Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

LEITURA IMPORTANTE! Ineficiência do Estado não justifica atos de barbárie, dizem especialistas



6.mai.2014 – O corpo de Fabiane Maria de Jesus, de 31 anos, foi enterrado no cemitério Jardim da Paz, no Guarujá, em meio a gritos por justiça e forte comoção das cerca de 200 pessoas que acompanharam a cerimônia. Fabiane foi linchada por populares após uma falsa acusação de que ela sequestrava crianças
O caso de Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, atacada no dia 3 de maio por populares na cidade de Guarujá (SP) reacende um debate sobre o aumento dos casos de “justiceiros” no país. Após uma denúncia infundada em uma página do Facebook, a dona de casa foi acusada de sequestro envolvendo magia negra e linchada até a morte. E a pergunta que fica é: por que parte da população apela para a barbárie?
Rafael Araújo, sociólogo e professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), entende que a justiça com as próprias mãos é um dos absurdos mais assustadores dos últimos tempos: “O discurso que está por trás é o da ineficiência do Estado, cuja incapacidade de resolução de conflitos seria suficiente para validar o uso da violência física. A população justiceira, portanto, parece ser incapaz de pensar, não avalia as consequências futuras de sua ação. Em um dos vídeos que registram o espancamento da dona de casa, um homem amarra o braço da mulher a uma corda para depois arrastar o corpo por alguns metros. Pergunto-me se esse gesto não teria sido uma forma de repetição da imagem recente dos policiais que arrastaram o corpo de outra mulher, que caíra do camburão enquanto estava sendo levada como carne de segunda para um hospital. Foi como se o homem, ali naquele momento de selvageria, dissesse ao público que o assistia: ‘Se a polícia fez, também faço’”.
O procurador da República Denis Pigozzi, especialista em direito penal há 15 anos, esclarece que a justiça pelas próprias mãos está inscrita como crime no artigo 345 do Código Penal Brasileiro e pode levar à detenção de 15 dias a um mês ou multa, além da pena correspondente à violência. Sendo assim, se forem considerados culpados, os suspeitos pelo linchamento e morte de Fabiane vão responder por pelo menos dois crimes e receberão, além da pena de justiça com as próprias mãos, a sentença por homicídio: de 12 a 30 anos de prisão, com possível aumento de pena de um sexto a um terço da condenação total.
Para o cientista político Aldo Fornazieri, professor da FESP, o livro “Psicologia de Grupo e Análise do Ego” (1921), de Freud, ajuda a avaliar os casos: “A obra explica, basicamente, que, quando pessoas se unem em bando, sentem-se mais empoderadas e tendem a cometer atos de desatino, de agressividade. Elas se deixam levar não mais pela razão individual, mas sim por este sentimento coletivo de onipotência”.
“O aumento dos episódios de barbárie reflete um cenário de fragilidade na segurança pública do país. A população brasileira, vendo que o Estado não está chegando, apela para a justiça com as próprias mãos. Hoje, as pessoas não têm mais medo de cometer crimes, estupros, roubos… A massa vai se revoltando e, aos poucos, o Brasil está criando grupos de extermínio. A população está descrente na justiça brasileira”, avalia o procurador da República Denis Pigozzi.
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) quantifica a afirmação de Pigozzi, confirmando que 70% da população não acredita na polícia brasileira. Os dados foram divulgados em novembro de 2013 para integrar a 7ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
“Vivemos uma situação caótica, que só será revertida quando for promulgada uma nova constituição federal e um novo Código Penal, com leis e diretrizes que permitam a prisão perpétua para alguns crimes hediondos como homicídio e estupro”, ratifica Pigozzi.
Virgílio Amaral, promotor de Justiça do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), alerta que é importante esclarecer a população que os autores de linchamento estão sujeitos à responsabilização criminal, não podendo configurar a descrença na instituição policial como justificativa para tal atuação. “Cabe ao Estado, através dos poderes constituídos, a punição mediante o devido processo legal daqueles que violarem a lei, além do que, em diversas vezes, os linchamentos envolvem pessoas inocentes ou nascem de equívocos relativos à identidade das vítimas ou de fatos não comprovados”.
