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domingo, 28 de junho de 2015

Longa duração e incertezas com a crise, por José Luis Fiori

Do Valor
 
Por José Luís Fiori
 
A leitura atenta da história brasileira permite ver que suas grandes inflexões estruturais foram provocadas por decisões tomadas em momentos de grande crise e desafio nacional e internacional. Como aconteceu no caso da "independência" brasileira, por exemplo, que foi uma decisão "reativa" e pouco planejada, frente a um contexto de profunda transformação geopolítica e econômica do Velho Continente, que culmina com a Paz de Versalhes e a supremacia naval, financeira e industrial da Inglaterra, dentro e fora da Europa.
 
E o mesmo também aconteceu no caso da "abolição da escravidão' e da "proclamação da República", duas decisões brasileiras inseparáveis da conjuntura internacional, que começa ­ na América do Sul ­ com a derrota política do Brasil na Guerra do Paraguai, onde perdeu a hegemonia do Prata, e começou a desintegração do estado imperial e de suas próprias forças armadas; e fora da América do Sul, onde entra em curso uma ampliação e reconfiguração do núcleo das grandes potências, com a ascensão econômica e política dos EUA, Alemanha, Japão e Rússia.
 
Só que nesta conjuntura, ao contrário do que passou na independência, existiu um projeto e uma estratégia nacional que foi vitoriosa e que impôs ao país a República, junto com hegemonia do "cosmopolitismo agrário" das elites paulista e mineira. Da mesma maneira, já no século XX, a "Revolução de 30" foi também uma resposta ao desafio provocado pela "era da catástrofe", das grandes guerras, revoluções e crise econômica.
 
Mas ao mesmo tempo, a Revolução de 30 e a própria instauração do "Estado Novo" foram momentos decisivos de um projeto nacional que foi concebido na década de 20, por uma parte da elite civil e militar brasileira ­ que conseguiu manter sua hegemonia até a década de 80 ­ que se propôs reconstruir e fortalecer o Estado brasileiro, e suas forças armadas, incentivando e promovendo ativamente a industrialização e o crescimento econômico nacional, como forma de alcançar e superar a Argentina, na luta pela hegemonia do Prata e pela liderança da América do Sul.
Cinquenta anos depois, a "redemocratização" da década de 80 marcou uma nova inflexão histórica indissociável da mudança geopolítica e econômica mundial, que começou com a crise e redefinição da estratégia internacional dos EUA, que passou pela reafirmação do dólar, pela desregulação das finanças internacionais e pela escalada armamentista que levou à desintegração da URSS, ao fim da Guerra Fria e à instauração da "unipolaridade imperial" dos EUA, que durou até o 11 de setembro de 2001.
Assim mesmo, depois de três décadas aproximadamente, o Brasil segue sem conseguir definir e consolidar uma estratégia nacional e internacional hegemônica. Pelo contrário, ainda hoje se pode dizer que este é o verdadeiro "núcleo duro" da disputa cada vez mais violenta, entre as duas vertentes políticas ­- o PT e o PSDB -­ de um mesmo projeto bifronte que nasceu nos anos 80/90. Sua base social era diferente, mas sua matriz teórico-­ideológica originária foi mais ou menos a mesma: paulista e democrática, mas ao mesmo tempo, anti-­estatista, anti­-nacionalista, anti­-populista, e em última instância, também, anti­-desenvolvimentista.
Este projeto bifronte, entretanto, se dividiu de forma cada vez mais nítida e antagônica, a partir dos anos 90, quando o PSDB liderou uma política governamental de apoio, ajuste e integração do Brasil à nova estratégia econômica internacional dos EUA, de desregulação e globalização monetáriofinanceira e de apoio ao projeto da Alca.
Da mesma forma que na década seguinte o PT liderou um governo de coalizão que foi adernando cada vez mais na direção de um projeto de Estado e de "capitalismo organizado" e de "bem­-estar social", ao lado de uma política externa cada vez mais autônoma e voltada para as "potências emergentes", mesmo que nunca tenha conseguido alterar as regras e instituições monetário­financeiras criadas pelos governos do PSDB.
O que passou nesta última década e meia foi que as mudanças de rumo e os próprios desdobramentos inovadores da estratégia petista foram provocando deserções e criando vetos cada vez mais radicais de forças nacionais e internacionais, de dentro e de fora da própria coalizão governamental.
E como consequência previsível, a coalizão governamental petista foi perdendo a unidade e a força que seriam necessárias para tomar as decisões capazes de enfrentar a crise econômica atual sem abandonar a estratégia econômica que foi sendo construída a partir do segundo governo Lula. Este panorama de fragmentação e polarização nacional interna, entretanto, se agrava ainda mais quando ele é colocado na perspectiva de um conflito internacional cada vez mais aberto e violento, entre os EUA e a Rússia, e de uma competição política e militar cada vez mais explícita, entre os EUA, sendo Rússia e China os dois principais aliados do Brasil no projeto Brics.
Assim mesmo, o que mais assusta e preocupa neste momento é que o receituário tradicional do PSDB parece agora cada vez mais simplista e esclerosado; enquanto o PT parece cada vez mais apoplético e paralisado; e o governo, cada vez mais dividido e fragilizado. É óbvio que o Brasil sairá desta situação e seguirá em frente, como já o fez no passado, mas não está claro, nem muito menos, qual será a estratégia e o caminho vencedor.
No entanto, é preciso ter atenção, porque foi nestas situações de alta polarização e incerteza social que surgiram e galvanizaram o poder em outras sociedades ocidentais, forças sociais e políticas fundamentalistas, obscurantistas e retrógradas, que sempre contaram com o apoio oportunista de amplos setores da elite financeira e iluminista, nacional e internacional. Os mesmos setores que depois derramam "lágrimas de crocodilo" na porta dos campos de concentração onde se tentou purificar e corrigir o mundo por meio da exclusão ou da morte dos impuros e dos hereges.
José Luís Fiori, professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "História, estratégia e desenvolvimento" (2014) da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ. Escreve mensalmente neste espaço.

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