Senso incomum
Há vários modos de explicar o Brasil. Sem tirar o mérito de Caio Prado Junior e de tantos outros grandes cientistas sociais, no específico — nisso que quero hoje abordar —, fico com Raymundo Faoro. Com efeito, quando Raymundo Faoro escreveu Os Donos do Poder, em contraposição à hegemonia marxista no ambiente acadêmico, novas categorias foram utilizadas para a compreensão do velho modelo de dominação política que havia se estabelecido no Brasil. Em vez da luta de classes entre burgueses e proletários, Faoro analisou as relações de poder a partir de dois conceitos weberianos: o estamento e o patrimonialismo. Para ele, o Brasil era patrimonialista no conteúdo e estamental na forma. Ou seja, acima das classes sociais encontra-se o estamento burocrático, que se apropria da coisa pública com o fito de sustentar interesses meramente privados. Fundamentalmente, é a partir da máquina pública que os estamentos espicham suas garras. Políticos, funcionários públicos de carreira, banqueiros, bicheiros, empresários, sindicalistas, latifundiários, usineiros, esquerdistas e direitistas, proprietários de revistas e jornais para todos os gostos ideológicos... Enfim, todos eles se esbaldam com aquilo que vem do setor público. Nesse contexto, o nosso capitalismo parece ser de fancaria.
Pois bem. Não gosto de estereótipos, que são “raciocínios feitos no varejo para serem usados no atacado”. Um dos livros que me impressionou sobremodo e foi importante na minha formação foi O Caráter Nacional Brasileiro — a história de uma ideologia, de Dante Moreira Leite. Belíssimo livro. Ele desmi(s)tifica esse negócio de “brasileiro é isso...; brasileiro é aquilo...”. Ele desmancha a noção de “jeitinho brasileiro”. Diz ele: só dá jeitinho quem precisa; só dá jeitinho quem “pode”; só se dá um jeitinho quando há brechas na lei etc. Por que é tão difícil “dar jeitinho” na Alemanha? Seria porque os alemães não gostam de “dar jeitinho”? Na verdade, eles não dão jeitinho pela simples razão de que, lá, “não dá para dar jeitinho” (ou é nem mais difícil...!). Perguntem ao pai de Steffi Graf, que tentou escamotear o imposto de renda. Claro, acrescente-se nesse contexto uma boa pitada de cultura, ideologia etc., e temos a formação de um imaginário. No Brasil, embora falsa a noção de jeitinho, ela acaba concretizada, como uma espécie de “imaginário concreto” (lembro, aqui, de Poulantzas). Ou seja, para ser mais simples: o jeitinho acaba acontecendo, porque, se todos dizem que há, ele acaba acontecendo... E qual foi o fermento para o crescimento do “jeitinho”? O patrimonialismo. O “estamentismo”.
Pois o tema que vou tratar está bem dentro desse contexto. Nesse imaginário patrimonialista, de “cidadania relacional”, de “dá-se-um-jeito”, exsurge a todo momento um novo modo de se “ajeitar-as-coisas-para-se-dar-bem”.[1] Assim, por que se esfalfelar fazendo um mestrado que dura de dois a três anos e depois um doutorado que dura mais uns quatro a cinco anos se é mais fácil simplesmente ir para a Argentina[2] ou Paraguai (ou em outros cursos que tais) e fazer um doutorado Direto e... nas férias? Pronto. Passeio e estudo: útil e agradável. E volta “doutor” (ou, pelo menos, dizendo “sou doutorando”! Além disso, ainda encherá a boca para dizer: “o meu doutorado é no exterior...” (puxando os “eee” da palavra “meu”). “O meu doutorado não é dessas coisas feitas no Brasil...”! E, melhor ainda, receberá promoção na carreira. Se for juiz, promotor, procurador federal, defensor público, então, isso soma um “monte de pontos”...
Pois, digo-lhes: vocês que acreditam nas leis, na Capes, essas coisas; vocês que sabem que o artigo 48, parágrafo 3º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de 20.12.1996) exige revalidação de diplomas obtidos no estrangeiro com exigências acadêmicas especificas e sérias, vocês que gastam uma fortuna nas Universidades privadas cursando pós-graduação (mestrado e doutorado), o que dirão do que relatarei a seguir?
Explico.
1. O jeitinho.
No país do jeitinho, um grupo de juristas (pessoas formadas em Direito, alguns ocupando cargos importantes) busca mobilizar políticos para, exatamente, arrumar um jeitinho de passar por cima das exigências da legislação brasileira. As notícias são de que já há duas assembleias legislativas mobilizadas. Agora parece que está marcada a mobilização da assembleia de Minas Gerais. Os deputados estaduais são instados a fazer leis para legitimar diplomas de doutorado obtidos especialmente no Mercosul, mais detalhadamente, na Argentina, como se isso não fosse absolutamente inconstitucional, por força da competência privativa da União Federal para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, conforme o artigo 22, XXIV da Constituição. Até as pedras (que não estudaram) sabem disso. Qualquer livro de “direito constitucional simplificado” (sic) diria isso também.
