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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Uma analise real e cientifica da transposição do rio são francisco, entenda a resistências de estudiosos

Transposição, uma grande enganação

(Carta de Manoel Bomfim[1] ao escritor Antonio Risério)

                               
  Salvador, Bahia, 29 de novembro de 2010
 Ao escritor Antonio Risério

        Permita-me comentar o seu artigo SOBRE O VELHO CHICO publicado  no jornal A TARDE  de sábado, dia 27 deste.
       Você está certíssimo sobre o nome “Rio de São Francisco,” título que encima o livro histórico de Geraldo Rocha, obra prima sobre o grande rio. Sobre a barragem do Sobradinho e Xingó e o aproveitamento energético de Paulo Afonso  estamos acordes.
        Nosso comentário prende-se a mega Transposição de águas do rio São Francisco para o Semi-Árido brasileiro. Entendi, no seu artigo, que as reações  do momento  transformar-se-ão  em apoio futuro quando executada  a obra, como fora o comportamento dos ribeirinhos com  a transferência das cidades.
       A construção das obras da transposição oferece aspectos diferentes, senão vejamos: no ano de 1820 D. João VI teve a idéia de abrir um canal  do rio São Francisco para o rio Jaguaribe,  isto porque a rede potamográfica do Nordeste, apesar de bem distribuída, era e é intermitente, ficando os leitos dessecados logo após as chuvas do período, devido à evaporação descomunal que se abate sobre o Nordeste. Chega a 3.000 mm/ano, ou seja, uma coluna líquida de 3 metros  de água sobe pelos ares anualmente.
      O nordestino, com sua inventiva, tangido pela necessidade de sobrevivência, construiu  pequenos barramentos, bastante primitivos, mas que retinham a água por um tempo maior. A idéia foi sendo imitada, todo mundo fazia as suas pequenas aguadas. A coisa evoluiu, as técnicas foram avançando e o baronato rural começou a executar açudes de médio porte que já suportavam  as travessias dos períodos estivais.
      Os engenheiros nordestinos se aprimoraram em projetos ousados e, no século XX, se tornaram os melhores hidrólogos do mundo nas técnicas da construção de açudes. Houve uma grande nucleação na construção destas obras e chegamos,  ao alvorecer do século XXI, com mais de 70.000 mil açudes nos quatro estados: Ceará. Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, armazenando 40 bilhões de metros cúbicos de água, volume equivalente a 16 vezes a baia da Guanabara.
       Existem cerca de 20.000 açudes  de construção primorosa, são reservatórios  que não secam jamais, com 20, 30, 40, ou mais metros de profundidade, suportando as grandes secas  que ocorrem.  
       Temos, assim, a maior rede de açudes  do planeta Terra em regiões áridas e semi-áridas do mundo, mas a idéia da Transposição ficou implantada na cabeça de grupos, sobretudo de alguns políticos.
        Saiba, portanto, prezado Rizério, que o Semi-Árido brasileiro armazena água muito além das suas necessidades.
      O subsolo do Nordeste dispõe, também, de 135 bilhões de m³ de água acumulados, podendo ser extraídos cerca de 27 bilhões por ano sem baixar os seus aqüíferos. 
      A Transposição, obra ciclópica que vai engolir mais de 16 bilhões de reais, se um dia for concluída, vai transportar inicialmente 26 m³/s, ou seja, 400 milhões de m³/ano, volume igual a um açude médio dos milhares que existem na região. No pico, pode transportar até 127 m³/s ou seja 2 bilhões por ano, volume  igual à evaporação de um só açude,  o Castanhão, que evapora exatamente 2 bilhões  dos 6,7 bilhões que armazena. Este é o maior açude do mundo em rios intermitentes que, irá receber água da Transposição. Uma irrisão. Os dois canais (Norte e Leste) vão levar os 2 bilhões de água para 8 açudes que já acumulam 13 bilhões que, por sua vez, evaporam 4 bilhões. Chegam 2 bi onde evaporam 4 bi. Entenda.
     Observe, 40 bilhões de metros cúbicos de água não resolveram o problema de água da região, mas 2 bilhões de metros cúbicos (5%) vão resolver, diz o Governo.
       O que faltam nos nossos açudes é a distribuição através de um robusto sistema de adutoras. Existem apenas 4.000 km de adutoras principais. Necessitamos de 40.000 km para as águas dos nossos açudes viajarem  por todos os cantos e recantos do Semi-Árido.
       Meu caro, esta é uma análise cartesiana, bem resumida e verdadeira. Venho blaterando, eu e um  grupo de técnicos, contra este crime de lesa-pátria que o Governo comete  contra a sociedade apática do nosso País.
       Existem no Nordeste brasileiro 38 obras do Governo inconclusas e abandonadas. Esta será mais uma, cujos escombros em concreto ficarão expostos e eternizados à flor da terra, atestando a incúria e a irresponsabilidade criminosa de um Governo. Servirá, apenas, como uma análise a ser feita  pelos nossos pósteros.
 Estamos à sua disposição para uma exposição pessoal, para uma palestra ou o que você quiser sobre este tema.
   Atenciosamente
                        Manoel Bomfim Ribeiro

Obs.: Cf. também o artigo de Manoel Bomfim Ribeiro: “TRANSPOSIÇÃO: uma análise cartesiana”, disponibilizado no link, abaixo:





[1] Engenheiro civil, com especialização em Geologia e hidrologia; ex-diretor do DNOCS; ex-secretário geral do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia; ex-diretor da CODEVASF; ex-consultor da OEA – Organização dos Estados Americanos; conselheiro da Fundação Franco-Brasileira de Pesquisa e Desenvolvimento (FUBRÁS), membro do Instituto do Sol, cidadão honorário em 27 municípios do Semi-árido. Autor do livro A Potencialidade do Semi-árido Brasileiro (O Rio São Francisco: Transposição e Revitalização, uma análise), Brasília, 2007. “Livro imprescindível para compreender o Semi-árido, seu povo, sua riquíssima biodiversidade e uma imensa riqueza cultural”, diz Dom Luiz Flávio Cappio. O e-mail de Manoel Bomfim é: manoel.bomfim@terra.com.br

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