Do Direito à Vida, à Cidade, à Cultura e ao Meio Ambiente
Por uma Ribeirão das Neves livre das cadeias
Sidnei Martins[1]
Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, MG, 29 de novembro de 2010.
“Eu só peço a Deus que a dor não me seja indiferente, que a morte não me encontre um dia solitário sem ter feito o que eu queria. Eu só peço a Deus que a justiça não me seja indiferente, pois não posso dar a outra face se já fui machucado brutalmente...” Mercês de Sosa.
O que leva o Agente Público pensar que ele está acima do bem e do mal ou acima do Estado de Direito? Será que os votos ganhos no processo eleitoral que lhe garantiu mais do que um lugar para estar a serviço do bem público e das leis? Se o pensamento de alguns políticos caminha nessa lógica, lamentamos profundamente tal nível de ignorância, sobretudo por entendermos que a investidura em qualquer cargo público deve estar assegurada em leis e obviamente que essas leis carregam em seu âmago os princípios que sobrepõe aos interesses individuais.
O direito à vida e o direito da defesa da vida é reconhecido mundialmente por todos os organismos internacionais. A Lei Universal dos Direitos Humanos garante esse direito e foi com muita mobilização dos Movimentos Sociais em nosso país que essa discussão deu fruto, sendo objeto de aprovação dos constituintes na Carta Magna de 1988 da República Federativa do Brasil, ficando assim o Art. 5° CF/88.
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade...”
Como se percebe o direito a vida é garantido ao povo brasileiro como sendo Direitos e Garantias Fundamentais. Então se a nossa constituição nos garante subjetivamente o ordenamento da vida, cabe a cada um de nós lutarmos objetivamente para que esse direito seja efetivamente exercido pelos poderes de nossa nação. Mas a vida é algo particular, de cada um, podem afirmar alguns, afinal, “está garantido o livre arbítrio de ação”, entretanto, quero ressaltar que ninguém pode mesmo com vantagens de poderes econômico, político e ou investido do poder de polícia, tratar a vida como algo particular. Isso por sermos classificados como seres humanos políticos e sociais, onde toda nossa ação desencadeia uma reação social que atinge direta ou indiretamente a sociedade por inteiro, é o caso das milícias do Rio de Janeiro vide o filme “tropa de elite 2” e o que está acontecendo neste instante na cidade maravilhosa.
A população de Ribeirão das Neves tem o direito de ser feliz! Não suportamos mais as interferências de outros entes da federação em nossos destinos sem sermos consultados; não concordamos com agentes políticos do legislativo estadual e federal usurpando a cidadania nevense como se fosse mercadoria “made in China”. Pedimos respeito, não queremos ser tratados como gados ou simplesmente como currais eleitorais.
A nossa defesa da cidade de Ribeirão das Neves perpassa na conquista da democracia e dos valores éticos da humanidade. E como cidadãos nevenses queremos nos apropriar da Lei 10.257 de julho de 2001, denominada de Estatuto da Cidade, ao qual em seu artigo 2° e seus incisos define muito bem a política urbana e a forma do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade. Observaremos os incisos do art. 2° da Lei 10.257/2001.
“I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer para as presentes e futuras gerações;”
A vocação da cidade é construída pela sua história econômica, política e social, na defesa da sustentabilidade e garantias do direito a terra, à moradia como forma de cidadania, ao saneamento ambiental como forma de defesa da vida e aos serviços públicos de qualidade.
Prosseguimos na análise dos incido do artigo 2° do Estatuto da Cidade:
“II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;”
A lei é clara e cristalina, a gestão tem que ser democratizada, para tanto, é imperativo que a participação popular seja para nós como o ar que respiramos para nos manter vivo. Não pode existir democracia sem a participação da sociedade civil, todavia, a sociedade civil precisa se organizar de forma a conquistar o respeito e a sua independência frente a outros interesses (legítimos ou não). A execução de projetos e empreendimentos a serem implementados na cidade ganha mais força quando esses são resultados do debate e da democracia participativa.