Ora, é perfeitamente normal que alguém vá buscar qualificação (pós-graduação) em outros países. A Capes investe milhões de reais em programas desse naipe. A questão é o respeito que deve haver à legislação nacional. Na volta, o diploma deve passar — necessariamente — por um processo de revalidação previsto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Como bem acentuam Martonio Barreto Lima e Marcelo Varella, em texto ainda inédito — na verdade, um dossiê potente que denuncia esses “jeitinhos” —, “a maior dificuldade se dá em duas situações. De um lado, no caso de diplomas obtidos em cursos muito frágeis, nos quais os alunos fazem visitas temporárias, com aulas intensivas, teses sem orientação e sem qualquer convívio acadêmico, numa realidade distante, portanto, do que é exigido no Brasil pela Capes e por suas áreas de conhecimento. De outro, ainda que realizados por instituições estrangeiras sérias e prestigiadas internacionalmente, a estrutura do curso de doutorado é muito diferente do sistema brasileiro. A relevância do tema pode ser demonstrada pela quantidade de brasileiros que realizam cursos no exterior, pela judicialização em casos onde os pedidos de revalidação foram negados”[3]. Nesse dossiê, que aqui reproduzo, em parte, como um “furo de reportagem”, Martonio Barreto Lima — que é o coordenador da área de Direito na Capes — e Marcelo Varella, que participa do Comitê de Avaliação da área, esmiúçam o assunto. Em breves dias o dossiê estará à disposição da comunidade acadêmica. Li-o e fiquei estarrecido...!
2. Você sabia que há mais brasileiros cursando doutorado em Direito na Argentina do que no Brasil? O case “Museo Social”.
Na questão do Mercosul, o maior problema parece estar na Argentina, motivo, aliás, de audiências públicas em assembleias legislativas que estão sendo feitas por pressão de interessados em revalidar diplomas fora daquilo que é previsto na LDB. Ah, esse Mercosul...! Nesse sentido, segue o dossiê Barreto-Varella: “Há diferentes perfis de instituições que oferecem doutorado a estudantes brasileiros. Apenas na Argentina, há três vezes mais estudantes de doutorado brasileiros do que no Brasil. O próprio conceito de doutorado parecer ser distinto entre os estudantes brasileiros e os argentinos em alguns casos. Nesse contexto, destacam-se instituições de qualidade questionada, como a Universidad del Museo Social Argentino, mas também instituições de qualidade reconhecida, como a Universidade de Buenos Aires e a Universidade de Católica da Argentina, que abriram um mercado exclusivo para doutorandos brasileiros”.
Vejam. A Universidad Del Museo Social, que possui milhares de brasileiros matriculados em doutorado, sequer possui credenciamento no sistema de pós-graduação da República Argentina, conforme informam os professores autores do dossiê. E são esses brasileiros que querem que os diplomas que lá conseguirão não passem pelo processo previsto pela LDB.
Para termos uma ideia da dimensão do problema, somente em 2012, 800 alunos brasileiros lá se matricularam... Sabem quantos docentes tem o doutorado do Museo Social? 10. Ora, 10 docentes é o mínimo que se exige no Brasil para abrir um curso de mestrado... E sabem quantas vagas são permitidas no caso de 10 docentes? 10 a 15 por ano...! Uau!
Vamos a outro dado estarrecedor: “apenas a Universidade do Museu Social Argentino tem uma vez e meia mais estudantes de doutorado do que toda a pós-graduação brasileira em Direito, e tal número tende a aumentar com o sucesso dos convênios”. Repito: uma vez e meia mais do que a totalidade dos estudantes de doutorado de terrae brasilis. Com 10 docentes... O que acham os meus leitores? O que diz a comunidade jurídica de terrae brasilis? Os políticos de terrae brasilis acham que é possível passar por cima da legislação brasileira para validar esses diplomas? Daremos um “jeitinho”? Poderíamos chamar a isso tudo de “projeto patrimojeitinho”, em homenagem a Faoro.
3. Mais dados do dossiê BarretoVarella.
Na Argentina, há outras instituições com doutorados modulares, voltados basicamente para brasileiros, como a Universidad Católica da Argentina (UCA) ou a própria Universidad de Buenos Aires (UBA). A UCA tem o curso de doutorado em Direito também credenciado pela Coneau, o órgão que corresponde, no Brasil, à Capes, por meio da Resolução 1.908, de 2008. Tem dois doutorados. Um doutorado é realizado durante três quadrimestres. O processo seletivo ocorre por uma prova sobre um texto de metodologia científica. Não é necessário mestrado para ingressar. Em seguida, o doutorando tem mais 3 anos para defender a tese de doutorado.
O outro curso da UCA é chamado de “doutorado intensivo”, cujos créditos são realizados em períodos mais curtos e destina-se principalmente a estudantes brasileiros. O curso de intensivo é concluído em 20 dias, com 9 a 10 horas de aulas por dia. Após 4 períodos de 20 dias, no mesmo ano, cumpre-se os créditos e se pode realizar a tese de doutorado. Os alunos devem preparar sua leitura antes do período letivo.
O doutorado da UCA tem 90 brasileiros inscritos, em 6 turmas diferentes. Em outras palavras, corresponde ao mesmo número de doutorandos de um curso de grande porte no Brasil, mas que começou há pouco mais de um ano, em 2010, e esse número tende a multiplicar-se rapidamente[4].
