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domingo, 17 de janeiro de 2016

O Estado de coisas inconstitucional e a Polícia Civil de Minas Gerais

É conhecido o desprezo do Estado para com a Polícia Civil de MG no que se refere a investimentos estruturais. Servidores e usuários do serviço disputam espaço com objetos apreendidos, animais peçonhentos, em prédios improvisados insalubres. A escassez de servidores chega ao ponto de outras instituições usurparem suas funções.
"...Quando declara o Estado de Coisas Inconstitucional, a corte afirma existir quadro insuportável de violação massiva de direitos fundamentais, decorrente de atos comissivos e omissivos praticados por diferentes autoridades públicas, agravado pela inércia continuada dessas mesmas autoridades, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público podem modificar a situação inconstitucional. Ante a gravidade excepcional do quadro, a corte se afirma legitimada a interferir na formulação e implementação de políticas públicas e em alocações de recursos orçamentários e a coordenar as medidas concretas necessárias para superação do estado de inconstitucionalidade..."
(Carlos Alexandre de Azevedo Campos)
RESUMO: O presente trabalho tem por escopo principal discorrer sobre o Estado de Coisas Inconstitucional e a grave e histórica omissão do Estado em face da Polícia Civil de Minas Gerais.

A partir da remodelagem do estado de direito no Brasil, foi possível garantir a todos, indistintamente, o sagrado direito da livre expressão que vem estampado no artigo 5º, inciso IV, da Constituição da República de 1988, segundo o qual, é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.
A proibição do retrocesso social ganha novo aliado diante do remédio chamado ECI, que revela instrumental importante contra omissão estatal violadora de direitos fundamentais, notadamente em agressões à dignidade da pessoa humana, artigo 1º, III, da Constituição da República, de 05 de outubro de 1988.
Nesta seara, é certo afirmar que a República Federativa do Brasil assumiu diversos compromissos internacionais na esfera dos direitos humanos, em especial na defesa dos direitos transnacionais, a exemplo do Pacto de San José da Costa Rica e Pacto Internacional dos direitos civis e políticos, decretos nº 678/92 e nº 592/92, além da defesa da ética e da moralidade na Administração Pública, quando prometeu repudiar quaisquer atos de corrupção no país.
E, neste quesito, é bom lembrar que o Brasil depositou Carta de Ratificação da Convenção Interamericana contra a Corrupção, por meio do Decreto nº 5687, de 31 de janeiro de 2006, comprometendo-se a combater a corrupção no país, conforme enunciados da Convenção, em razão do convencimento de que a corrupção solapa a legitimidade das instituições públicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e a justiça, bem como contra o desenvolvimento integral dos povos; e considerando que a democracia representativa, condição indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento da região, exige, por sua própria natureza, o combate a toda forma de corrupção no exercício das funções públicas e aos atos de corrupção especificamente vinculados a seu exercício; e ainda persuadidos de que o combate à corrupção reforça as instituições democráticas e evita distorções na economia, vícios na gestão pública e deterioração da moral social; e, por fim, decididos a envidar todos os esforços para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção no exercício das funções públicas e nos atos de corrupção especificamente vinculados a seu exercício.
Voltando ao tema central, é de bom alvitre lembrar que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, em sede de ADPF n. 347, reconheceu em decisão liminar a existência de um Estado de Coisas Inconstitucional (ECI), com base na sistêmica violação de direitos fundamentais que se manifesta no âmbito penitenciário brasileiro.
O Estado de coisas inconstitucional supõe a identificação de agressões em larga escala aos direitos fundamentais e a busca pelo Judiciário de uma solução estrutural, demandante de posturas ativas e deferentes, que não impliquem substituição de outros órgãos.
É certo que, diante dos inúmeros meios processuais contemplados para a defesa dos direitos fundamentais difusos e coletivos, com possibilidade de adoção, em tais meios, de sentenças estruturais, o ECI, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, deverá assumir configuração particular e caráter de instrumental excedente, de uso pontual nos episódios de violação sistêmica dos direitos fundamentais.
Segundo ensinamentos doutrinários, a origem do Estado de Coisas Inconstitucional é a Corte Constitucional da Colômbia, em 1997, no contexto de violações sistemáticas de direitos fundamentais, estabelecendo-se aquilo que alguns autores designam de ativismo dialógico, com a Corte assumindo relevante papel de coordenar o processo de mutação das funções do Poder Público.
Em termos concretos, diante do desprezo do Estado para com a Polícia Civil de Minas Gerais, no que tange à ausência de investimentos estruturais, omissão que se repete em épocas infindáveis, recorrentes e contumazes, onde servidores e usuários do serviço público disputam espaços com objetos apreendidos, animais peçonhentos, em prédios insalubres e desumanos, geralmente casas ou galpões improvisados, além da escassez de servidores no cumprimento de suas atribuições constitucionais, a ponto de outras Instituições usurparem suas funções, não resta dúvida da clara configuração da violação das normas de direitos humanos.
Isso se evidencia com frequência na Polícia Civil de Minas Gerais, ameaçando a sua extinção por força de usurpações de suas funções legais e constitucionais, a exemplo da atribuição conferida legitimamente pela Lei nº 9.099/95, pela qual outras agências de segurança pública lavram TCO - Termo Circunstanciado de Ocorrência em Minas Gerais, com aval do Poder Judiciário e do Ministério Público, e agora com apoio e reforço irresponsável do governo do estado.