O promotor afirma ainda que as instituições estaduais trabalham para melhorias das forças policiais. “Acreditamos no aperfeiçoamento institucional, no fortalecimento dos órgãos representativos do Estado, nas revisões legislativas que impliquem no enrijecimento dos mecanismos legais contra a impunidade”, finaliza.
Seja inocente ou culpado, nada justifica a barbárie
O geógrafo e guia turístico Raphael Leite de Santana presenciou uma cena de barbárie em Santa Teresa, bairro onde mora no Rio de Janeiro: “Um grupo de pessoas dava chutes em um jovem amarrado no chão após alguém dizer que ele era suspeito de furto. Uma pequena multidão se aglomerava gritando: ‘Mata, lincha, bandido, tem mais que morrer…’. Quem passava logo se apropriava do julgamento e ia dando a sentença ali mesmo: ‘Ah, é bandidinho… tem que bater mesmo’”, conta Raphael (vejo o relato completo no final da reportagem).
“Linchamentos encabeçados por justiceiros são injustificáveis”, condena o sociólogo Rafael Araújo. O professor retoma o caso de Fabiane Maria de Jesus para levantar outra questão fundamental: “O caso só teve ampla repercussão negativa porque a vítima era inocente na acusação. O horror em relação ao ocorrido se amplia ainda mais quando pensamos que as pessoas e a grande mídia se indignaram pelo simples fato de que a mulher era inocente. Com isso ficamos na superfície do assunto. Não interessa se a mulher cometeu ou não um crime. Nada justifica a violência desmedida em busca de uma justiça sem julgamento. O gesto de espancar a mulher revela a barbárie em que vivemos”, complementa o professor.
Raphael, o carioca que testemunhou a agressão de um jovem no Rio, concorda: “Não há justificativa para amarrar e espancar alguém, julgando e condenando na rua. As pessoas poderiam ter matado alguém. Convivo com o rapaz há anos e nunca o vi envolvido com coisa errada”, conta. Diante da situação, ele procurou conter os ânimos, desamarrou o jovem e chamou a polícia, além de acompanhá-lo até a delegacia.
“De qualquer forma, o que tem que ficar claro é que a sociedade/a civilização não comporta  estes atos. Viver em sociedade implica em uma repressão das emoções. Por mais injustiça que uma pessoa veja em determinada situação, viver em sociedade significa que quem vai fazer a mediação são as autoridades, isto é ter consciência de cidadania. Se o problema está ligado à deslegitimação das instituições, a sociedade deve pressionar o Estado para que a lei funcione e seja punitiva”, conclui o cientista político Aldo Fornazieri.
Denúncia pela internet
O administrador da página no Facebook Guarujá Alerta, apontada como catalisador da onda de boatos que terminaram com o linchamento de Fabiane, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que entrou em contato com a Polícia Militar antes do ocorrido para desmentir os rumores sobre a sequestradora que atuaria na cidade, porém não obteve resposta. Na ocasião, ele contou que a onda de histórias crescia na rede, e o que ele fez foi repercuti-la, até constatar que os casos não eram verdadeiros.
Maria Elisabete Antonioli, coordenadora do curso de Jornalismo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), acredita que casos como este acontecem por causa do excesso de informações não confiáveis na internet. “Hoje em dia, temos um acesso muito fácil às informações. No entanto, existe uma diferença entre a informação do jornalista, que é qualificada, foi checada, tratada e, quando veiculada, é uma notícia; enquanto a informação gerada por um cidadão pode ser verdadeira como não pode. O internauta deve sempre checar e procurar fontes oficiais para não ser induzido ao erro”, alerta.
Abaixo, o professor de jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo Júlio Veríssimo lista alguns passos da prática do bom jornalismo para orientar a população a não cometer falhas graves com compartilhamentos na internet:
Dicas para achar informação confiável
1