Vejamos o que diz o inciso IV, do art. 2° da lei 10.257/01.
“Planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;”
A cidade e seus cidadãos devem estar conectados com objetivos definidos e planejados, a fim de possibilitar o desenvolvimento da cidade. Ribeirão das Neves não tem acompanhado de forma sistemática os ordenamentos jurídicos relacionado ao desenvolvimento urbano, não é uma cidade planejada, o seu território urbano é todo desordenado e sem infraestrutura básica na área de saneamento ambiental, os efeitos negativos e o desrespeito ao meio ambiente, tanto por parte do setor público quanto do particular é absurdamente estarrecedor.
Vejamos o que diz o inciso V, do art. 2° da lei 10.257/01.
“Oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;”
Neves está a mercê dos descasos dos agentes políticos. Isso é comprovado pela falta de equipamentos públicos que atenda aos interesses públicos da população. Pra se ter uma ideia do que estamos afirmando a maioria dos imóveis utilizados pela prefeitura são provenientes de alugueis, favorecendo os “amigos” do executivo e os politiqueiros da cidade, muitos destes imóveis são superfaturados acima do valor de mercado. Infelizmente os partidos que compõem o governo preferem calar-se ao invés de defender os interesses do povo de nossa cidade. Temos como exemplo a exploração do transporte coletivo feita pela Transimão que mantém um monopólio desse serviço há anos, serviço esse que é de péssimas condições.
Vejamos o que diz o inciso XII, do art. 2° da lei 10.257/01.
“Proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;”
Há muito tempo que os governantes não se preocupam com Neves, ou seja, as ações promovidas pela Administração Pública não atende a contento os desejos e sonhos de uma população composta majoritariamente de pessoas que acharam em Neves o único lugar economicamente possível de morar. Mas esse mesmo povo tem muita cultura, história e bom gosto, o que precisam é de apoio do poder público estadual, federal e do município para fazer valer a vontade desse agrupamento de 349 mil habitantes (IBGE/2009).
Vejamos o que diz o inciso XIII, do art. 2° da lei 10.257/01.
“Audiência do poder público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimento ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;”
Esse ponto é importante, pois com o fim da ditadura militar e com a nova Constituição de 1988 a participação popular foi ressaltada, entretanto ou por desinteresse ou por falta de incentivo por parte dos políticos essa mesma participação fica à margem das decisões políticas. Os mecanismos de controle social e participação popular mais parecem um favor dos políticos do que uma conquista da democracia.
A participação popular está garantida na Constituição cidadã de 1988, na lei de responsabilidade fiscal, nas leis do orçamento e no próprio Estatuto das Cidades como foi visto aqui. Então por que o governo do Estado de Minas Gerais tem de forma sutil usado de subterfúgio para colocar em pratica os seus interesses, contra a vontade da população de Neves?
O Complexo Penitenciário Ribeirão das Neves que o governo pretende construir em nossa cidade será construído e administrado por uma Parceria Público Privado – PPP -, ao qual tem como Empreendedor o grupo “Gestores Prisionais Associados” – GPA. Esse empreendimento tem tirado o sono da população nevense. Querem trazer mais 5 (cinco) unidades prisionais, sendo que 3 (três) unidades de regime fechado e 2 (duas) unidades de regime semi-aberto, totalizando 3.040 (três mil e quanta) novos detentos.
Muita coisa tem nos assustado nesse processo, mas acho que entre tantas dúvidas algumas devem ser ressaltadas. “A localização do empreendimento foi definida pelo Governo do Estado de Minas, sendo a mesma integrante do edital de licitação – concorrência n° 01/2008 – SEDS/MG – exploração mediante concessão administrativa da construção e gestão do complexo penal” (Parecer único SUPRAM CM nº 365/2010 protocolo nº 630387/2010). O local da construção é uma área que pertence ao Governo de Minas, a Lei Complementar N° 075/2009 que alterou o zoneamento urbano do município de Ribeirão das Neves, a define como Área de Preservação Ambiental – APA. O nosso questionamento é porque o Prefeito Sr. Walace Ventura deu uma declaração de que a área estava liberada para a construção, já que ele mesmo sancionou a LC 075/2009 que proíbe qualquer construção desse porte na área.
