Deputado defende recurso ao STF contra decisões do Parlamento e aponta os erros do Legislativo como causa do seu esvaziamento
Alessandro Molon (PT-RJ), 41 anos, é um daqueles raros casos de parlamentares que alcançam projeção logo no primeiro mandato em Brasília. Destacou-se, entre outros temas, no debate sobre a distribuição dos royalties do petróleo, o marco civil da internet e assuntos ligados aos direitos humanos e à área jurídica em geral.
Parte da sua desenvoltura se deve à capacidade de comunicação adquirida como professor universitário (de Direito, na PUC do Rio), deputado estadual (dois mandatos) e nas frequentes aparições na Rádio Catedral (ligada à Igreja Católica). Não costuma usar essa habilidade para esconder suas opiniões. Ao contrário, em um Parlamento ocupado majoritariamente por políticos sempre muito falantes quando se trata de discorrer sobre erros alheios, mas em geral com baixo senso de autocrítica, ele mete o dedo na tomada: “O espaço do Congresso tem diminuído devido mais a seus erros do que a qualquer ação dos demais poderes”.
Molon cita dois exemplos que, no seu modo de ver, comprovam sua tese: o rolo compressor que permitiu aprovar – com o voto da maioria dos parlamentares do PT e da base governista – a Lei dos Royalties, tornando letra morta receitas previstas nos orçamentos de estados e municípios produtores de petróleo e gás, e a defesa que muitos parlamentares fazem da PEC 215/2000, que transfere do Executivo para o Legislativo o poder de demarcar terras indígenas. Nos dois casos, acredita, o Congresso viola a Constituição Federal, seja impondo mudanças súbitas de regras que jogam no lixo o pacto federativo, seja tentando avançar indevidamente sobre outros poderes da República.
Na questão dos royalties, que o levou a recorrer ao Supremo Tribunal Federal para evitar que a votação do veto presidencial às mudanças de regras definidas pelo Congresso atropelasse a fila, está otimista. Acredita que os prejuízos bilionários causadas ao seu estado pela lei aprovada no Parlamento serão minimizados porque, na pior das hipóteses, o STF concluirá “que é inconstitucional a mudança dos percentuais de royalties a serem distribuídos para os estados pelo menos dos contratos já firmados”. Indo além da proposta enviada ontem por Dilma, que destina à educação metade do chamado fundo social (formado por parcela dos lucros da exploração de petróleo e gás), apresentou projeto que reserva para a área educacional, durante dez anos, a integralidade desses recursos.
Veja a entrevista de Molon ao Congresso em Foco:
O senhor recorreu ao Supremo para impedir que o veto presidencial à Lei dos Royalties fosse votado furando a fila dos vetos pendentes de votação. Esse tipo de atitude não pode estimular o STF a invadir assuntos da competência do Congresso?
De maneira nenhuma. A função do Supremo na democracia é esta, fazer o controle jurídico. Toda vez que um parlamentar verifica que o devido processo legislativo está sendo violado, ele tem todo o direito de recorrer para contar com a proteção do Supremo. Quando se está em minoria, muitas vezes pedir a manifestação do STF é o único recurso que se tem. E foi o que ocorreu no caso dos royalties. Aquela votação do veto à Lei dos Royalties foi inconstitucional. Evidente que não faz sentido pinçar uma matéria, dentre 3 mil vetos à espera de apreciação, e votar. Fila importa, sim. Tinha que ter sido respeitada a ordem cronológica dos vetos. Foi um jeitinho.
Mas o Supremo não piora as coisas quando interrompe a tramitação de um projeto?
Pessoalmente, não tive a oportunidade de ler a decisão do ministro Gilmar. Regra geral, entendo que não cabe a análise do mérito durante a tramitação de uma proposição legislativa. A única maneira, a meu ver, que pode justificar uma liminar do Supremo suspendendo a tramitação de um projeto é a existência de fortes indicações de violação do devido processo legislativo. Mas não me sinto à vontade para comentar esse caso específico por não ter lido as razões dadas pelo ministro.
E a PEC 33? O Congresso não extrapola ao pretender dar a última palavra em relação às decisões do Supremo?
Acredito que sim. Sou totalmente contrário a essa proposta de emenda constitucional e a considero inclusive inconstitucional porque ela tenta alterar uma cláusula pétrea da Constituição, no caso a que trata da separação e independência dos poderes. Precisamos distinguir bem as coisas. O controle que o Congresso faz é político, enquanto o Supremo faz o controle jurídico. Não acho que devemos submeter o controle jurídico, exercido pelo STF, ao controle político do Congresso. Portanto, entendo, e me parece que se formou no Congresso um entendimento muito forte nesse mesmo sentido, que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara se equivocou ao admitir a constitucionalidade dessa PEC .
Quem erra mais, o Congresso ou o Supremo?
O espaço do Congresso tem diminuído devido mais a seus erros do que a qualquer ação dos demais poderes. São essas falhas que levam os demais poderes a acabarem ocupando o lugar do Congresso. E às vezes a maneira que o Congresso reage também é equivocada. Um exemplo é a PEC 215, que torna competência exclusiva do Congresso a demarcação de terras indígenas. Ora, demarcação de terras indígenas é uma atividade claramente administrativa. O direito do índio à terra já está na Constituição, o que precisa é definir os limites por meio de estudos técnicos. Estamos falando assim de um ato meramente declaratório. É o Congresso tentando tirar funções do Executivo. E é estranho o Legislativo pretender avançar sua competência sobre outros poderes quando ele deixa acumular 3 mil vetos presidenciais, abrindo mão de uma função que é sua e de ninguém mais, que é dar a palavra final do processo legislativo.
O Congresso também avançou na competência de outros poderes ao aprovar a criação de quatro tribunais federais sem ouvir o Supremo?