Cheque as informações

Qualquer informação deve ser checada. O internauta pode fazer isso procurando o assunto que leu na web em portais de grandes veículos de comunicação, sites de jornais, revistas, rádios etc.
2

Perigo na web

O que é divulgado em redes sociais são impressões ou opiniões, e não apuração de um fato; até uma foto deve ser colocada em xeque, pois pode ser uma montagem.
3

Dois lados da história

Qualquer informação que contenha uma acusação contra algo ou alguém deve vir acompanhada do outro lado, ou seja, da versão de quem está sendo alvo.
4

Fontes oficiais

Verifique se há alguma fonte autorizada no texto, como autoridades policiais, judiciais, etc.
5

Textos jornalísticos

Jornalismo é praticado por quem é jornalista; cuidado com internautas que usam as redes como uma espécie de playground.
6

Compartilhamentos

Não reproduza o que leu e não tem certeza de que seja verdadeiro. Esse é o grande problema da internet: a informação é repassada sem a menor responsabilidade e acaba se tornando um “fato”.
Fonte: Julio Veríssimo, professor da Universidade Metodista de São Paulo

Justiceiro em primeira pessoa
Raphael Leite de Santana, 25 anos, geógrafo e guia turístico, é um carioca da gema que analisa de forma crítica os casos de justiceiros que se tornam cada vez mais comuns no país. Como morador do Rio, ele sempre ouviu relatos dos julgamentos populares que aconteciam na cidade – até que se deparou com um episódio em seu caminho. Ao contrário da massa que se precipitava e clamava por sangue, ele parou para entender a situação e mediar para que o desfecho fosse, de fato, justo. Abaixo, Raphael conta a experiência em primeira pessoa:
“A moda de amarrar e bater nas pessoas chegou até Santa Teresa [bairro da capital fluminense]. Descendo a Rua Áurea, no dia 22 de fevereiro de 2014, por volta das 8h da manhã, notei um rapaz conhecido, que nunca vi envolvido em confusão (não que tivesse justificativa), amarrado feito bicho no chão com uma pequena multidão, que se aglomerava em um posto de saúde em frente, gritando: ‘Mata, lincha, bandido, tem mais que morrer…’. Quem passava logo se apropriava do julgamento e ia dando a sentença ali mesmo: ‘Ah, é bandidinho… Tem que bater mesmo’.  Me aproximei do núcleo da confusão e falei com a suposta vítima; ela mesma afirmou que o rapaz no chão não tentou roubar e se tratava de um engano, uma discussão bem exaltada de rua.
Minutos antes de eu chegar, as agressões tinham cessado um pouco, pois um mototaxista pediu para que parassem de pisar e chutar a cabeça do rapaz, mas a massa cega estava pronta para uma nova sessão de ‘Justiça’ enquanto a plateia clamava por sangue.
Afastei um dos agressores e fui conversar com o rapaz amarrado; ele me reconheceu apesar de estar atordoado. Cortei as amarras, sentei-o no chão e esperei pela polícia. Ele tinha várias escoriações, sangrava um pouco e as amarras estavam bem cerradas na carne.
É claro, sendo preto e pobre, o que era uma discussão de rua virou motivo para espancamento em praça pública.
Quando a polícia chegou e viu de um lado a família branca de classe média – suposta vítima de uma tentativa de assalto a carro -  e, do outro lado, o garoto negro sem camisa, já foi para cima dele de maneira truculenta, mas, graças a Deus, eles escutaram a mim e uma outra moça até que tudo se esclarecesse.
Acompanhei o rapaz até a delegacia com um advogado que se prontificou naquele momento a ajudá-lo. Estivesse ele errado ou não na história da discussão, nem vou entrar nesse mérito,  não era nada que precisasse chegar aonde chegou.
Não há justificativa para amarrar e espancar alguém, julgando e condenando na rua. As pessoas poderiam ter matado alguém, porque ele tomou uns pileques e ficou chato. Convivo com este rapaz há anos e nunca o vi envolvido com coisa errada, muito menos bêbado. Pelo contrário, ele é sempre educado, prestativo, trabalhador: durante o dia, vende doces (feitos pela  mãe dele); à noite, vende bebidas em um isopor. Inclusive, ele teve seu material de trabalho todo roubado no ano passado, e não deram a mínima quando ele foi à delegacia.
O fato é que eu não apoio esse regresso moral ao século medieval. Que venham as luzes, pois a escuridão já cegou essa gente!”
do BOL, em São Paulo



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