A Ponte fez cinco perguntas para conhecer o que pensam os três candidatos ao cargo de ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo. Os nomes fazem parte de uma lista tríplice enviada ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que tem a palavra final sobre a escolha.
Os candidatos são os advogados Ariel de Castro Alves e Júlio César Neves (atual ouvidor) e a educadora social Antonia Márcia Araujo Guerra Urquizo Valdívia. Os nomes foram escolhidos em assembleia promovida em 21/10 pelo Condepe-SP (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), órgão vinculado à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo. O mandato do atual ouvidor termina em 13 de dezembro deste ano. Cada gestão dura dois anos.
Antonia Márcia Araujo Guerra Urquizo Valdívia é assistente social, mestre em Serviço Social pela PUC-SP. Integra o NTC (Núcleo de Trabalhos Comunitários) da PUC-SP e o MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos). Ariel de Castro Alves é advogado, com especialização em segurança pública e direitos humanos pela PUC-SP. É coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos. Também integra o Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, a Acat (Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura) e o Condeca (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente). Já foi membro do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) e secretário-geral do Condepe. Júlio César Neves é advogado e o atual ouvidor-geral de polícia. É membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Foi procurador do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) e assessor da própria Ouvidoria da Polícia de São Paulo.
Veja abaixo a entrevista com os três candidatos, feita por e-mail.
Como vê o papel da Ouvidoria hoje?
Antonia Márcia Araujo Guerra Urquizo Valdívia – A Ouvidoria de Policia do Estado de São Paulo tem se resumido cada vez mais a um mecanismo meramente jurídico-administrativo, que “assegura” receber sugestões, reclamações, denúncias e elogios.
Ariel de Castro Alves – Acompanho o trabalho e a atuação da Ouvidoria de Polícia de São Paulo desde 1997, quando foi legalmente criada. Como ativista dos direitos humanos sempre contei com a Ouvidoria em todos os casos de violência policial quando sou acionado por vítimas, familiares ou pela comunidade. Temos uma Ouvidoria que atua sempre que acionada por defensores dos direitos humanos, entidades ou pela sociedade em geral. Mas sua atuação e protagonismo possuem limitações estruturais que entendo que devem ser enfrentadas através da reivindicação, junto ao governo do estado, da ampliação do quadro de funcionários, dotação orçamentária própria e melhores condições de trabalho aos servidores do órgão.
Entendo que o horário de atendimento pessoal, conforme o site da Ouvidoria, até às 15 horas, e o atendimento telefônico até às 17 horas, precisam ser ampliados. Os plantões precisariam funcionar por 24 horas. Os casos mais graves de violações de direitos humanos cometidas por policiais ocorrem nas noites e madrugadas, por exemplo, e nessas horas as vítimas, familiares ou membros de entidades não conseguem, hoje, a intervenção da Ouvidoria, que em algumas situações precisa ser urgente e imediata, visando até garantir a vida e integridade das vítimas.
Também entendo que a Ouvidoria ainda não é devidamente conhecida pela população em geral, já que o próprio governo e suas instituições policiais não têm interesse em divulgá-la. O próprio site da Ouvidoria está bastante desatualizado. O órgão precisa se aperfeiçoar com relação às formas de acionamento e recebimento de denúncias online, por meio da internet e redes sociais. Também precisamos ter um esforço de descentralização e regionalização da atuação da Ouvidoria, por meio de parcerias com entidades e criação de núcleos ouvidores, já que o Estado de São Paulo tem a extensão de um país e a própria capital é maior que muitos estados brasileiros.
Júlio César Neves – Atuante, com necessidade de maiores recursos pessoal e material para cumprir sua missão.
Quais mudanças faria na Ouvidoria? Que medidas são necessárias para ter uma Ouvidoria mais efetiva?
Antonia Márcia Araujo Guerra Urquizo Valdívia –
· Criação de programas de ouvidorias-populares para “ampliar” a participação dos diversos segmentos sociais na construção da gestão de segurança pública, a partir dos pressupostos de direitos humanos (Metodologia de Trabalho Social Participativo).
· Diálogo permanente com os movimentos sociais, as entidades de defesa dos direitos humanos, os fóruns com participação popular (por exemplo, Fórum em Defesa da Vida), as famílias vítimas da letalidade policial e rede de atendimento.
· Promoção de educação popular em direitos humanos junto aos diversos segmentos da sociedade, para fortalecer o controle social da segurança pública (interno e externo), bem como favorecer debates públicos capazes de apontar para “um outro modelo de polícia”, desafio complexo numa sociedade capitalista demarcada por contradições e disputas sociais.
· Realização de estudos e pesquisas em parceria com universidades, ONGs, associações e institutos de pesquisa, tendo como perspectiva o enfrentamentos das inaceitáveis violações de direitos humanos, sobretudo em relação aos crimes cometidos contra os jovens negros das periferias.