No meu entendimento, sim. Por mais desejáveis que sejam os novos tribunais regionais federais, essa iniciativa deveria partir do Judiciário. Por isso, votei contra. Veja a contradição. Aqui e em outros casos, o Congresso tenta avançar sobre outros poderes. No caso dos royalties e de várias decisões que o Judiciário tomou nos últimos tempos, a ação do Judiciário decorre da incapacidade do Congresso de resolver a questão. Na questão dos royalties, o ajuizamento das ações de inconstitucionalidade foram uma demonstração do absoluto fracasso do Congresso de cumprir a sua obrigação de oferecer uma saída para o problema.
Congresso em Foco – O que o senhor acha que acontece em relação aos royalties?
Alessandro Molon – Eu tenho a firme convicção de que o plenário do Supremo Tribunal Federal vai referendar a liminar concedida pela ministra Cármen Lúcia. E acredito também que, no julgamento do mérito, protegendo a segurança jurídica, protegendo a boa fé no pacto federativo, protegendo o próprio pacto federativo, as relações entre as unidades da federação, o pleno do Supremo vai entender que é inconstitucional a mudança dos percentuais de royalties a serem distribuídos para os estados pelo menos dos contratos já firmados, dos campos que já estão sendo explorados. Sinceramente, eu não acredito que o Supremo vá tolerar, vá permitir a mudança das regras do jogo no meio do jogo.
E como fica a tentativa de destinar recursos dos royalties para a educação depois que o Congresso decidiu não votar e assim deixar perder a validade a medida provisória que tratava do assunto?
É compreensível que o Congresso tenha optado por esse caminho, porque agora não faz sentido nenhuma decisão legislativa antes que o Supremo se manifeste sobre a lei que o Congresso já votou. Agora, eu quero ressaltar que considero um avanço importantíssimo a medida provisória. Porque não basta garantir uma distribuição justa dos royalties do petróleo entre estados e municípios brasileiros, produtores ou não produtores. É fundamental garantir que esses recursos vão ser bem aplicados, para o futuro do país, e tenho certeza de que a melhor aplicação desses recursos é na educação brasileira. A única forma que nós temos para mudar a inserção brasileira no cenário internacional, no mercado internacional é com a produção e exportação de produtos de maior valor agregado, o que não se fará sem uma educação de outro nível, de outra qualidade e sem investimento em ciência e tecnologia. Ou seja, o Brasil cresceu e distribuiu renda nos últimos dez anos com os programas sociais dos governos Lula e Dilma. O Brasil vem dando passos importantes no fortalecimento do setor produtivo com a redução dos juros implementada no governo Dilma. E agora o próximo degrau é o investimento na educação para que a gente possa mudar aquilo que produzimos e aquilo que exportamos. Por isso, na última semana apresentei um projeto de lei, o PL 5453/2013, que destina à educação, por dez anos, a totalidade do fundo social formado com os recursos dos royalties do petróleo. Vamos começar uma mobilização nacional para votar o projeto, que está de acordo com os estudos e propostas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), que reúne várias entidades da sociedade.
O que o projeto muda em relação à MP?
Em relação à MP ele aumenta muito os recursos destinados à educação. E precisa aumentar para o Brasil ter condições de elevar o investimento em educação de 5% para 10% do PIB [Produto Interno Bruto, que mede a soma das riquezas do país], como prevê o Plano Nacional de Educação já aprovado pela Câmara e que aguarda deliberação do Senado. Para ser consequente com a decisão da Câmara, que decidiu dobrar os investimentos nacionais em educação, teremos de buscar muitas formas para viabilizar isso. A forma proposta no projeto é uma dessas formas, e dará uma grande contribuição. Sabemos que o petróleo é um recurso finito e não podemos perder a janela de oportunidade demográfica que o país tem hoje. Temos no Brasil jovens que, tendo nos próximos dez anos uma educação de qualidade, permitirão ao país dar o grande salto educacional e tecnológico, criando as condições para garantir a aposentadoria de uma população que já não será tão jovem assim nas próximas décadas. São oportunidades que acontecem em intervalos grandes, temos de aproveitar.
Com a questão dos royalties se articula com o debate mais geral sobre o pacto federativo, neste momento em que o Congresso também discute a unificação do ICMS e as novas regras do Fundo de Participação dos Estados? Como todas essas questões poderiam ser articuladas de uma forma interessante para o conjunto dos estados?
Sendo apreciadas conjuntamente. Na primeira reunião que houve da comissão de royalties da Câmara, ainda em 2011, apresentei a proposta para que tratássemos da discussão dos royalties conjuntamente com a discussão do FPE, da unificação do ICMS e da reforma tributária. Por quê? Porque todas essas questões impactam nas finanças dos estados de forma diferente. Eu disse naquela ocasião que era mais fácil resolver os três assuntos juntos do que um de cada vez, e a experiência está provando que isso é verdade. No debate dos royalties, o Congresso perdeu toda a sensatez, todo o bom senso e fez com que o assunto fosse parar no Judiciário…
No FPE, houve acordo no Senado, né? Pelo menos aí a coisa foi mais civilizada…
No FPE, houve acordo e poderia esse acordo ter abrangido todas as áreas. A gente poderia ter evitado a derrota da política, que é o que significa, no meu entendimento, levar esse tema para o Judiciário.
A Câmara manterá o que o Senado aprovou em relação ao FPE, na opinião do senhor?
É possível que mantenha, sim. Agora, a meu ver, se essa discussão tivesse sido feita conjuntamente, talvez se tivesse evitado o esgarçamento dos laços do pacto federativo, como nós vimos na questão dos royalties. Acho que é muito mais fácil encontrar uma saída para todos os temas, conjuntamente, do que para cada um deles, sucessivamente.
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