Arremata-se, afirmando que o momento atual é de pura confusão entre polícia e política, situação pela qual a função técnica de segurança dos cidadãos ganha colorido eminentemente político, em detrimento das atividades próprias de polícia investigativa e judiciária. 
Assim, a omissão fica nítida quando o próprio governo, em campanhas eleitorais, prometeu grandes investimentos estruturais na Instituição, e, depois de certo tempo, percebeu-se claramente que tudo não passou de um mero e insofismável estelionato-eleitoral.
A omissão é tão séria, de natureza nitidamente complexa, emblemática, que o problema desafia uma atuação judicial diferenciada, sendo insuficiente um agir isolado e solitário do Judiciário com medidas tradicionais e, às vezes, corporativas, de forma que somente a intervenção da Suprema Corte Brasileira seria capaz de devolver à Polícia Civil de Minas Gerais sua real função essencial de guardiã e salvaguarda dos interesses sociais, difusos e coletivos, mormente na sua nobre atribuição de apurar os crimes com isenção e imparcialidade numa moderna concepção de Estado Democrático de Direito.
É correto afirmar que a extensão violadora dos direitos fundamentais dos policiais civis em Minas Gerais, agora ameaçados com atrasos, escalas e parcelamentos de salários, é bem maior que a violação dos direitos atinentes ao sistema penitenciário, fundamento da ADPF 347, e considerando a máxima do ubi eadem ratio ib eadem legis dispositio, sobram motivos para se reconhecer um inevitável Estado de Coisas Inconstitucional, diante da grave violação dos direitos humanos, irrenunciáveis, imprescritíveis e universais, fomentado pela omissão do governo de Minas Gerais em épocas alongadas.
Ensina com lucidez o prof. Carlos Alexandre de Azevedo Campos que, "quando declara o Estado de Coisas Inconstitucional, a corte afirma existir quadro insuportável de violação massiva de direitos fundamentais, decorrente de atos comissivos e omissivos praticados por diferentes autoridades públicas, agravado pela inércia continuada dessas mesmas autoridades, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público podem modificar a situação inconstitucional. Ante a gravidade excepcional do quadro, a corte se afirma legitimada a interferir na formulação e implementação de políticas públicas e em alocações de recursos orçamentários e a coordenar as medidas concretas necessárias para superação do estado de inconstitucionalidade.".
 Em seu trabalho de referência, o iluminado professor em epígrafe, o qual recomendamos, assim conclui:
  "…O voto do relator da ADPF 347, ministro Marco Aurélio, faz clara opção pela via dialógica do instituto: propôs que o STF interfira na formulação e implementação de políticas públicas e em escolhas orçamentárias, mas mediante ordens flexíveis seguidas de monitoramento da execução das medidas. A proposta não lança o tribunal a um “estado de arrogância institucional”, muito ao contrário, a opção é pelo caminho da interação institucional em torno de um objetivo comum. Optou, portanto, pela forma de atuação que deu certo, e não a que fracassou. É o que se espera de uma corte constitucional em casos que apresentam quadro tão acentuado de violações de direitos fundamentais, mas, ao mesmo tempo, de soluções tão complexas: que não seja inerte, mas que também não tente resolver tudo sozinha…" .
Por fim, em termos sintéticos, é preciso declarar o Estado de Coisas Inconstitucional em Minas Gerais, em face da OMISSÃO HISTÓRICA relativa aos direitos da Policial Civil de Minas Gerais, clamando pela firme  posição do Poder Judiciário, em última Instância, legitimados pelo art. 103 da Constituição da República de 1988 para reconhecer a existência de grave violação ao comando normativo em vigor, consubstanciado na escancarada omissão generalizada, caótica e estrutural na efetivação dos direitos fundamentais da Polícia Civil de Minas Gerais e, por consequência, de todos os seus servidores, policiais e administrativos, para que o governo assuma o improrrogável compromisso real de resolver os problemas vinculados à falta de estrutura física (com vistas a implementar investimentos em equipamentos públicos); o reconhecimento da escassez de recursos humanos, com ampliação do efetivo (cujo número é o previsto na Lei Orgânica da Polícia Civil de Minas Gerais, Lei Complementar nº 129/2013); a preservação de suas atribuições legais e constitucionais, em especial lavratura exclusiva do TCO elaborado pela autoridade policial (cristalinamente definida no artigo 69 da Lei 9.099/95); reconhecimento da deficiência epidêmica na gestão de frota, armamentos bélicos, investimentos em cursos de aperfeiçoamento e formação continuada de seus membros, ampliação nas chamadas inovações tecnológicas, equipamentos necessários para o eficaz enfrentamento à criminalidade organizada, proibição do intervencionismo político, abjeto e esdrúxulo; e, sobretudo, respeito à sociedade mineira, que depende da Polícia Civil de Minas Gerais para efetivação de seus direitos e garantias sociais consagrados no âmbito da segunda dimensão de direitos.
Somente assim a Polícia Civil de Minas Gerais restabelecerá o seu lídimo respeito Institucional, com abandono da inércia continuada em ações de governo, de forma a restabelecer sintonia com os preceitos transcendentais derivados do Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br, acesso em 10/01/2016, às 17h47min;
CAMPOS, Carlos Alexandre Azevedo. O Estado de Coisas Inconstitucional e o litígio estrutural. Disponível em www.conjur.com.br, acesso em 10/01/2016, às 18h40min.


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