianas mais atuantes, a Ndrangheta, e com o grupo fundamentalista libanês Hezbollah. A diversidade, a extensão e a gravidade dos delitos também tornaram-se mundialmente conhecidos.
Graves ações requerem graves reações. O procurador italiano Vittorio Borraccetti, um dos protagonistas da Operação Mãos Limpas, acredita que o único remédio é a investigação independente. Sua atuação desvendou, a partir de 1992, as conexões entre a máfia e o Poder Público e resultou em mais de mil prisões de bandidos comuns, empresários e políticos.
Para quebrar essa cadeia perniciosa no Brasil, é necessário e urgente tornar a investigação criminal mais eficiente, com a revisão e a modernização de seus procedimentos e forma de organização das instituições envolvidas. Em vez dos tristes inquéritos policiais -- modelo burocrático, arcaico e sem resultados --, devem ter lugar procedimentos técnicos, eficazes, orientados para o desvendamento do crime e de seus autores e sempre com respeito aos direitos fundamentais do investigado.
A reorganização das polícias também é imprescindível. Elas devem ser estruturadas em forma de carreira com entrada única, submetendo-se à estruturação hierárquica de acordo com experiência, mérito e formação técnica. A atividade pericial deve fruir de autonomia e carreira própria, sem embargo do reconhecimento de outras perícias independentes. As polícias militares e a Polícia Rodoviária Federal devem ter atribuições de investigação próprias (ciclo completo de polícia) nos casos de flagrantes de delitos e dos crimes em que suas estruturas e inserção facilitam a investigação.
Peça-chave para solucionar o esquema que já ficou conhecido como Petrolão, outro instrumento essencial na luta contra a corrupção é a delação premiada, que tem se revelado extremamente eficiente para a coleta de provas. Fortalecer essa ferramenta significa destinar verbas públicas em escala suficiente para incrementar as redes de proteção a vítimas, testemunhas e réus colaboradores. É necessário, também, aperfeiçoar a legislação para proteção de denunciantes de atos ilegais, os chamados whistleblowers.
Diminuir a sensação de impunidade e assim viabilizar uma política de prevenção à criminalidade pressupõe, ainda, uma reformulação do sistema recursal: é imperioso reduzir o número de recursos e possibilitar a execução da pena e do confisco de bens imediatamente após o exercício do direito ao duplo grau de jurisdição.
A Operação Lava-Jato é um divisor de águas na história do combate à corrupção, seja pelas somas de dinheiro, seja por seu impacto político. Resta saber se o país, mediante as instituições responsáveis, quer fazer as mudanças que assegurem um futuro mais republicano para a sociedade brasileira.
Alexandre Camanho é procurador regional da República e Presidente da ANPR.
Artigo originalmente publicado no jornal Correio Braziliense de 12 de dezembro de 2014.
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