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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O caso da viúva pensionista do soldado que lutou e morreu em Canudos

PASSADO A LIMPO



Arnaldo Godoy [Spacca]
Em 1925 o Consultor-Geral da República respondeu consulta que lhe fora encaminhada pelo Ministro da Fazenda, a propósito de um requerimento para revisão de pagamento de soldo e montepio, legado por um soldado que lutara na Guerra de Canudos. Tratava-se de um capitão, que morreu em combate. O Tribunal de Contas havia afirmado a legalidade da pensão, inclusive para as filhas do capitão.

Havia uma gratificação adicional para os beneficiários daqueles que faleceram em combate: era justamente esse o caso. Percebe-se que o parecer atendia à estrita legalidade e, ao mesmo tempo, contemplava pretensão justa, no contexto do que então era discutido.
Chama a atenção o fato de que o parecerista não se constrangia em deferir o pedido. Isto é, não havia o esforço que hoje inegavelmente plasma alguns setores da burocracia, para os quais o indeferimento deve ser a  regra, inclusive como medida protetiva em relação aos órgãos de controle, dada a fragilidade de prerrogativas, o que limita a livre expressão, o entendimento e o li livre convencimento dos intérpretes do direito. Segue o texto:
“Gabinete do Consultor-Geral da República – Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1925.
  Excelentíssimo Senhor Ministro da Fazenda – Restituo a Vossa Excelência o processo que se dignou de me transmitir com o Aviso nº 254, de 31 de dezembro de 1924, para sobre o assunto emitir parecer, relativo ao requerimento em que D. Júlia Adelina de Souza Campos, viúva do Capitão João Militão de Souza Campos, pede revisão do seu processo de meio soldo e montepio, a fim de lhe serem asseguradas as vantagens a que se julga com direito, em face dos arts. 5º e 9º do Decreto nº 108-A, de 30 de dezembro de 1889.
  Consta do processo que o referido capitão faleceu em combate, em Canudos, no dia 28 de junho de 1897. Expediu-lhe o Tesouro os títulos respectivos, na importância de 100$000 para o meio soldo, e de 50$000 para o montepio, pertencendo a outra metade às suas três filhas, na importância de 16$666 para cada uma, pensões essas que foram julgadas legais pelo Tribunal de Contas. Em 1913, a viúva, ora suplicante, pediu a revisão do processo de montepio e meio soldo para o fim de lhe serem aplicadas as vantagens do art. 9º do Decreto nº 108-A, de 1889. Essa disposição é a seguinte: “As viúvas e os herdeiros dos oficiais que morrerem em combate, ou por desastre ocorrido no serviço, perceberão o soldo e a gratificação adicional correspondente ao posto imediatamente superior àquele que tiverem os mesmos oficiais e ao tempo de serviço que contarem. Nesse soldo é incluído o montepio”.
  Foi julgada procedente a reclamação, e em consequência expedido o título no qual se declarou competir à mesma viúva a quantia mensal de 230$000, correspondente ao soldo do posto imediatamente superior àquele em que faleceu o oficial. Em 1921 reverteu em seu favor a pensão de uma das filhas por ter falecido, na importância de 16$666. Em 1923 tornou a suplicante a requerer a revisão do processo, a fim de ser aumentada a sua pensão, por contar o seu marido, ao falecer, mais de 25 anos de serviço, ou seja exatamente 28 anos, 5 meses, e 11 dias, fundando o seu pedido nos arts. 5º e 9º do mencionado Decreto nº 108-A, de 1889.
  A Diretoria da Despesa opinou em sentido favorável, propondo o abono da gratificação adicional de 30$000 mensais, acrescentando, porém, estarem prescritas as cotas anteriores a novembro de 1918. O Doutor Consultor da Fazenda emitiu em seguida o seu parecer de 28 de maio de 1924, dizendo o seguinte:
1º) Que preliminarmente está prescrito o direito da requerente a toda e qualquer reclamação, porque começou ela a receber as pensões em 1898, com as vantagens do Decreto nº 108-A, de 1889, e assim devia apresentar a sua reclamação dentro dos cinco anos. Acrescenta, porém, que, embora tenha sustentado essa teoria em vários pareceres, citando não só disposições expressas de lei, como também a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não logrou, entretanto, convencer as autoridades superiores, sendo hoje doutrina vencedora que o direito pode ser reconhecido em qualquer tempo, prescrevendo apenas as importâncias anteriores a cinco anos da reclamação. Sendo a da requerente apresentada em abril de 1923, e abonando-se as pensões por mês vencido, está apenas prescrita a parte anterior a março de 1918.
  2º) Que é contrário ao deferimento do pedido, porque a gratificação adicional, a que tem direito o oficial, correspondente ao tempo de serviço, não influi no abono das pensões; é preciso que o oficial tenha tempo de serviço e idade correspondente ao posto superior àquele em que faleceu.
  Somente o parecer do Senhor Ministro da Guerra, respondeu este, por Aviso de 7 de outubro de 1924, que não cogitando o art. 9º do Decreto nº 108-A das idades estabelecidas no art. 5º, parece que dispensou a exigência da idade, “como um prêmio aos abnegados servidores da pátria, mortos em combate ou por desastre ocorrido em serviço”, como procedeu, no art. 8º, relativamente aos que falecerem contando mais de 35 anos de serviço.
  Dizendo novamente o Dr. Consultor da Fazenda (13-12-1924), manter o seu parecer anterior, insistindo em mostrar que o seu argumento principal foi este: “as gratificações adicionais estão abolidas para o cálculo do meio soldo e montepio; a vantagem que, na hipótese deste processo, tem a família do oficial, isto é, o prêmio que a Pátria dá aos seus abnegados defensores, é a concessão do montepio e meio soldo correspondente ao posto imediato, sem atender ao tempo de serviço”.
  É neste estado do processo que Vossa Excelência se dignou de solicitar o meu parecer.

