Há que se separar dois fenômenos: a alta reprovação ao governo Dilma e o antipetismo per se.
Ao que consta, estaria abaixo de 10% a fração dos cidadãos que considera o governo Dilma ótimo ou bom.
Por outro lado, há um sentimento visceral antipetista na sociedade. Não chega a afetar 90% da população, mas está longe de ser insignificante.
Dentro desse subgrupo antipetista há (ou deveria haver) uma divisão clara: há os conservadores-reacionários e há os liberais-progressistas.
Há um segmento radicalmente conservador.
Seus representantes intelectuais são Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo, Pastor Silas Malafaia e Padre Paulo Ricardo, por exemplo. São todos eles (com alguma liberdade poética), "católicos e reacionários", como diria Graciliano em sua "Angústia".
Não se conformam com os rumos que o Brasil e o mundo tomam. Querem, e maior ou menor grau, fazer a roda história girar para trás.
No caso do casamento gay, por exemplo. Azevedo se diz favorável, mas condena a suposta transgressão das competências do STF que impôs o reconhecimento desse fenômeno, mesmo não havendo lei explícita que o defina.
Sugere Azevedo que o Congresso deveria ser o dono único sobre o tema, o que significa que a lei jamais seria aprovada com o atual Congresso.
Entendo - honestamente - suas preocupações. Mas entre os princípios democráticos de que somos todos iguais perante a lei e o da separação dos poderes, Azevedo prefere o segundo ao primeiro neste caso.
Azevedo, cuja inteligência e sagacidade me parecem incontestáveis, recentementeigualou os adversários de Eduardo Cunha aos adversários da democracia em si. Um triste contorcionismo retórico para o mais preparados colunista conservador do país.
Em relação ao projeto de cura gay, Azevedo justifica e defende a intromissão dos congressistas sobre "dois trechos de uma resolução autoritária do Conselho Federal de Psicologia"
Ou seja, de que vale a opinião de um órgão de classe em comparação à sabedoria de um Malafaia? Podem os legisladores derrubar legislações autoritárias dos Conselhos de Medicina e de Engenharia?
Sobre o mesmo tema, os argumentos de Carvalho e do Padre são rasteiros. Baseiam-se numa suposta 'ordem natural' ou 'biológica' para a definição de família. Demasiado entediante debater o assunto nesses termos.
Esse grupo de conservadores parece acreditar que, apesar do esfacelamento da União Soviética, da decrepitude dos países ainda socialistas e da irrelevância dos partidos comunistas no Brasil e no mundo, a revolução bolchevique está pronta.
São os macarthistas morenos.
O que une esse grupo é agenda reacionária no que diz respeito aos costumes e o medo dos comunistas.
Eles não se contentam em ser vigias da política, mas querem também ordenar todo o comportamento social de acordo com seus princípios religiosos.
Nas redes sociais vemos uma derivação nefasta desse grupo de conservadores, formada por aqueles que defendem a intervenção militar, que não gostam de pobre, que abominam o bolsa-família. Entre outros tantos preconceitos que é melhor não elencar.
São os que abusam de neologismos como "feminazi", "gayzistas", "bolsa-vagabundo", etc.
Do outro lado do antipetismo estão (ou deveriam estar) os liberais.
Para esse grupo o problema do PT é ter aumentado os poderes do Estado, o que colocaria em risco as liberdades individuais. É o de sequestrar o Estado em favor de seus interesses. É flertar com ditaduras, é tentar impor restrições às liberdades individuais em nome de um bem maior.
São os que veem no PT um projeto coletivista. Sempre falando em nome do "povo", do "país", do "interesse comum", do "bem-estar geral", o PT buscaria é silenciar as vozes dissonantes, reprimir as liberdades, se tornar o único porta-voz da sociedade brasileira. Impor através da força sua agenda de costumes e de política.
Entretanto, um liberal que é contra o casamento gay, por exemplo, não é um liberal. É um idiota.
Um dos pilares centrais do pensamento liberal é a crença e a defesa da liberdade e na autonomia dos indivíduos. Se duas pessoas adultas, com domínio de suas capacidades intelectuais, querem viver juntas e adotar crianças, o Estado não tem nada a ver com isso.
Um liberal que é contra o bolsa-família não é um liberal. É um idiota.
F. A. Hayek no seu "Caminho da Servidão" diz:
...não há dúvidas de que, no tocante a alimentação, roupas e habitação, é possível garantir a todos um mínimo suficiente para conservar sua saúde e a capacidade de trabalho
A existência de uma sociedade mais igualitária ou, pelo menos, sem grandes bolsões de pobreza, é condição necessária para a manutenção e avanço das liberdades democráticas.
Os famintos não raro trocam suas liberdades individuais por um pedaço de pão. Tiranos como Hugo Chávez nasceram e nascerão mais facilmente nesse tipo de solo.
O problema é que assim como há muito marxista por aí que nunca leu Marx, há uma porção de "liberais" que nunca leram nada além de citações de Roberto Campos (um pensador de peso, diga-se).
Milton Friedman, outro expoente do pensamento liberal, era, por exemplo, fortemente favorável à legalização das drogas. Seu raciocínio é simples, porém sofisticado, baseado na liberdade individual, na soberania do consumidor e no funcionamento dos mercados.
O triste é saber que o primeiro grupo de antipetistas, formado pelos conservadores, faz muito mais barulho que o segundo.
O discurso dos conservadores é tão absurdo e, não raro, tão repugnante, que há certamente muito crítico do PT por aí que prefere não se manifestar em público ou em alto volume com medo de ser confundido com esse tipo de reacionário.
A hegemonia do primeiro grupo - já que eles adoram tanto essa história de Gramsci - é o que leva muita gente por aí a preferir o PT, apesar de tudo. São grupos como os "revoltados online" que mantêm o petismo respirando com ajuda de aparelhos.
Minha tese: os antipetistas conservadores são, no fim das contas, os maiores aliados do petismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada