Por ANTONIO CARLOS LACERDA -
No Brasil, Dilma Rousseff, em menos de uma semana como presidente, já mostrou que não quer seus ministros fazendo declarações contrárias ao seu plano de governo e que não vai permitir manifestações em desacordo com a sua intenção de 'passar a limpo' os atos de tortura, os crimes e os desaparecimentos forçados de brasileiros durante a ditadura militar de 1964 a 1985.
Para mostrar ao Brasil e ao mundo que não é nenhuma "Dilminha Paz e Amor" e que não tomou posse na Presidência para fazer turismo mundial de graça nem para usufruir das mordomias, regalias e privilégios que o cargo de presidente oferece ao seu ocupante, Dilma Rousseff exigiu do general José Elito Siqueira, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, explicações sobre declarações dele à imprensa, se posicionando contra a criação da "Comissão da Verdade" - idealizada pela própria Dilma Rousseff -, destinada a apurar torturas, mortes e desaparecimentos de militantes da luta armada contra a ditadura militar de 1964 a 1985.
Logo no primeiro dia do governo Dilma Rousseff, ainda na euforia das comemorações da posse da presidente e seus ministros, o primeiro embate ideológico entre militares e civis sobre a criação da Comissão da Verdade, para apurar responsabilidades com relação a mortos, desaparecidos e tortura na ditadura militar, foi encenado pelo general José Elito Siqueira e pela pedagoga Maria do Rosário, ministros do novo governo.
Enquanto o general José Elito Siqueira dizia que desaparecido político não é vergonha e que o Brasil "tem de olhar para a frente", a sua colega civil, Maria do Rosário, ministra dos Direitos Humanos, pediu ao Congresso que aprove a criação da Comissão da Verdade sobre os mortos e desaparecidos durante a ditadura militar.
Para o general Siqueira, tanto a ditadura militar - que ele chamou de "movimento de 31 de março de 1964" - como os casos de desaparecidos naquele período devem ser tratados como "fato histórico".
Pregando um "olhar para a frente", o general se mostrou contrário à criação da Comissão da Verdade, prevista em projeto enviado pelo governo do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva - sob orientação da então ministra Dilma Rousseff - ao Congresso em 2010.
"Nós temos que ver o 31 de março de 1964 como dado histórico de nação, seja com prós e contras, mas como dado histórico. Da mesma forma, os desaparecidos são história da nação, que não temos que nos envergonhar ou nos vangloriar", afirmou o general.
O general José Elito Siqueira chamou de "situações isoladas do passado" os alvos da Comissão da Verdade proposta pela ala esquerda do governo do ex-presidente Lula e agora da presidente Dilma.
Entretanto, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, disse que "O Estado brasileiro tem que resgatar sua dignidade em relação aos mortos e desaparecidos na ditadura. (...) Não se trata de revanchismo."
"Hoje, se nossos filhos e netos forem estudar em uma escola vai está lá o 31 de Março como um fato histórico. Temos que ver o 31 de Março como um dado histórico para a nação, seja com prós e contras, mas com um dado histórico. Da mesma forma os desaparecidos", afirmou o ministro chefe da Segurança Institucional do Governo.
Já a ministra dos Direitos Humanos, que defende a criação da Comissão da Verdade, enfatizou que "é mais do que chegada a hora" do país prestar esclarecimentos.
O projeto de lei que cria a Comissão da Verdade foi enviado ao Congresso em maio de 2010 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aguarda aprovação. De acordo com o projeto, a comissão, que tem por objetivo "promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior".
A ministra Mario do Rosário disse que "Não queremos fazer um embate entre parlamentares contra ou a favor da medida, mas resgatar a nossa história e contá-la de forma completa".
Segundo a ministra dos Direitos Humanos, "devemos dar seguimento ao processo de reconhecimento da responsabilidade do Estado por graves violações de Direitos Humanos, com vistas à sua não repetição, com ênfase no período 1964-1985, de forma a caracterizar uma consistente virada de página sobre esse momento da história do país".
O desejo da nova ministra dos Direitos Humanos de acelerar o processo de reconhecimento das violações contra os direitos humanos durante a ditadura pode esbarrar em decisão do Supremo Tribunal Federal, que rejeitou ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil questionando a concessão de anistia a agentes de Estado envolvidos em crimes como tortura, assassinatos e desaparecimentos durante o regime militar.