Na Universidade de Buenos Aires, há dois cursos com valoração para o doutorado: um regular; outro intensivo. Não há como se questionar a histórica excelência da UBA e de sua mundial reputação, especialmente na área de Direito. Reconhecida internacionalmente como uma respeitável instituição, a UBA destaca-se no cenário científico da América Latina.
Entretanto, o que o dossiê Barreto-Varella analisa/questiona é a adequação, ou não, ao padrão legal exigido no Brasil dos cursos intensivos de doutorado em Direito oferecidos pela UBA. Vejam: no curso regular, há cerca de 10 a 12 brasileiros. No entanto, o que chama a atenção são os “cursos intensivos”. Trata-se de uma estrutura ao menos interessante. Os “cursos para doutorado” não integram o doutorado, mas sem os mesmos não se pode ingressar no doutorado. Se houver sucesso nos cursos, eles são considerados créditos de doutorado. Assim, se um aluno é reprovado no “curso para doutorado”, não se considera que foi reprovado “durante o doutorado”. O doutorado regular dura em media 4 a 6 anos, e tem um sistema muito próximo do brasileiro[5].
4. O curso intensivo (para brasileiros).
O dossiê Barreto-Varella denuncia o curso intensivo da UBA, criado em 2009 e que, por razões óbvias, é o preferido dos brasileiros. O próprio sítio na rede mundial do curso é escrito também em português de forma muito similar ao da UCA. Há convênios com várias instituições brasileiras para formação de pessoal[6]. E agora vêm os números: de acordo com o diretor do curso, já há mais de 1.000 estudantes brasileiros no programa! O regime geral do curso, contudo, leva a que muitos possam entrar e apenas uma parcela deve concluir o curso. As aulas são realizadas durante todo dia, das 8h às 12h e das 14h às 18h, em períodos concentrados de duas semanas, com turmas de 30 alunos[7]. Os alunos devem ler os textos de todas as aulas antes dos módulos, ou entre as aulas, entre 18h e a manhã do dia seguinte.
Não há tempo para leitura, para reflexão, para convívio acadêmico. São aulas na sua maioria expositivas, em uma rotina de oito horas de aula por dia, todos os dias, de forma concentrada, incompatível com um padrão mínimo exigido para cursos brasileiros e diferente mesmo dos padrões tradicionais argentinos destas Universidades.
Após as aulas, há a avaliação das disciplinas, a defesa de um projeto e apenas os alunos que passam nos créditos podem se matricular no curso de doutorado propriamente dito. A expectativa da coordenação do curso é que apenas 10% dos doutorandos brasileiros concluam o doutorado, em 4 a 6 anos. De qualquer modo, já seria um número duas vezes superior ao número de titulados na USP, em um mesmo ano, ou quase 40% do conjunto das instituições brasileiras. Ao final, trata-se de um único diploma, expedido pela instituição argentina[8].
5. O preço.
Esses cursos de doutorado, intensivos ou de verão, têm um preço diferenciado dos cursos regulares. Todos estes cursos são operacionalizados por convênios com instituições brasileiras, que cuidam da propaganda e do pagamento pelo curso. O programa gera importantes recursos para a UBA e seus parceiros. Não dispomos dos números exatos, mas o custo para cada estudante, pela Escola Superior de Justiça, por exemplo, é de aproximadamente US$10 mil por aluno, o que significa uma receita superior a US$ 10 milhões para o Programa de Pós-graduação em Direito da UBA e seus parceiros, apenas com os estudantes brasileiros, sendo que poucos concluirão o curso[9]. No Brasil, um doutorado, que deve ser cursado em longas disciplinas e concluído em até 4 anos, tem um custo médio R$ 50 mil (mais ou menos entre US$ 25 mil e US$ 28 mil). Com a diferença de que, no Brasil, exige-se mestrado para cursar doutorado. Na Argentina, não.
6. O nível de exigência.
Por mais paradoxal que possa parecer, é possível afirmar que são justamente as exigências de pós-graduação no Brasil que criaram um sistema de mercado paralelo na Argentina. Ou seja, aquilo que é o mérito da pós-graduação brasileira (o seu nível de exigência) acaba por ser o seu “demérito”... E, com isso, aparece o espaço do “jeitinho”, da busca facilitada do título doutoral. Como bem explicita o dossiê, não apenas instituições de baixa qualidade passaram a oferecer diplomas de doutorado a brasileiros, mas também instituições reputadas daquele país criaram um sistema paralelo de oferta de cursos intensivos, com valores diferenciados para atender... ao mercado brasileiro. Brasil, meu Brasil brasileiro... Barreto e Varella são enfáticos: trata-se de cursos que não oferecem a mesma qualidade dos cursos oferecidos no Brasil. A validação dos cursos da Universidade do Museu Social da Argentina foram negadas em última instância pelo Poder Judiciário e, com o seu não reconhecimento pela Coneau, tendem a ser renegadas em qualquer instância no Brasil, pois sequer valem na Argentina.
