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Em entrevista, secretário de Segurança Pública do Rio ainda critica deputados que tentam liberar porte de armas no País
Legalizar as drogas, desmilitarizar a PM e humanizar os presídios antes de reduzir a idade penal. São alguns sonhos do homem que comanda a Segurança Pública do Rio há 93 meses e se mostra cético em relação ao que ele próprio idealiza para o Estado.
Para José Mariano Beltrame, que comanda o órgão, o carioca precisa amadurecer e exigir ações de outras instâncias do poder público, além da polícia, contra as ilegalidades. Ao fim da entrevista a O Dia, ele contou que "finalmente" está transferindo o título eleitoral de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para o Rio.
“É hora de participar da vida política do lugar onde vivo”, disse ele, negando planos de se candidatar.
Confira a entrevista a seguir:
O Dia - Esta semana, a polícia prendeu milicianos que atuavam no Complexo do Alemão. Como está o combate às milícias no Rio?
Beltrame - Milícia é um problema difícil porque ela atua onde há carência de serviços públicos. Não vai ser só a polícia que vai resolver. É preciso ter serviço de transporte bom e barato, uma boa e barata rede de distribuição de gás, preços populares para TV a cabo e internet. Enquanto o Estado não oferecer condições, haverá espaço para milícia. A polícia tem de estar presente, mas os demais órgãos e serviços também. Só que a sociedade só cobra da polícia.
Essa ausência de serviços públicos acontece em todas as metrópoles. Por que, no Rio, a situação é tão violenta, com gente armada de fuzil e granada?
Porque as facções começaram a tomar conta de territórios e se armar. Levei a Brasília proposta para aumentar a pena de quem porta fuzil. Deputados me deram parabéns, mas pediam desculpas porque votarão para mudar o Estatuto do Desarmamento e relaxar as penas para quem porta arma de fogo. Estamos substituindo os fuzis, dando cursos para policiais não trocarem tiros, querendo racionalizar as armas na polícia, e o Congresso quer dar armas para a sociedade. Há razoabilidade nisso? O uso da arma se banalizou. O criminoso tem um apego tão grande que põe nela o distintivo do time, nome da mulher, dos filhos, escreve até “Jesus salva”. Ele estiliza a arma. É um guerreiro-marginal, manda niquelar, põe dourada, prateada.
O que tem sido feito efetivamente para combater a corrupção policial?
Basta olhar a quantidade de coronéis e majores presos. Havia um tabu de que estas pessoas não seriam presas. Foram mais de 2 mil nestes últimos tempos. Não tem muita solução a não ser a Corregedoria. Por mais que tenha instrução e ética na academia, o que vale é o que você aprendeu em casa. Mas até as pessoas que tiveram uma educação mais sofisticada não param de roubar. Infelizmente, é uma questão cultural.
Os cortes no orçamento vão prejudicar a expansão das UPPs? O senhor vai ampliar o programa, ou fechou para balanço?
O que prometi, 40 UPPs, vou até passar. Hoje tem 39. Com três ou quatro na Maré, vamos passar, mas planejamos mais. Hoje estaríamos prontos para ocupar o Chapadão. Fizemos o trabalho, pegamos as lideranças do tráfico, mas não dá para fazer porque não tem gente formada ainda. Tem de ampliar viaturas, rádios, uniforme, armamento.
Com tantas dificuldades, quantas vezes o senhor pensou em sair do cargo? Isso não cansa?
Cansado, você fica, mas eu tenho confiança no que a gente faz, na equipe, nas polícias. Elas têm seus problemas, mas eu confio. Tem muita gente boa aí. Ainda tem aí uns quatro projetos grandes ou cinco para apresentar. Não gosto de falar, gosto de apresentar. Duvido que alguém tenha investido mais em capacitação policial do que nós. O que me deixa frustrado são alguns comportamentos. A sociedade poderia se engajar mais, até porque tem culpa. Foi tolerante demais. Não tem outra saída para o Rio se não for tornar um pouco mais formal o que é informal. Senão, não tem jeito. Na minha humilde opinião, a sociedade escolheu mal alguns administradores públicos. Segurança não é só policia, isso é míope. É cuidar de fronteira, tem legisladores, Ministério Público, Justiça, sistema prisional.
O senhor sempre disse que não tinha a pretensão de acabar com o tráfico, mas, sim, com a presença das armas nas favelas e os tiroteios. Hoje já diz que não tem como. O que mudou?
É uma leviandade achar que vai acabar com isso. Ainda vamos viver anos com essa lógica. O que vai acabar com isso, daqui a algum tempo, é a presença da polícia ali, com efetivo e organização para manter este processo. E que outros serviços cheguem às comunidades para que as pessoas possam ter outras perspectivas de vida.
Uma das críticas feitas às UPPs é em relação à velocidade com que foram implantadas, que teriam fins eleitorais, sem planejamento e formação adequada dos policiais.
Isso é ofensivo para mim. Cometemos algumas falhas, mas tudo foi planejado e estudado. Não fizemos por fazer. Quanto à formação, o curso era o mesmo. De sete meses, agora de dez meses. Mas com certeza os profissionais que estão se formando agora tiveram uma formação melhor porque fomos aprendendo com as demandas que surgiram. Na época da implantação, era preciso fazer rapidamente, porque havia essa necessidade no Rio de Janeiro.
O STF está votando em Brasília a Lei de Drogas. Qual é a sua expectativa a respeito do assunto?
Acho que o Brasil vai descriminalizar o uso e eu sou muito a favor, a partir do que vi em Portugal. Eles tiraram a droga da polícia, virou problema da área de Saúde. Com isso você evita que a polícia tenha que gastar energia prendendo usuários. Hoje, se não prender, dizem que o policial está no ‘arrego’ (recebendo propina). É igual a jogo do bicho.
O senhor é a favor de fazer como no Uruguai e legalizar a produção, a venda e o consumo?
Acho ótimo que isso seja feito. Mas quem é que vai fiscalizar? Precisamos regulamentar. Mas sou favorável desde que tenha mecanismos de controle e não acabe tudo na mão da polícia.
E o que o senhor pensa sobre a desmilitarização da PM, um assunto que entrou na pauta a partir dos protestos de 2013?
Sou favorável, mas estamos muito longe. São muito poucos países no mundo que trabalham como a gente trabalha, mas isso tem de partir da polícia.
É possível combater corrupção policial sem melhorar a remuneração?
É um requisito importantíssimo, mas não necessariamente vai resolver. Durante anos, fui agente da Polícia Federal, ganhava menos do que um trocador de ônibus, comia em restaurante universitário e nunca tomei nada de ninguém. Acho que é questão de formação. Mas sem dúvida que o salário é importante pela valorização do policial e para dar mais legitimidade para a sociedade cobrar um serviço de qualidade.
Na polêmica da blitz em ônibus vindos do subúrbio, a polícia foi acusada de preconceito contra negros e pobres. Como o senhor entendeu a reação?
O motorista faz sinal para a viatura e encosta o ônibus. Se a polícia não parar, prevarica e sai no jornal que a polícia não faz nada. Os passageiros confirmaram a baderna, e que muitos não pagaram passagem. A liberdade de ir e vir exige um mínimo de dever. Em momento nenhum eu disse que eles iriam assaltar. O que está em questão é a vulnerabilidade. Um jovem que sai de Nova Iguaçu com 13 anos, pega um ônibus para Ipanema, sem dinheiro para nada, não está em situação vulnerável? Como vai voltar para casa, comer ou beber algo? A polícia não tem nada a ver com isso. Se o Conselho Tutelar e o Ministério Público estivessem ali, a polícia não estaria. Mas já que a sociedade decidiu que a polícia não tem que estar, não estaremos mais. Mas vão ter que pensar duas vezes na hora de chamar a polícia.
E qual a sua posição em relação à redução da maioridade penal?
O que tem de ser discutido é se a pessoa, hoje, com 16 ou 40 anos, sai recuperada da instituição. Sai? Não. Mas não entraram e não querem entrar na discussão. E o problema cai onde? Na polícia. A questão foi reduzida a: “18 ou 16?”. Não dá para ser assim. Se é 18 ou 16, eu fico com 16, mas não é a solução.
É favorável ao uso de parcerias privadas para tentar resolver a questão das más condições no sistema penitenciário brasileiro?
É hora de experimentar os privados. Eu poderia escapar desta pergunta porque não é a minha área, mas do jeito que está o sistema prisional não dá. O jovem que matou o médico na Lagoa tinha 16 passagens pela polícia. O que fizeram com ele nas outras 15 vezes? Recuperaram? Levaram para casa? Procuraram os pais? Deram alguma perspectiva de emprego? Não. Precisamos ter uma visão sobre violência urbana muito larga. As pessoas só veem as consequências e pedem polícia, polícia e polícia. Temos que ir às causas da violência. Porque não vai ter polícia em toda esquina e nem que dê conta das causas.
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