OPINIÃO
É indiscutível que o inquérito policial é um procedimento conduzido exclusivamente por Delegado de Polícia de carreira (artigo 2º, parágrafo 1º, da lei 12.830/2013), salvo nos casos de crimes militares, quando então o procedimento investigatório será presidido por oficiais pertencentes as policias militares e as forças armadas, designados para apurar crimes de competência da justiça castrense quando houver lesão a bem ou serviço militar juridicamente tutelado.
Até outubro de 2007, toda investigação por meio de inquérito policial que apurava a conduta de autoridades públicas com foro no Supremo Tribunal Federal, não dependia de autorização formal de ministro relator para ser iniciada. O procedimento tramitava entre a Polícia Federal e o Supremo sem nenhuma limitação.
Ao analisar o Inquérito 3.411, o plenário da Suprema Corte, passou a exigir por maioria de votos, a supervisão direta de um relator, sugerindo a impossibilidade de se instaurar inquérito policial ou indiciar detentores de prerrogativa de foro listados no artigo 102, alíneas ‘b’ e ‘c’, da Constituição Federal sem autorização judicial. Passou a se fazer a distinção de inquéritos originários, de competência do STF, e aqueles outros de natureza tipicamente policial, os quais se regulam inteiramente pela legislação processual penal brasileira.
Determinar a abertura de inquérito a pedido do Delegado de Polícia, conforme artigo 21, XV do RISTF e supervisionar a sua tramitação, não pode ser confundido com a condução ou a presidência da investigação policial, pois no Brasil, a condução de investigações por magistrados, somente são aquelas que apuram delitos praticados por membros do poder judiciário em atividade, conforme previsão na lei orgânica da magistratura nacional e que pode ser verificada pelas Ementas transcritas abaixo:
“STF – HC 82.507-SE - A competência penal originária por prerrogativa não desloca por si só para o Tribunal respectivo as funções de polícia judiciária. 2. A remessa do inquérito policial em curso ao Tribunal competente para a eventual ação penal e sua imediata distribuição a um relator não faz deste, autoridade investigadora, mas apenas lhe comete as funções, jurisdicionais ou não, ordinariamente conferidas ao juiz de primeiro grau, na fase pré-processual das investigações”
“STF - HABEAS CORPUS HC 94278 SP (STF) . Inquérito judicial. Superior Tribunal de Justiça. Investigado com prerrogativa de foro naquela Corte. Interpretação do art. 33,parágrafo único, da LOMAN. Trancamento. Ausência de constrangimento ilegal. Precedentes. 1. A remessa dos autos do inquérito ao Superior Tribunal de Justiça deu-se por estrito cumprimento à regra de competência originária, prevista na Constituição Federal (art. 105, inc. I, alínea a), em virtude da suposta participação do paciente, Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos fatos investigados, não sendo necessária a deliberação prévia da Corte Especial daquele Superior Tribunal, cabendo ao Relator dirigir o inquérito. 2. Não há intromissão indevida do Ministério Público Federal, porque como titular da ação penal (art. 129 , incisos I e VIII , da Constituição Federal ) a investigação dos fatos tidos como delituosos a ele é destinada, cabendo-lhe participar das investigações. Com base nos indícios de autoria, e se comprovada a materialidade dos crimes, cabe ao Ministério Público oferecer a denúncia ao órgão julgador. Por essa razão, também não há falar em sigilo das investigações relativamente ao autor de eventual ação penal. 3. Não se sustentam os argumentos da impetração, ao afirmar que o inquérito se transformou em procedimento da Polícia Federal, porquanto esta apenas exerce a função de Polícia Judiciária, por delegação e sob as ordens do Poder Judiciário. Os autos demonstram tratar-se de inquérito que tramita no Superior Tribunal de Justiça, sob o comando de Ministro daquela Corte Superior de Justiça, ao qual caberá dirigir o processo sob a sua relatoria, devendo tomar todas as decisões necessárias ao bom andamento das investigações. 4. Habeas corpus denegado”
Nota-se que no primeiro acordão, a natureza jurídica do procedimento é de inquérito policial em sentido estrito, com supervisão jurisdicional direta, e no segundo, trata-se de verdadeiro inquérito judicial, tendo em vista que o procedimento investigatório é dirigido por ministro-relator.
Os inquéritos policiais que apuram crimes praticados por agentes públicos com foro no Supremo, não observam a Resolução número 63-2009 editada pelo Conselho da Justiça Federal, que versa sobre a tramitação direta dos procedimentos entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. A tramitação obedece a regra prevista no art. 230-C do Regimento Interno do STF.
“Art. 230-C¹. Instaurado o inquérito, a autoridade policial deverá em sessenta dias reunir os elementos necessários à conclusão das investigações, efetuando as inquirições e realizando as demais diligências necessárias à elucidação dos fatos, apresentando, ao final, peça informativa. 1 Atualizado com a introdução da Emenda Regimental 44/2011.
§ 1º O Relator poderá deferir a prorrogação do prazo sob requerimento fundamentado da autoridade policial ou do Procurador-Geral da República, que deverão indicar as diligências que faltam ser concluídas. 1 Atualizado com a introdução da Emenda Regimental 44/2011”
Podemos afirmar que a natureza jurídica dos inquéritos que apuram delitos em desfavor de autoridades detentoras de prerrogativa de função nos tribunais superiores, são na verdade procedimentos policiais e não judiciais, como sugere alguns doutrinadores, com a diferença de se sujeitarem a uma supervisão jurisdicional direta, tramitando o procedimento diretamente entre o Delegado de Polícia e o relator designado para atuar no caso concreto.
Rafael Potsch Andreata é delegado de Polícia Federal, especialista em direito penal e processual penal.
Revista Consultor Jurídico
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