7. Um alento. O Judiciário brasileiro está atento!
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça entendeu a questão em toda sua complexidade. Nos Recursos Especiais 1.182.993/PR e 971.962/RS, ambos da relatoria do ministro Hermann Benjamin, foi ratificado o entendimento da necessidade da revalidação, no Brasil, de qualquer diploma obtido fora do país, aplicando-se esta exigência igualmente aos títulos obtidos em países membro do Mercosul. Alvíssaras. De outra forma não poderia ser. Afinal, todos os países do mundo assim agem ao receber alunos de outras nacionalidades em suas instituições, mesmo aquelas de ensino fundamental. Tal exigência, recíproca e conhecida, jamais foi obstáculo à troca de experiências, ao nascimento e consolidação dos sérios intercâmbios científicos e tecnológicos, financiados pelas agências de fomente brasileiras e seus parceiros mundo afora.
8. A exigência de excelência.
A excelência da produção científica e tecnológica de qualquer nação depende de esforços contínuos, demorados e de padrões a escaparam completamente de simples gestos rápidos. E não é tarefa de uma só geração, embora o que uma geração decida seja determinante para a outra. Para o bem e para o mal.
9. O necessário esforço em busca da qualidade.
Pois bem. Estereótipos são sempre juízos negativos. Eu não gosto de estereótipos. Se eu digo que “determinado habitante de uma região ou estado é preguiçoso”, estou fazendo um juízo negativo, com nítidas pretensões de universalização do meu discurso. Isso é péssimo. De qual habitante estou falando? Ou seja, ao propalar um estereótipo, parto do varejo em direção ao atacado. E, filosoficamente, falar por estereótipos é um desastre. Um retrocesso. Parafraseando Barthes, é se colocar no lado opressor da linguagem. Deixemos isso claro. O jeitinho deve ser combatido por todos nós.
Por isso, temos que lutar contra o estereótipo do “jeitinho”. Mas o “réu” tem que se ajudar. Não podemos ficar dando tiro no pé cotidianamente. Essa história de fazer doutorado nas férias, assistindo poucas aulas e em grandes grupos, sem os cuidados mínimos que um estudo acadêmico requer, não recomenda bem o Brasil. Não é um bom exemplo para os jovens estudantes. Não é recomendado incentivar às pessoas a descumprir a lei. Para que serve o MEC e a Capes?
10. A pergunta final.
A pergunta é: se um brasileiro “normal”, para ser doutor, necessita fazer mestrado para depois fazer doutorado, esfalfelando-se em pesadas disciplinas e sob uma orientação criteriosa e presente do seu orientador, que, certamente, para buscar a qualidade na orientação, não será responsável por 80 ou mais orientados; e se o orientando precisa apresentar uma tese inovadora e tecnicamente aprofundada, o que não dá para se fazer em um opúsculo de poucas páginas, por que esse mesmo Brasil tem que aceitar que alguém “atravesse” o sistema e busque facilidades, para, depois, o título (diploma) valer o mesmo?
E se tantos reclamos há em relação à baixa qualidade da formação dos bacharéis, por qual razão admitiríamos igual proceder na pós-graduação com aceitação de diplomas de duvidosa procedência? Ao invés de melhorarmos a graduação, piorarmos a pós-graduação? O janelismo acadêmico é a tradução perfeita do “jeitinho” na Academia.
Do modo como a coisa vai, com tentativas no Congresso Nacional — im, já há gente se movimentando no Senado! — e nas assembleias legislativas de burlar os requisitos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, logo, logo, os pretendentes a serem doutores via jeitinho pedirão que a presidente edite uma Medida Provisória (ironia minha, é óbvio), pela qual “qualquer diploma de doutorado feito em qualquer país do mundo, desde que no pergaminho apresentado haja o epíteto de doutor, valerá em território de terrae brasilis” (o incrível é que — e agora não estou sendo irônico — muitos dos diplomas do estrangeiro vêm com a tarja: não válido em território nacional! Mas no Brasil valerá...!).
E já que vamos facilitar mesmo, por que não repristinar logo um velho Decreto (ou Ordenança, Portaria, Édito ou coisa que o valha) lá do tempo do Império que dizia que qualquer bacharel tinha o direito de usar o título de Doutor? Pronto. Aí está. Esse podia ser o artigo segundo da Medida Provisória. E, no artigo terceiro, poderia constar: revogam-se as opiniões em contrário, culminando com pena de multa para aqueles que ousarem criticar os pretendentes à ajeitação...!
And, I rest my case!
Pois bem. Não gosto de estereótipos, que são “raciocínios feitos no varejo para serem usados no atacado”. Um dos livros que me impressionou sobremodo e foi importante na minha formação foi O Caráter Nacional Brasileiro — a história de uma ideologia, de Dante Moreira Leite. Belíssimo livro. Ele desmi(s)tifica esse negócio de “brasileiro é isso...; brasileiro é aquilo...”. Ele desmancha a noção de “jeitinho brasileiro”. Diz ele: só dá jeitinho quem precisa; só dá jeitinho quem “pode”; só se dá um jeitinho quando há brechas na lei etc. Por que é tão difícil “dar jeitinho” na Alemanha? Seria porque os alemães não gostam de “dar jeitinho”? Na verdade, eles não dão jeitinho pela simples razão de que, lá, “não dá para dar jeitinho” (ou é nem mais difícil...!). Perguntem ao pai de Steffi Graf, que tentou escamotear o imposto de renda. Claro, acrescente-se nesse contexto uma boa pitada de cultura, ideologia etc., e temos a formação de um imaginário. No Brasil, embora falsa a noção de jeitinho, ela acaba concretizada, como uma espécie de “imaginário concreto” (lembro, aqui, de Poulantzas). Ou seja, para ser mais simples: o jeitinho acaba acontecendo, porque, se todos dizem que há, ele acaba acontecendo... E qual foi o fermento para o crescimento do “jeitinho”? O patrimonialismo. O “estamentismo”.
