Por Rodrigo Haidar
De  quase 135 mil inquéritos que investigam homicídios dolosos — quando há a  intenção de matar — instaurados no Brasil até o final de 2007, apenas  43 mil foram concluídos. Dos concluídos, pouco mais de 8 mil se  transformaram em denúncias — 19% dos responsáveis pelos assassinatos  foram ou serão julgados pela Justiça. Ou seja, o país arquiva mais de  80% dos inquéritos de homicídio.
Os  dados foram revelados nesta quarta-feira (13/6), na sede do Conselho  Nacional do Ministério Público. O levantamento foi feito pela Estratégia  Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), parceria firmada em  2010 entre o CNMP, o Conselho Nacional de Justiça e o Ministério da  Justiça. Os dados sobre homicídios dolosos fazem parte da chamada Meta 2  da Enasp, cujo objetivo era concluir, em abril deste ano, todos os  inquéritos sobre assassinatos instaurados no país até 31 de dezembro de  2007. Somente 32% da meta foi atingida.
A  má notícia é que, se forem considerados os inquéritos concluídos e  pendentes de conclusão (92 mil), apenas 6% dos responsáveis pelos  homicídios registrados nas delegacias do país até o final de 2007 foram  levados ao Judiciário. A boa notícia é que até a formação da Enasp, não  se tinha conhecimento dos números de inquéritos a esse respeito em  tramitação no Brasil. A partir do levantamento, é possível fazer o  diagnóstico de quais são os gargalos do sistema de Justiça e atacá-los  para superar o quadro de impunidade reinante.
A  equipe responsável por colher os dados da Meta 2 e implantar  procedimentos para que os inquéritos andassem foi coordenada pela  conselheira do CNMP Taís Ferraz. A conselheira apresentou os dados na  manhã desta quarta e anunciou que a segunda parte da Meta 2 já está em  andamento. Seu objetivo é concluir, no prazo de um ano, os inquéritos  sobre homicídios dolosos instaurados no país até 31 de dezembro de 2008.
A  tarefa não parece fácil. Como contou Taís Ferraz, nas reuniões do  grupo, delegados afirmam que são reduzidas as chances de solucionar  inquéritos que investigam assassinatos instaurados há mais de três anos.  No caso de assassinatos, as primeiras 72 horas são fundamentais para  que o caso seja elucidado com sucesso.
Quase  34 mil inquéritos foram arquivados na esteira do trabalho da Meta 2 da  Enasp. De acordo com a conselheira, os principais motivos para o  arquivamento são o não esclarecimento do crime, a prescrição e o fato de  os responsáveis pelos assassinatos, apesar de identificados, já estarem  mortos. “Muitos inquéritos incluídos na meta sequer tinham o laudo de  exame cadavérico feito”, afirmou Taís Ferraz. Exatamente por isso, o  simples fato de tirá-los da paralisia e colocá-los para andar foi  comemorado.
As  causas para a baixa solução de inquéritos são diversas e demandam uma  ação conjunta dos três poderes para a sua solução. De acordo com o  levantamento, 12 estados brasileiros não aumentam o quadro da Polícia  Civil há mais de 10 anos. Outros oito estados não preenchem os cargos  vagos da Polícia. Em 14 estados, há carência de equipamentos periciais  e, em 15 unidades da Federação, as delegacias não têm estrutura adequada  de trabalho. Em cinco estados, não possuem sequer acesso à internet.
Campeões da impunidade
O  Brasil é o país com maior número absoluto de homicídios do mundo. Em  números proporcionais, também ocupa as primeiras posições do ranking. De  acordo com parâmetros internacionais, se considera que um país sofre  violência endêmica a partir de 10 homicídios para cada 100 mil  habitantes. No Brasil, a média é de 26 assassinatos por 100 mil. Em  alguns estados, o índice chega a alarmantes 60 homicídios por 100 mil  pessoas.
Para  fazer o trabalho da Meta 2, a equipe se deparou com problemas triviais,  como a falta de aparato tecnológico para racionalizar o trabalho. Em  muitos casos, houve a contagem manual dos inquéritos parados em  delegacias e até a conclusão do levantamento, muitos estados ainda  enviavam informações para atualiza os números.
A  meta seria considerada cumprida quando os estados conseguissem  finalizar, pelo menos, 90% dos inquéritos abertos até 31 de dezembro de  2007. Seis estados conseguiram atingir o objetivo: Acre (100%), Roraima  (99%), Piauí (98%), Maranhão (97%), Rondônia (94%) e Mato Grosso do Sul  (90%).Outros cinco estados cumpriram menos de 20% da meta: Minas Gerais  (3%), Goiás (8%), Paraíba (9%), Espírito Santo (14%) e Alagoas (15%).
A  maior concentração de inquéritos sobre homicídios dolosos não  finalizados foi identificada na região Sudeste, com 76.780 (57% do  total). A menor concentração de investigações paradas estava na região  Norte, com 5.400 inquéritos abertos até o fim de 2007 e ainda sem  conclusão (4% do total). O maior estoque e investigações inconclusas foi  verificado no Rio de Janeiro, com 47 mil inquéritos sem finalização. Ou  seja, mais de um terço de todos os inquéritos do país.
Na  Meta 2, o estado que mais sucesso teve no trabalho foi o Pará, que  alcançou o índice de 85% de denúncias apresentadas a partir de  inquéritos abertos até o final de 2007. “São índices semelhantes aos de  países como França e Reino Unido”, afirmou a conselheira Taís Ferraz.
A  Enasp tem cinco metas e os números apresentados nesta quarta-feira se  referem apenas à Meta 2. As outras metas são eliminar a subnotificação  de homicídios (Meta 1), trabalhar para que haja a pronúncia dos acusados  (Meta 3), para que o julgamento ocorra (Meta 4) e o aperfeiçoamento de  programas de proteção a testemunhas de vítimas (Meta 5).
Em  outubro, o Conselho Nacional de Justiça divulgará os números  correspondentes às metas 3 e 4. O trabalho está sob a coordenação do  conselheiro Bruno Dantas. Com a divulgação, será possível saber quantas  das denúncias que são apresentadas chegam ao final, com a pronúncia dos  réus e o julgamento dos casos.
O  trabalho da Enasp revelou um quadro de impunidade que já era intuído  por todos. Mas a pesquisa permitiu que os problemas já começassem a ser  atacados e com o diagnóstico o sistema de Justiça poderá planejar ações  efetivas para que criminosos sejam efetivamente punidos. Os resultados  já foram sentidos. A média inicial de apresentação de denúncias sobre  homicídios dolosos no Brasil, que variava entre 5% a 8%, subiu para 19%  quando considerados os inquéritos finalizados pelas ações da Meta 2.  Ainda é pouco, mas também é um bom começo.
* Publicado no Blog arma branca 
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