I
  Quanto à prescrição, não me parece que proceda a doutrina sustentada pelo ilustre Doutor Consultor da Fazenda. Não se pode considerar prescrito o direito à pensão, porque esse direito já foi reconhecido, e no seu gozo se acha a pensionista desde 1898, sem interrupção. Ela reclama um aumento na pensão, e não a própria pensão. Deve aplicar-se, portanto, o preceito contido no art. 178, § 10, nº VI, alínea, do Código Civil, que dispõe o seguinte: “Os prazos dos números anteriores serão contados do dia em que cada prestação, juro, aluguel ou salário, for exigido. ” Tendo o requerimento da reclamante dado entrada no Tesouro aos 19 de abril de 1923, parece-me que a prescrição só abrange as prestações anteriores a 19 de abril de 1918.

II

  Em substância, penso que não procedem os fundamentos do parecer do Dr. Consultor da Fazenda. O art. 9º do Decreto nº 108-A, de 30 de dezembro de 1889, não subordina o direito, que ele consagra, às condições lembradas pelo Dr. Consultor. Dispõe esse artigo que as viúvas e os herdeiros dos oficiais que morrem em combate, ou por desastre ocorrido em serviço, perceberão o soldo e a gratificação adicional correspondente ao posto imediatamente superior àquele que tiverem os mesmos oficiais, e ao tempo de serviço que contarem. Se o oficial falecido era capitão, sua viúva e herdeiros perceberão o soldo e a gratificação adicional de major, levando-se em conta o seu tempo de serviço. O oficial, que morre nessas condições, é considerado promovido.   A lei não cogitou do elemento “idade”, que só é tomada em consideração para os efeitos da reforma. A gratificação está em relação tão-somente com o tempo de serviço, e não com a idade. O que rege a hipótese é o art. 9º e este nem longinquamente, ou por inferência, se refere à idade do oficial. Pela sua letra e pelo espírito que o ditou, o que esse artigo autoriza concluir é o seguinte: 1º A pensão abrange o soldo e a gratificação. 2º Esses vencimentos são, não os do posto em que faleceu o oficial, mas os do imediatamente superior.        3º A gratificação é relativa ao tempo de serviço contado ao oficial extinto, qualquer que seja a sua idade.
  Nestas condições, penso que o requerimento da peticionária está nos termos de ser deferido.
  Tenho a honra de renovar a Vossa Excelência as seguranças da minha elevada estima e consideração.
Astolpho Rezende.
 é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP, professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

Revista Consultor Jurídico

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