Pois o tema que vou tratar está bem dentro desse contexto. Nesse imaginário patrimonialista, de “cidadania relacional”, de “dá-se-um-jeito”, exsurge a todo momento um novo modo de se “ajeitar-as-coisas-para-se-dar-bem”.[1] Assim, por que se esfalfelar fazendo um mestrado que dura de dois a três anos e depois um doutorado que dura mais uns quatro a cinco anos se é mais fácil simplesmente ir para a Argentina[2] ou Paraguai (ou em outros cursos que tais) e fazer um doutorado Direto e... nas férias? Pronto. Passeio e estudo: útil e agradável. E volta “doutor” (ou, pelo menos, dizendo “sou doutorando”! Além disso, ainda encherá a boca para dizer: “o meu doutorado é no exterior...” (puxando os “eee” da palavra “meu”). “O meu doutorado não é dessas coisas feitas no Brasil...”! E, melhor ainda, receberá promoção na carreira. Se for juiz, promotor, procurador federal, defensor público, então, isso soma um “monte de pontos”...
Pois, digo-lhes: vocês que acreditam nas leis, na Capes, essas coisas; vocês que sabem que o artigo 48, parágrafo 3º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de 20.12.1996) exige revalidação de diplomas obtidos no estrangeiro com exigências acadêmicas especificas e sérias, vocês que gastam uma fortuna nas Universidades privadas cursando pós-graduação (mestrado e doutorado), o que dirão do que relatarei a seguir?
Explico.
1. O jeitinho.
No país do jeitinho, um grupo de juristas (pessoas formadas em Direito, alguns ocupando cargos importantes) busca mobilizar políticos para, exatamente, arrumar um jeitinho de passar por cima das exigências da legislação brasileira. As notícias são de que já há duas assembleias legislativas mobilizadas. Agora parece que está marcada a mobilização da assembleia de Minas Gerais. Os deputados estaduais são instados a fazer leis para legitimar diplomas de doutorado obtidos especialmente no Mercosul, mais detalhadamente, na Argentina, como se isso não fosse absolutamente inconstitucional, por força da competência privativa da União Federal para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, conforme o artigo 22, XXIV da Constituição. Até as pedras (que não estudaram) sabem disso. Qualquer livro de “direito constitucional simplificado” (sic) diria isso também.
Ora, é perfeitamente normal que alguém vá buscar qualificação (pós-graduação) em outros países. A Capes investe milhões de reais em programas desse naipe. A questão é o respeito que deve haver à legislação nacional. Na volta, o diploma deve passar — necessariamente — por um processo de revalidação previsto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Como bem acentuam Martonio Barreto Lima e Marcelo Varella, em texto ainda inédito — na verdade, um dossiê potente que denuncia esses “jeitinhos” —, “a maior dificuldade se dá em duas situações. De um lado, no caso de diplomas obtidos em cursos muito frágeis, nos quais os alunos fazem visitas temporárias, com aulas intensivas, teses sem orientação e sem qualquer convívio acadêmico, numa realidade distante, portanto, do que é exigido no Brasil pela Capes e por suas áreas de conhecimento. De outro, ainda que realizados por instituições estrangeiras sérias e prestigiadas internacionalmente, a estrutura do curso de doutorado é muito diferente do sistema brasileiro. A relevância do tema pode ser demonstrada pela quantidade de brasileiros que realizam cursos no exterior, pela judicialização em casos onde os pedidos de revalidação foram negados”[3]. Nesse dossiê, que aqui reproduzo, em parte, como um “furo de reportagem”, Martonio Barreto Lima — que é o coordenador da área de Direito na Capes — e Marcelo Varella, que participa do Comitê de Avaliação da área, esmiúçam o assunto. Em breves dias o dossiê estará à disposição da comunidade acadêmica. Li-o e fiquei estarrecido...!
2. Você sabia que há mais brasileiros cursando doutorado em Direito na Argentina do que no Brasil? O case “Museo Social”.
Na questão do Mercosul, o maior problema parece estar na Argentina, motivo, aliás, de audiências públicas em assembleias legislativas que estão sendo feitas por pressão de interessados em revalidar diplomas fora daquilo que é previsto na LDB. Ah, esse Mercosul...! Nesse sentido, segue o dossiê Barreto-Varella: “Há diferentes perfis de instituições que oferecem doutorado a estudantes brasileiros. Apenas na Argentina, há três vezes mais estudantes de doutorado brasileiros do que no Brasil. O próprio conceito de doutorado parecer ser distinto entre os estudantes brasileiros e os argentinos em alguns casos. Nesse contexto, destacam-se instituições de qualidade questionada, como a Universidad del Museo Social Argentino, mas também instituições de qualidade reconhecida, como a Universidade de Buenos Aires e a Universidade de Católica da Argentina, que abriram um mercado exclusivo para doutorandos brasileiros”.
