Recente notícia da ConJur menciona sentença onde uma juíza afirma que “o policial é acima de tudo um ser humano”. Nós advogados sempre soubemos disso, mas há certos governantes que discordam da afirmação. Em São Paulo os funcionários públicos em geral são tratados como se humanos não fossem. Só uma terrível megalomania, uma funesta arrogância, uma trágica maldade é que podem explicar certos absurdos que qualquer pessoa de bom senso percebe ao primeiro exame fático.
Um juiz em início de carreira tem vencimentos de cerca de R$ 20 mil. Parece razoável. O que não é razoável é o delegado de polícia ter salário muito abaixo da metade disso! A Polícia Civil de São Paulo paga o pior ou um dos piores salários do país. Menos do que Sergipe, o menor estado da federação. Não é falta de dinheiro, mas de respeito. E não é só falta de respeito: é burrice, pois isso está levando os bons policiais para outros estados ou outras carreiras.
Para sobreviver talvez alguns policiais sejam obrigados a desenvolver atividades paralelas, seja em firmas de segurança ou em outras atividades comerciais, quem sabe em nome de terceiros. Isso é péssimo, pois se o serviço público se transformar em “bico” a sociedade acaba sendo prejudicada.
Nós advogados devemos estar atentos a essa situação e desenvolver alguma ação no sentido de pressionar pela correção dessa injustiça. Não nos interessa uma polícia desmotivada, desprestigiada, onde teremos de interagir com funcionários mal-humorados, cansados, arqueando sob o peso dos problemas pessoais e familiares que muitas vezes surgem no lar daquela pessoa que não está ganhando o suficiente para compensar seus esforços e seus estudos.
Essa visão equivocada segundo a qual investir na Polícia é comprar viaturas, multiplicar o número de distritos, fazer novos concursos para aumentar o efetivo, é apenas isso: uma sucessão de equívocos. Muitas viaturas nem sempre podem prestar serviços à população, por lhes faltarem motoristas, manutenção ou mesmo combustível. Há muitos distritos bonitinhos por aí, inaugurados com pompa e circunstância, mas que permanecem fechados à noite por falta de pessoal e até mesmo funcionam precariamente durante o dia, inclusive porque criados próximos de outros.
Fazer novos concursos não resolve o problema, mas pode criar outros. Como o salário inicial é baixo, o recém-nomeado vai continuar estudando e, quando aprovado em outro, concurso qualquer que lhe pague mais, simplesmente vai embora e surge uma nova vaga. Como os leitores já viram em outro artigo nosso, a concursite é uma doença terrível.
Quando falamos que não é por falta de dinheiro que os salários dos policiais são injustos, isso é tão óbvio que nem mereceria comentários. O estado que investe mais de R$ 500 milhões numa escola de dança (onde era a antiga estação rodoviária da capital) não pode falar em falta de dinheiro. Investe-se em museu, em sala de concerto, em teatro, em dança, em escola de samba, etc., mas insiste-se em não investir na única “coisa” que faz tudo isso ter sentido: dotar a administração pública de funcionários razoavelmente remunerados, que possam dedicar todo o seu tempo para a função que exercem, que possam ver no serviço público um meio de vida que dê segurança e tranquilidade para sua família.
O mais trágico disso tudo é que tal descalabro não ocorre só na Polícia. Uma psicóloga que trabalha na Administração Penitenciária ganha mais ou menos o mesmo que um motorista de táxi. Recentemente disse a uma delas que ela deveria ter limitado seus estudos à autoescola. Como taxista, ganharia mais e nem precisaria ter chefe, que, aliás, também ganha pouco.
Ainda recentemente soube que alguns servidores do Judiciário tiveram no início deste ano sérios problemas, pois seus salários sumiram no Banco do Brasil logo depois de depositados, porque o banco resolveu cortar o limite do cheque especial sem prévio aviso. Ainda que já tenham resolvido essa questão, isso é um reflexo de duas coisas: que são baixos os salários e que quem manda neste país são os bancos.
Nós advogados não podemos ficar alheios a essa série de crimes. Crimes, sim, pois, como já disse, alguém governar é administrar prioridades. O administrador público que coloca em risco a qualidade dos serviços que são pagos pelos impostos, pagando aos servidores salários insuficientes para lhes dar condições dignas de trabalho, comete crime.
O artigo 7º da Constituição Federal, ao fixar as garantias dadas ao trabalhador, não as limita aos da iniciativa privada e, no artigo 37, torna obrigatória a eficiência na administração. Administração eficiente é aquela que busca a harmonia entre os que nela trabalham.
O artigo 39 da CF diz que o salário do servidor deve levar em conta as peculiaridades, o grau de responsabilidade e a complexidade do cargo. Assim, ignora a norma o governo que paga salário de R$ 2 mil a um psicólogo, R$ 4 mil a um assessor de desembargador, etc.
Do jeito que anda a remuneração do servidor público em São Paulo, não pode haver harmonia entre os servidores. Vejam só que engraçado: um assessor de desembargador ganha cerca de 20% do salário deste e muitas vezes é esse assessor que realiza de fato a maior parte do trabalho de seu assessorado. Até os gatos da Praça João Mendes sabem que muitos juízes apenas assinam as sentenças que são feitas por seus auxiliares, aqueles que andam pendurados no cheque especial e ganham mais ou menos o mesmo que o já mencionado taxista.
Governar não é inaugurar obras onde se colocam placas ridículas para tentar endeusar os diabinhos de plantão. Governo que age dessa forma, que insiste em manter palácios desnecessários, em colecionar obras de arte, em manter alguns na opulência e a grande massa na dificuldade é um governo sem futuro.
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