· Desenvolvimento de uma gestão democrática e popular compartilhada com o Condepe – audiências públicas, seminários “temáticos”, formação continuada, dentre outras ações que estimulem a participação popular por meio de denuncias e de formulação de propostas, capazes de apontar para “um outro modelo de polícia”.
· Ampliação do horário de atendimento da Ouvidoria (telefônicos e plantões sistemáticos).
· Reordenamento político-institucional por meio de um projeto político-pedagógico pautado por diretrizes que apontem para a gestão democrática e popular – potencializando novas funções e atribuições.
· Defesa da garantia de orçamento próprio da Ouvidoria, para realização de suas atribuições sociais no que tange a segurança pública e direitos humanos.
· Fortalecimento de ações conjuntas com os diferentes conselhos estaduais para se garantir o acesso aos direitos e atendimento especializado de fato e de direito, para grupos como crianças e adolescentes, deficientes, mulheres, índios, negros, LGBTs, dentre outros.
· Articulação com outros órgãos públicos responsáveis pela investigação, defesa e atendimento às vítimas de violência policial.
· Dinamização da gestão da Ouvidoria, considerando as contribuições do Conselho Consultivo da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo.
Ariel de Castro Alves – Além das medidas citadas anteriormente, como a possibilidade de termos plantão 24 horas, criarmos núcleos ouvidores descentralizados no estado e aperfeiçoarmos os meios de acionamento e recebimento de denúncias pela internet, tenho como propostas também a realização com frequência de audiências públicas em conjunto com Condepe, Defensoria Pública e Ministério Público, já que, muitas vezes, em determinadas cidades e bairros, temos situações não só individuais e isoladas de violações de direitos humanos por parte de agentes do estado, e sim uma grande quantidade de casos envolvendo determinados batalhões ou delegacias, com abusos de autoridade, atendimento inadequado ao público, prevaricação, além de casos de corrupção, torturas e assassinatos.
Também pensando em ações propositivas e preventivas, a Ouvidoria precisa ter mais condições de realizar pesquisas, levantamentos, cursos e seminários, em parceria com núcleos especializados de universidades e com entidades de direitos humanos e de segurança pública, visando o aprimoramento das políticas de segurança pública, com foco no controle externo das atividades policiais e na redução da letalidade nas ações policiais. Também pretendemos ampliar as parcerias e atuações conjuntas com instituições, além de entidades de direitos humanos e sociais, como o Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, OAB e associações de mães. A Ouvidoria também precisa realizar diligências e visitas in loco em repartições policiais, como forma de fiscalizações e verificações das condições de trabalho dos próprios policiais. Inclusive temos de dar atenção especial aos policiais que são vítimas de violência dentro de suas instituições, além de assédios morais e ameaças, já que isso também se reflete na forma de atuação desses agentes públicos com relação ao atendimento à população.
Júlio César Neves – Independência total. Trata-se de um órgão de controles externos da ação policial, além de ser representante da sociedade civil do estado.
Qual avaliação você faz da taxa de letalidade da polícia de São Paulo?
Antonia Márcia Araujo Guerra Urquizo Valdívia – As taxas de letalidade policial nem sempre são confiáveis, tendo em vista as ideologias que perpassam a produção e a visibilidade das informações das mortes ocasionadas pelas intervenções policiais, ou seja, há discordância em estatísticas e uma série de denúncias pela recusa da publicização dos dados estatísticos, o que ocasiona uma constante tensão entre as vítimas e os órgãos públicos que deveriam assegurar a transparência da informação, o que impede, quase sempre, uma ação organizada e efetiva das famílias e dos movimentos sociais no enfrentamento dos crimes cometidos pela ação policial.
Ariel de Castro Alves – A alta taxa de letalidade nas ações policiais em São Paulo, as chacinas e os grupos de extermínio compostos por policiais são certamente os maiores desafios a serem enfrentados, até porque envolvem uma certa “aceitação social” de que “bandido bom é bandido morto”, conforme mostram recentes pesquisas de opinião pública. Não há interesse do governo de diminuir os altos índices de letalidade em ações policiais, e isso também se reflete na impunidade nos julgamentos nos Tribunais do Júri, quando muitas vezes os jurados acabam julgando o perfil das vítimas dos policiais, se tinha ou não antecedentes, do que julgando propriamente o policial assassino, que precisa ser responsabilizado de forma exemplar, já que seu dever é proteger a população e não matar as pessoas, principalmente os jovens pobres e negros que moram nos bairros periféricos.
Enquanto os homicídios em geral estão diminuindo em São Paulo nos últimos anos, as mortes decorrentes de ações policiais só estão aumentando de forma aviltante. Temos de cassar a “licença para matar” de parcela significativa dos policiais, principalmente militares, de São Paulo, já que o próprio Governo do Estado deixou de lado programas voltados à diminuição das mortes em ações policiais, como a Comissão Estadual da Letalidade Policial e o Proar (Programa de Acompanhamento de Policiais envolvidos em Ações de Alto Risco), que gerava o afastamento de policiais envolvidos em mortes de pessoas. Hoje os policiais que matam muitas vezes são promovidos, condecorados e valorizados pela Polícia Militar, em vez de serem afastados e responsabilizados!