Vejam. A Universidad Del Museo Social, que possui milhares de brasileiros matriculados em doutorado, sequer possui credenciamento no sistema de pós-graduação da República Argentina, conforme informam os professores autores do dossiê. E são esses brasileiros que querem que os diplomas que lá conseguirão não passem pelo processo previsto pela LDB.
Para termos uma ideia da dimensão do problema, somente em 2012, 800 alunos brasileiros lá se matricularam... Sabem quantos docentes tem o doutorado do Museo Social? 10. Ora, 10 docentes é o mínimo que se exige no Brasil para abrir um curso de mestrado... E sabem quantas vagas são permitidas no caso de 10 docentes? 10 a 15 por ano...! Uau!
Vamos a outro dado estarrecedor: “apenas a Universidade do Museu Social Argentino tem uma vez e meia mais estudantes de doutorado do que toda a pós-graduação brasileira em Direito, e tal número tende a aumentar com o sucesso dos convênios”. Repito: uma vez e meia mais do que a totalidade dos estudantes de doutorado de terrae brasilis. Com 10 docentes... O que acham os meus leitores? O que diz a comunidade jurídica de terrae brasilis? Os políticos de terrae brasilis acham que é possível passar por cima da legislação brasileira para validar esses diplomas? Daremos um “jeitinho”? Poderíamos chamar a isso tudo de “projeto patrimojeitinho”, em homenagem a Faoro.
3. Mais dados do dossiê BarretoVarella.
Na Argentina, há outras instituições com doutorados modulares, voltados basicamente para brasileiros, como a Universidad Católica da Argentina (UCA) ou a própria Universidad de Buenos Aires (UBA). A UCA tem o curso de doutorado em Direito também credenciado pela Coneau, o órgão que corresponde, no Brasil, à Capes, por meio da Resolução 1.908, de 2008. Tem dois doutorados. Um doutorado é realizado durante três quadrimestres. O processo seletivo ocorre por uma prova sobre um texto de metodologia científica. Não é necessário mestrado para ingressar. Em seguida, o doutorando tem mais 3 anos para defender a tese de doutorado.
O outro curso da UCA é chamado de “doutorado intensivo”, cujos créditos são realizados em períodos mais curtos e destina-se principalmente a estudantes brasileiros. O curso de intensivo é concluído em 20 dias, com 9 a 10 horas de aulas por dia. Após 4 períodos de 20 dias, no mesmo ano, cumpre-se os créditos e se pode realizar a tese de doutorado. Os alunos devem preparar sua leitura antes do período letivo.
O doutorado da UCA tem 90 brasileiros inscritos, em 6 turmas diferentes. Em outras palavras, corresponde ao mesmo número de doutorandos de um curso de grande porte no Brasil, mas que começou há pouco mais de um ano, em 2010, e esse número tende a multiplicar-se rapidamente[4].
Na Universidade de Buenos Aires, há dois cursos com valoração para o doutorado: um regular; outro intensivo. Não há como se questionar a histórica excelência da UBA e de sua mundial reputação, especialmente na área de Direito. Reconhecida internacionalmente como uma respeitável instituição, a UBA destaca-se no cenário científico da América Latina.
Entretanto, o que o dossiê Barreto-Varella analisa/questiona é a adequação, ou não, ao padrão legal exigido no Brasil dos cursos intensivos de doutorado em Direito oferecidos pela UBA. Vejam: no curso regular, há cerca de 10 a 12 brasileiros. No entanto, o que chama a atenção são os “cursos intensivos”. Trata-se de uma estrutura ao menos interessante. Os “cursos para doutorado” não integram o doutorado, mas sem os mesmos não se pode ingressar no doutorado. Se houver sucesso nos cursos, eles são considerados créditos de doutorado. Assim, se um aluno é reprovado no “curso para doutorado”, não se considera que foi reprovado “durante o doutorado”. O doutorado regular dura em media 4 a 6 anos, e tem um sistema muito próximo do brasileiro[5].
4. O curso intensivo (para brasileiros).
O dossiê Barreto-Varella denuncia o curso intensivo da UBA, criado em 2009 e que, por razões óbvias, é o preferido dos brasileiros. O próprio sítio na rede mundial do curso é escrito também em português de forma muito similar ao da UCA. Há convênios com várias instituições brasileiras para formação de pessoal[6]. E agora vêm os números: de acordo com o diretor do curso, já há mais de 1.000 estudantes brasileiros no programa! O regime geral do curso, contudo, leva a que muitos possam entrar e apenas uma parcela deve concluir o curso. As aulas são realizadas durante todo dia, das 8h às 12h e das 14h às 18h, em períodos concentrados de duas semanas, com turmas de 30 alunos[7]. Os alunos devem ler os textos de todas as aulas antes dos módulos, ou entre as aulas, entre 18h e a manhã do dia seguinte.
Não há tempo para leitura, para reflexão, para convívio acadêmico. São aulas na sua maioria expositivas, em uma rotina de oito horas de aula por dia, todos os dias, de forma concentrada, incompatível com um padrão mínimo exigido para cursos brasileiros e diferente mesmo dos padrões tradicionais argentinos destas Universidades.