A licitação da obra por motivo do seu alto valor R$ 156 milhões de reais, a sua modalidade é concorrência, entretanto o grupo GPA que foi vencedor é composto por 4 empresas (três de São Paulo e uma do Paraná) com um capital social de pouco mais de R$ 6.000,00 (seis mil reais). O nosso questionamento é como que uma empresa que tem um capital social de 6 mil reais poderá construir um equipamento que custa quase 160 milhões? Isso está nos cheirando aquelas privatizações do governo FHC, que entregava o patrimônio público com o financiamento do BNDES (dinheiro público, dinheiro do povo).
Se analisarmos friamente o parecer da SUPRAM saberemos que o empreendimento não tem condições de fazer a obra e muito menos de receber a concessão administrativa. As irregularidades vão aumentando a cada nova leitura do processo de licenciamento COPAM PA n° 16541/2009/001/2010, os absurdos só vão configurando o que pensamos sobre essa transação que mais parece esquemas escusos com aquele mistério sombrio e assustador. Talvez um prato cheio para Polícia Federal investigar e criar um nome que faça jus a tal operação.
Essas e outras propostas indecorosas só comprovam que a política neoliberal não foi interrompida por completo em nosso país, ela continua a interferir e sangrar a esfera pública, se o governo federal parou com o programa de privatizações, existe em alguns Estados o pensamento do Estado mínimo, com a prática das OSCIP da saúde, as PPP dos presídios e etc. Assim vão entregando o serviço que deveria ser prioridade da esfera pública para iniciativa privada. É como diz Sartunino Braga:
“O Neoliberalismo nada mais é do que a exacerbação da velha teoria econômica de Adam Smith, segundo a qual o melhor para todos é que cada um por si busque realizar seus interesses porque existe um mecanismo automático (a “mão invisível”) – o Mercado, na verdade – que se encarrega de produzir a melhor aproximação do bem coletivo. Nessas condições, o Estado deve se abster completamente de interferir na economia, deve se retirar ao máximo e deixar o Mercado atuar livremente; o Estado só atrapalha. Na medida em que o desenvolvimento estava ligado a políticas públicas projetadas e praticadas pelo Estado para aumentar o crescimento econômico e o bem-estar social, o desenvolvimento desapareceu do léxico político-econômico na era do Neoliberalismo. Tudo passou a ser o Mercado, e um Mercado só, do mundo inteiro, quase divino, o Mercado globalizado.” (Braga, pág. 102, 2009).
Mas o neoliberalismo tem feito a sua metamorfose e aproveitando-se do patrimonialismo enraizado na cultura política brasileira, introduz uma prática estamental ou um neo-estamentalismo, criando uma elite que antes tinha o nome de “burocratas” e que agora são chamados de “eficientes” ocupando altos escalões no staff das OS; OSCIP; PPP e em governos descomprometido com a área social. Os defensores do Estado mínimo ao propor tal desfaçatez induzem a redução na correlação de forças na composição do que é Atividade Exclusiva do Estado para Atividade Não Exclusiva do Estado (Bresser Pereira, 1995).
Em relação aos presídios e a sua privatização esses senhores vão além. Acho até que uma PPP para as BR’s e as MG’s são bem vindas, desde que a concessão leve em conta na hora de licitar o menor preço repassado ao contribuinte. Vejam! Somos contribuintes, mas considerando um conforto e uma maior segurança nas estradas, acabamos concordando com essa parceria entre o público e o privado. Agora se tratando do sistema prisional observe o que diz o jurista Herbert Carneiro, da Vara de Execuções Penais de Belo Horizonte, segundo ele os presos viraram mercadorias:
"Estão querendo dar ao sistema penitenciário o mesmo tratamento dado à PPP de uma construção e conservação de estrada, o que não é possível. Há certas atividades no sistema prisional que são indelegáveis, têm que ser feitas pelo Estado" (Notícia do site da ALMG sobre a audiência de 28/03/2008 sobre as PPP’s do Presídio promovida pela Comissão dos Direitos Humanos da ALMG).