Júlio César Neves – Extremamente alta, principalmente quando se compara com países desenvolvidos.
A Ouvidoria tem condições de contribuir para diminuir a violência policial? De que maneira?
Antonia Márcia Araujo Guerra Urquizo Valdívia – A violência policial poderá sim ser diminuída, desde que haja ações integradas de políticas públicas e a construção de “um outro modelo de polícia” (conforme a luta, em especial, do primeiro ouvidor de polícia do Estado de São Paulo – militante incansável de direitos humanos na segurança pública, Benedito Domingos Mariano), o que requer obrigatoriamente o envolvimento da Secretaria de Segurança Pública, dos órgãos responsáveis pela fiscalização (interna e externa) da atuação policial e dos órgãos que defendem os direitos, bem como a participação ativa dos movimentos sociais e das famílias vítimas da violência policial, para que o Estado, junto com a sociedade civil, mude o quadro lastimável da violência policial, que se dá sobretudo pelo ódio público advindo da ofensiva conservadora, que insiste em colocar a classe trabalhadora em guerra constante. Noutras palavras, “são pessoas pobres matando pessoas pobres”. É nessa perspectiva que a Ouvidoria, sem ser a única, pode contribuir para a diminuição da violência policial, atributo caro à produção do capital.
Ariel de Castro Alves – Sim. É claro que os instrumentos de controle e participação popular, como as ouvidorias, criados após a Constituição Federal de 1988 coíbem irregularidades, inclusive a violência policial. Mas não basta a Ouvidoria atuar sozinha. Ela precisa contar com a confiança e o reconhecimento da população e também da maioria de dignos e trabalhadores agentes do Estado, e ter atuação e planejamento conjuntos com as entidades de direitos humanos, Defensoria Pública, Ministério Público, Conselhos de Direitos Humanos, comissões legislativas e associações de mães e familiares de vítimas. E também contar com o respaldo da própria Secretaria de Segurança Pública e do Governo do Estado. É importante, ainda, atuar junto com órgãos nacionais, como a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos e as Secretarias e Conselhos Nacionais de Direitos Humanos e Segurança Pública.
Júlio César Neves – Com ações propositivas, conforme fizemos perante o atual secretário de Segurança Pública, pleiteando a volta da comissão da letalidade policial que foi extinta em 2011, com efetiva participação da sociedade civil através da Ouvidoria, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), comissão de direitos humanos da OAB, Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, Condepe, Instituto Sou da Paz e outros.
Explique para o cidadão comum o papel da Ouvidoria.
Antonia Márcia Araujo Guerra Urquizo Valdívia – Estabelecer mecanismos de participação popular, para que os diversos segmentos da sociedade possam promover o controle social da ação policial; promover debates públicos sobre a construção de “um outro modelo de polícia”; dar visibilidade às estatísticas reais da letalidade policial; criar propostas coletivas para que o Estado restabeleça os direitos violados das famílias vítimas de violência policial; subsidiar a Política Estadual de Segurança Pública; prestar conta pública sobre a atuação da Ouvidoria.
Ariel de Castro Alves – O nome já diz que, primeiramente, deve acolher e fazer a escuta qualificada da vítima, familiares, testemunhas, ou representantes de entidades e comunidades. Em seguida, a Ouvidoria vai requisitar investigações administrativas e policiais e outras providências para o esclarecimento das denúncias. Quando os órgãos instauram as apurações, a Ouvidoria precisa acompanhar as investigações. É preciso que tenha condições de acompanhar e apoiar as vítimas e testemunhas em seus depoimentos, até para evitar que sejam intimidadas, constrangidas e ameaçadas, inclusive podendo contar com programas de proteção. A Ouvidoria também deve acionar o Ministério Público, ter condições de acompanhar as tramitações judiciais e administrativas dos processos, requisitar às forças policiais e à Secretaria de Segurança o afastamento administrativo de policiais envolvidos com crimes, entre outras situações. A Ouvidoria, além de receber queixas, pode também receber elogios e sugestões com o objetivo de aprimoramento da segurança pública. Também deve ter ações preventivas e propositivas através de pesquisas, estudos e discussões, por meio de parcerias com entidades e instituições governamentais e não governamentais.
Júlio César Neves – Receber pessoalmente, por carta, por telefone ou por email propostas, denúncias, reclamações, representações e elogios sobre atos ilegais praticados por agentes policiais ou que violem os direitos humanos. Também sugestões em geral sobre o funcionamento dos serviços policiais, sempre representando o cidadão comum para melhoria da segurança pública.
Fonte: http://ponte.org/o-que-pensam-os-tres-candidatos-a-ouvidor-da-policia-de-sp/
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