Após as aulas, há a avaliação das disciplinas, a defesa de um projeto e apenas os alunos que passam nos créditos podem se matricular no curso de doutorado propriamente dito. A expectativa da coordenação do curso é que apenas 10% dos doutorandos brasileiros concluam o doutorado, em 4 a 6 anos. De qualquer modo, já seria um número duas vezes superior ao número de titulados na USP, em um mesmo ano, ou quase 40% do conjunto das instituições brasileiras. Ao final, trata-se de um único diploma, expedido pela instituição argentina[8].
5. O preço.
Esses cursos de doutorado, intensivos ou de verão, têm um preço diferenciado dos cursos regulares. Todos estes cursos são operacionalizados por convênios com instituições brasileiras, que cuidam da propaganda e do pagamento pelo curso. O programa gera importantes recursos para a UBA e seus parceiros. Não dispomos dos números exatos, mas o custo para cada estudante, pela Escola Superior de Justiça, por exemplo, é de aproximadamente US$10 mil por aluno, o que significa uma receita superior a US$ 10 milhões para o Programa de Pós-graduação em Direito da UBA e seus parceiros, apenas com os estudantes brasileiros, sendo que poucos concluirão o curso[9]. No Brasil, um doutorado, que deve ser cursado em longas disciplinas e concluído em até 4 anos, tem um custo médio R$ 50 mil (mais ou menos entre US$ 25 mil e US$ 28 mil). Com a diferença de que, no Brasil, exige-se mestrado para cursar doutorado. Na Argentina, não.
6. O nível de exigência.
Por mais paradoxal que possa parecer, é possível afirmar que são justamente as exigências de pós-graduação no Brasil que criaram um sistema de mercado paralelo na Argentina. Ou seja, aquilo que é o mérito da pós-graduação brasileira (o seu nível de exigência) acaba por ser o seu “demérito”... E, com isso, aparece o espaço do “jeitinho”, da busca facilitada do título doutoral. Como bem explicita o dossiê, não apenas instituições de baixa qualidade passaram a oferecer diplomas de doutorado a brasileiros, mas também instituições reputadas daquele país criaram um sistema paralelo de oferta de cursos intensivos, com valores diferenciados para atender... ao mercado brasileiro. Brasil, meu Brasil brasileiro... Barreto e Varella são enfáticos: trata-se de cursos que não oferecem a mesma qualidade dos cursos oferecidos no Brasil. A validação dos cursos da Universidade do Museu Social da Argentina foram negadas em última instância pelo Poder Judiciário e, com o seu não reconhecimento pela Coneau, tendem a ser renegadas em qualquer instância no Brasil, pois sequer valem na Argentina.
7. Um alento. O Judiciário brasileiro está atento!
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça entendeu a questão em toda sua complexidade. Nos Recursos Especiais 1.182.993/PR e 971.962/RS, ambos da relatoria do ministro Hermann Benjamin, foi ratificado o entendimento da necessidade da revalidação, no Brasil, de qualquer diploma obtido fora do país, aplicando-se esta exigência igualmente aos títulos obtidos em países membro do Mercosul. Alvíssaras. De outra forma não poderia ser. Afinal, todos os países do mundo assim agem ao receber alunos de outras nacionalidades em suas instituições, mesmo aquelas de ensino fundamental. Tal exigência, recíproca e conhecida, jamais foi obstáculo à troca de experiências, ao nascimento e consolidação dos sérios intercâmbios científicos e tecnológicos, financiados pelas agências de fomente brasileiras e seus parceiros mundo afora.
8. A exigência de excelência.
A excelência da produção científica e tecnológica de qualquer nação depende de esforços contínuos, demorados e de padrões a escaparam completamente de simples gestos rápidos. E não é tarefa de uma só geração, embora o que uma geração decida seja determinante para a outra. Para o bem e para o mal.
9. O necessário esforço em busca da qualidade.
Pois bem. Estereótipos são sempre juízos negativos. Eu não gosto de estereótipos. Se eu digo que “determinado habitante de uma região ou estado é preguiçoso”, estou fazendo um juízo negativo, com nítidas pretensões de universalização do meu discurso. Isso é péssimo. De qual habitante estou falando? Ou seja, ao propalar um estereótipo, parto do varejo em direção ao atacado. E, filosoficamente, falar por estereótipos é um desastre. Um retrocesso. Parafraseando Barthes, é se colocar no lado opressor da linguagem. Deixemos isso claro. O jeitinho deve ser combatido por todos nós.
Por isso, temos que lutar contra o estereótipo do “jeitinho”. Mas o “réu” tem que se ajudar. Não podemos ficar dando tiro no pé cotidianamente. Essa história de fazer doutorado nas férias, assistindo poucas aulas e em grandes grupos, sem os cuidados mínimos que um estudo acadêmico requer, não recomenda bem o Brasil. Não é um bom exemplo para os jovens estudantes. Não é recomendado incentivar às pessoas a descumprir a lei. Para que serve o MEC e a Capes?
10. A pergunta final.
A pergunta é: se um brasileiro “normal”, para ser doutor, necessita fazer mestrado para depois fazer doutorado, esfalfelando-se em pesadas disciplinas e sob uma orientação criteriosa e presente do seu orientador, que, certamente, para buscar a qualidade na orientação, não será responsável por 80 ou mais orientados; e se o orientando precisa apresentar uma tese inovadora e tecnicamente aprofundada, o que não dá para se fazer em um opúsculo de poucas páginas, por que esse mesmo Brasil tem que aceitar que alguém “atravesse” o sistema e busque facilidades, para, depois, o título (diploma) valer o mesmo?
E se tantos reclamos há em relação à baixa qualidade da formação dos bacharéis, por qual razão admitiríamos igual proceder na pós-graduação com aceitação de diplomas de duvidosa procedência? Ao invés de melhorarmos a graduação, piorarmos a pós-graduação? O janelismo acadêmico é a tradução perfeita do “jeitinho” na Academia.
Do modo como a coisa vai, com tentativas no Congresso Nacional — im, já há gente se movimentando no Senado! — e nas assembleias legislativas de burlar os requisitos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, logo, logo, os pretendentes a serem doutores via jeitinho pedirão que a presidente edite uma Medida Provisória (ironia minha, é óbvio), pela qual “qualquer diploma de doutorado feito em qualquer país do mundo, desde que no pergaminho apresentado haja o epíteto de doutor, valerá em território de terrae brasilis” (o incrível é que — e agora não estou sendo irônico — muitos dos diplomas do estrangeiro vêm com a tarja: não válido em território nacional! Mas no Brasil valerá...!).
E já que vamos facilitar mesmo, por que não repristinar logo um velho Decreto (ou Ordenança, Portaria, Édito ou coisa que o valha) lá do tempo do Império que dizia que qualquer bacharel tinha o direito de usar o título de Doutor? Pronto. Aí está. Esse podia ser o artigo segundo da Medida Provisória. E, no artigo terceiro, poderia constar: revogam-se as opiniões em contrário, culminando com pena de multa para aqueles que ousarem criticar os pretendentes à ajeitação...!
And, I rest my case!
[1] Nem falarei, aqui, de alguns pós-doutorados que são feitos na A. Latina e na Europa... Disso falarei em outra oportunidade. Tem cada coisa... Há casos de pós-doutorados fast food: uma viagenzinha à Europa e, pronto! E já há invasões. A crise européia faz com que se intensifique a venda de espelhos e missangas para os nativos de terrae brasilis. Recentemente, recebi um email dando conta de uma Instituição sediada em Belo Horizonte, que não possui pós-graduação stricto sensu, ter feito um “convênio” (êta palavrinha safada) para “oferecer pós-doc”, a partir de uma Universidade Italiana. Também já vi oferecem pós-doc nas férias. Não muito longe daqui.
[2] Como demonstrarei, não falo do sistema de pós-graduação argentino ou dos cursos de doutorado argentinos (a Argentina possui tradição de doutoramentos, valendo citar figuras ilustradas como Luis Alberto Warat e Carlos Maria Cárcova, e cito apenas estes para não cometer graves injustiças). A coluna retrata, a partir do dossiê Barreto-Varella, os problemas decorrentes de algumas modalidades de doutorados destinadas “a brasileiros”. Sem generalizações.
[3]O Congresso Nacional realizou audiência pública sobre o tema em 07.07.2011, que foi também objeto de manifesto de diferentes instituições brasileiras. Ver http://www.CAPES.gov.br /servicos/sala-de-imprensa/destaques/4763-nota-da-CAPES-sobre-reconhecimento-de-titulos-de-pos-graduacao-obtidos-em-instituicoes-do-exterior.
[4] Informações obtidas, por Barreto e Varella, junto a Secretaria de Pós-graduação em Direito da Universidad Católica da Argentina, por telefone e por email, entre 10 e 12 de março de 2012.
[5] Conforme o Dossiê Barreto-Varella, as informações sobre o doutorado intensivo, como número de alunos, organização das orientações e da leitura, índices de desistência foram prestadas pelo Diretor do Programa na UBA, em mensagens eletrônicas trocadas entre 06 e 09 de março de 2012. Há estudantes de cerca de 20 outras nacionalidades no programa.
[6] Cf. Dossiê Barreto-Varella, são eles: Associação Nacional dos Docentes, Mestrados e Doutorandos do Brasil (ANDMDB); Centro de Assessoramento Internacional, Pesquisas e Estudos Jurídicos; Escola da Magistratura do Espírito Santo; Escola Superior de Justiça; Faculdade de Direito de Ipatinga; Faculdade Oboé; Faculdade Stella Maris; Faculdades Santo Agostinho; Juris Ensino Jurídico; Universidade de Cuiabá; Universidade Presidente Antônio Carlos. Informações disponíveis no sítio http://www.derecho. uba.ar/academica/posgrados/doctorado_brasileno_conv_es.php, acesso em 09.03.2012.
[7] http://www.derecho.uba.ar/academica/posgrados/doctorado_brasileno_po.php, acesso em 09.03.2012.
[8] Ver, por exemplo, http://www.sensu.com.br/conteudo.php?areaid=11&id=4453, acesso em 05.03.2012.
[9] Informações prestadas pelas ESJUS, via email e disponíveis no sítio http://www.esjus.com.br/ doutorado/doutorado-direito-civil-uba, acesso em 09.03.2012.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico
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