A ministra Maria do Rosário afirmou ainda que vai cumprir as metas do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, que causou polêmica em diversos setores da sociedade ao traçar "diretrizes" e "objetivos estratégicos" que incluem, entre outros, a defesa da descriminalização do aborto, da união civil homossexual, da revisão da Lei da Anistia, da mudança de regras na reintegração de posse em invasões de terras e da instituição de "critérios de acompanhamento editorial" de meios de comunicação.
"Atuaremos de forma integrada às demais áreas de governo, investiremos na transversalidade das ações, objetivando potencializar iniciativas que façam avançar as bases já lançadas de um Sistema Nacional de Direitos Humanos, cumprindo as metas estabelecidas no Programa Nacional de Direitos Humanos", afirmou a ministra.
Maria do Rosário pediu ao Congresso que também aprove proposta de emenda constitucional do trabalho escravo, que prevê a expropriação e a destinação para reforma agrária de todas as terras onde essa prática seja encontrada.
A ministra prometeu combater a homofobia e a violência contra crianças e adolescentes, tema que trabalhou em todos os seus mandatos na Câmara dos Deputados.
"Não descansaremos diante das situações de violência contra as crianças e adolescentes brasileiros, diante da exploração sexual de meninas e meninos, da transformação de seus corpos em produto e da destruição de suas vidas pela lógica do mercado", afirmou a ministra dos Direitos Humanos.
Ao tomar conhecimento, pela imprensa, do embate ideológico entre o general Siqueira e a pedagoga Maria do Rosário, dois de seus ministros, Dilma Rousseff chamou, imediatamente, o militar para dar explicações concretas sobre suas declarações contra a criação da "Comissão da Verdade", um dos mais perseguidos e sonhados planos de governo da própria presidente.
As declarações do general causaram mal-estar no Palácio do Planalto, principalmente no Gabinete da presidente. Na conversa com Dilma Rousseff, o general teria dito que foi "mal compreendido" pelos jornalistas durante a entrevista e que as reportagens não retrataram o que ele disse. Essa saída 'estratégica', do general é comum quando uma pessoa faz uma declaração à imprensa e tem como resultado o contrário do que era esperado.
O vice-presidente, Michel Temer, questionado se não era contraditório a presidente, torturada durante a ditadura, ter como subordinado próximo um general contrário a investigações sobre episódios de tortura no regime militar, disse que a pergunta deveria ser feita à própria Dilma ousseff. "Acho que é a opinião dele, né? Não vou me manifestar a respeito da opinião dele", disse Michel Temer.
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, aliados da ala militar brasileira, sem se referir especificamente ao general, limitou-se a dizer que a posição do governo é pela criação da Comissão da Verdade, nos termos do projeto de lei já enviado pelo Executivo ao Congresso em maio passado.
A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, afirmou, via assessoria, que seu posicionamento sobre o assunto é público e foi exposto em seu discurso de posse.
A repreensão da presidente Dilma Rousseff ao general Siqueira foi o primeiro "puxão de orelha" de ministro do novo governo. O general recebeu recados de que Dilma Rousseff não gostou do comentário dele sobre as vítimas do regime militar.
Presa e torturada na época da ditadura, Dilma Rousseff fez um discurso, no dia da posse, em que afirmou não ter ressentimentos e rancores. Antes mesmo de assumir, ela chamou os comandantes das Forças Armadas para dizer que não haveria "revanchismo" e pedir que não houvesse por parte dos militares "glorificação" do golpe de 31 de março de 1964, que derrubou o presidente João Goulart e implantou uma ditadura de 21 anos no País.
Desde a distensão política, no final dos anos 1970, iniciada pelo então presidente general João Baptista de Figueiredo, famílias de adversários da ditadura e entidades de direitos humanos cobram do Estado brasileiro a localização dos restos mortais de 138 vítimas da repressão consideradas "desaparecidas políticas".
ANTONIO CARLOS LACERDA é Correspondente Internacional do PRAVDA.RU no Brasil. E-mail:- jornalistadobrasil@hotmail.com
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