Por Altamiro Borges
Durante algum tempo, a mídia demotucana escondeu os dados
preocupantes sobre o aumento da violência em São Paulo. Ela vendia a
imagem de
que o estado hegemonizado há quase duas décadas pelo PSDB era um exemplo
no
quesito segurança pública, um paraíso. A operação-abafa visava ajudar o
seu
candidato à prefeitura de São Paulo, José Serra. Passada as eleições,
porém, ela volta a abusar do sensacionalismo para vender jornais. A sua
cobertura da onda de crimes que aterroriza os paulistas é criminosa.
Nesta segunda-feira, a Folha chegou a deturpar as opiniões do sociólogo
Claudio Beato, coordenador do Centro de Estudos em
Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas
Gerais. Em tom
terrorista, ela estampou na capa: “País deve negociar com os criminosos,
afirma sociólogo” - que não correspondia ao conteúdo da entrevista.
Hoje, o jornal acabou publicando uma dura e indignada resposta do
especialista. Vale conferir o artigo, que evidencia a falta de ética da
mídia
nativa.
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Folha - 22 de novembro de 2012
CLAUDIO BEATO
Jornalismo, ética e segurança pública
Na última segunda-feira, dia 19, a Folha publicou
uma entrevista comigo. A sua chamada na Primeira Página: "País deve
negociar com criminosos, afirma sociólogo", atribuindo-me posições que me
são completamente estranhas.
Jamais diria uma sandice destas.
O objeto de minha análise girou em torno de vários temas
relativos à crise estrutural que estamos vivendo na segurança pública. De forma
muito secundária, falei sobre como são utilizados estratégias de mediação de
conflitos e negociação por parte das organizações que atuam no setor de
segurança.
Negociação é o que a polícia faz através de profissionais
numa rebelião em presídio para não ter que matar mais de uma centena deles.
Mediação é o que fazem ONGs e igrejas com membros de gangues e quadrilhas em
conflito. Eu me referi à realidade que ocorre tanto em outros países como
também, de forma pontual, no Brasil. Jamais afirmei que isto deveria ser
utilizado como estratégia ou política pública, muito menos através do Estado.
Quando saiu a publicação, fiquei surpreso porque se
confundiu deliberadamente mediação com negociação, e não foi feita referência
aos diversos temas e propostas que estavam sendo discutidos. Fui vítima do
sensacionalismo do título que terminou desconstruindo totalmente minha fala a
ponto de quase ninguém ler o que estava sendo dito na entrevista.
Afora as implicações éticas, é interessante notar o processo
social que este tipo de jornalismo suscita.
Após a publicação da entrevista, o site da Folha publicou
mais de 400 comentários de internautas que, além de ameaças, adjetivos e
palavrões, muito pouco se debruçavam sobre o texto da entrevista.
Como de praxe, houve a reafirmação de posições corporativas
rechaçando a presença de agentes externos para discutir o tema. Tenho
acompanhado as discussões em blogs e redes sociais. Salvo notáveis exceções e
afora as ameaças explícitas, o tom é muito parecido. São raros os debates racionais
e com base minimamente científica na segurança.
Será este é o público que estamos informando para debater
temas de segurança pública? Estamos condenados às trevas da truculência e
ameaças ao tentar discutir soluções mais além das corporações ou dos eventos
episódicos?
O que eu não havia me dado conta ainda é o quanto nossa
imprensa contribui para esse nível de debate.
Sempre soube que ela era parte importante do problema de
segurança pública, pois não reflete de forma mais arguta sobre os graves problemas
estruturais que vivemos no Brasil. Se tomarmos os recentes eventos de São
Paulo, por exemplo, ainda não vi uma matéria que busque compreender as raízes
mais profundas da crise ou a real dimensão dela.
Nossa estrutura de segurança pública é disfuncional, pouco
efetiva, bastante descrita na imprensa - mas raramente analisada. Abdica-se da
investigação jornalística para lançar mão de "especialistas",
autoridades e denúncias na busca de "furos" e manchetes de efeito
efêmeras, mas com consequências perversas na construção de nossa cidadania
incompleta.
Eis um setor da administração pública que se beneficiou
pouco com a democratização brasileira: a segurança pública. Ela ainda é
isolada, pouco transparente, avessa a debates e sem nenhum sentido de prestação
de contas acerca do que fazem.
Se por um lado a imprensa teve o importante papel de
denunciar suas mazelas, acabou sendo contaminada pelo espetáculo e
sensacionalismo de nossas misérias cotidianas.
Nós, "especialistas", terminamos sendo algumas
vezes vitimas involuntárias. Expostos de forma desnecessária, através de fotos
e manchetes que desconstroem completamente o conteúdo do que dizemos em favor
do espetáculo, acabamos alvos da irracionalidade e ira reinantes.
Os danos são irreparáveis, e as sequelas mais profundas do
que o protagonismo de atores individuais.
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