De fato a questão colocada é muito delicada, afinal estamos lidando com pessoas. Sim pessoas que cometeram crimes e muitas das vezes são reincidentes, mas será que o Estado deve abrir mão da sua delegação em detrimento da sua incompetência administrativa? Que direito temos de acreditar que com a iniciativa privada será diferente? Afinal para esse setor o que vale não é o lucro?
O coordenador de Direitos Humanos da Defensoria Pública, defensor Gustavo Gorgosinho, levantou uma questão polêmica: "O edital prevê que a empresa dê assistência jurídica gratuita ao preso. Mas os advogados que serão empregados da própria empresa terão interesse em fazer isso? Não é interessante manter o maior número possível de encarcerados para arrecadar mais?" (Notícia do site da ALMG sobre audiência de 26/03/08 sobre as PPP’s do Presídio promovida pela Comissão dos Direitos Humanos da ALMG).
As mais variadas autoridades do assunto discordam desse projeto de entregar o destino dos cárceres aos empresários, vejam o que dizem o vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia (CRP-MG), Rodrigo Oliveira, e o professor Virgílio Mattos, coordenador do grupo de pesquisa Violência, Criminalidade e Direitos Humanos da Escola de Direito Dom Helder Câmara, também não pouparam críticas à intenção do governo. Para eles:
A PPP transformará os presos em mercadorias, e interesses econômicos estarão acima dos sociais. "A questão não é prender cada vez mais. É prender menos. Serão três mil pessoas à mercê do capital internacional", criticou Rodrigo Oliveira. O professor Virgílio ainda citou o exemplo dos Estados Unidos, onde parte do sistema prisional foi privatizado e a população carcerária “cresce assustadoramente.”” (Notícia do site da ALMG sobre a audiência de 28/03/2008 sobre as PPP’s do Presídio promovida pela Comissão dos Direitos Humanos da ALMG).
Por fim espero que os homens de boa vontade possam compreender que Neves não merece mais presídios. Estamos cansados de sermos zombados como presos, ladrões e ou fugitivos, as piadinhas são muitas. Queremos faculdade, queremos teatros, cinemas, praças, lazer e cultura.
A Rede Nós Amamos Neves tem cumprido um papel de vanguarda na resistência e denúncias das mazelas da prefeitura e do governo de Estado. Os políticos da cidade não se movimentam, parecem que não estão preocupados com o destino de sua cidade, preferem a inércia ao enfrentamento contra um governo “antidemocrático, antipopular e contra o povo de Neves,” do Sr. Antônio Anastásia.
Repudio essa construção, repudio a câmara de vereadores de Ribeirão das Neves pela sua falta de sensibilidade política e social, repudio o deputado estadual João Leite por razões políticas (base aliada do Anastásia) se recusa a marcar uma audiência para discutir com o povo de Neves.
Agradeço a todos que de uma forma ou de outra tem contribuído com a nossa resistência. A REDE NÓS AMAMOS NEVES, ACIBEN, CEPI, NATURAE VOX, as Paróquias Católicas das regiões do Veneza, Centro e Justinópolis, Igrejas Evangélicas da cidade de Neves, as Associações de Bairros, as Brigadas Populares, o MST, Conselho Regional de Psicologia, Bancada do PT e PCdoB na Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais.
Manifestação do Grito dos Excluídos de 2009 – Centro de Ribeirão das Neves - MG
[1] Formado em Gestão Pública pela UNI-BH. É membro da Rede Nós Amamos Neves e do CEPI – Centro de Estudos, Pesquisas e Intervenção Ribeirão das Neves.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada