Na última reportagem da série “Impunidade”, os repórteres viajaram até o Chile, país vizinho que tem problemas como o nosso, mas que combate a violência de um jeito bem diferente. A edição da série é de Evane Bertoldi e a produção de Clarissa Cavalcanti.Ao longo da série de reportagens sobre a impunidade no Brasil, o […]
Na última reportagem da série “Impunidade”, os repórteres viajaram até o Chile, país vizinho que tem problemas como o nosso, mas que combate a violência de um jeito bem diferente. A edição da série é de Evane Bertoldi e a produção de Clarissa Cavalcanti.
Ao longo da série de reportagens sobre a impunidade no Brasil, o Jornal da Globo mostrou o que viu durante seis meses de viagens por todas as regiões do Brasil. Foi revelada a incapacidade nacional de investigar os crimes e punir os culpados.
JUSTIÇA NO CHILE
Dessa vez, a reportagem mostra o Chile, um país vizinho e latinoamericano como o Brasil. Apesar da diferença de tamanho, tem história e problemas sociais parecidos com os nossos. Mas conseguiu vencer o desafio de oferecer segurança pública ao seu cidadão.
Um dia depois da prisão, e apenas 48 horas depois do crime, o réu está diante do juiz. O sistema de segurança chileno funciona e começa com os “carabineros”, a Polícia Militar do país. É uma força de quase 55 mil homens e mulheres bem treinados e equipados.
Com a viatura, a fiscalização é muito mais eficiente: os policiais param o carro e, imediatamente, pedem os documentos do carro e do motorista para ver se está tudo certo. Ao mesmo tempo, todos os outros carros que passam também estão sendo checados por um equipamento, um leitor automático de placas. Se, por acaso, passar um carro roubado, vai disparar o alarme do sistema e o policial que fica dentro do carro já vai tomar as primeiras previdências.
O reforço rápido entra em ação e os bandidos têm pouca chance de escapar. A principal estratégia de combate ao crime é uma espécie de policiamento comunitário. Cada área é patrulhada por um grupo de carabineros e o celular do responsável está disponível na internet para qualquer cidadão ligar.
O repórter pediu para fazer um teste. E funciona. No Brasil, uma cena de crime rapidamente se transforma em um espetáculo violento. A área não é isolada. Policiais e curiosos mexem nas provas. Como é que você vai confiar na prova que encontrou?”, indaga a perita criminal Ana Patrícia Dantas.
No Chile, só os peritos entram na cena do crime e vestindo uma roupa especial, para que nem um fio de cabelo deles prejudique a investigação. Se esse procedimento deixar de ser cumprido, as provas podem ser anuladas no tribunal.
POLÍCIA DE INVESTIGAÇÕES
O Chile também tem uma polícia de investigações, a PDI, que não se parece nem um pouco com a nossa Polícia Civil. Lá, todas as armas e todas as munições examinadas vão para um banco de dados nacional. As impressões digitais de criminosos condenados no país são arquivadas. Nada disso funciona no Brasil.
No ano passado, o índice de solução de todos os crimes que a PDI chilena investigou foi de 98%. No Brasil, não existem estatísticas oficiais, apenas estimativas sobre a solução de homicídios. E o índice de solução não passa de 8%.
As polícias chilenas trabalham sob a orientação da Fiscalia, o Ministério Público do país. Os promotores comandam o inquérito. No Brasil, não funciona assim.
“O Ministério Público hoje é, sobretudo, alguém que cumpre a pauta daquilo que as polícias decidiram. Ou seja, ele é passivo e ele recebe aquilo que a rua entendeu que era um crime, que a Polícia Civil transformou em um inquérito e que ele, portanto, vai ter que processar”, aponta o promotor Oscar Vilhena, diretor da faculdade de direito da FGV-SP.
AGILIDADE NO PROCESSO CRIMINAL
Na semana em que a equipe de reportagem esteve no Chile, um homem disparou uma escopeta e feriu cinco crianças. Foi numa segunda-feira. Na terça, a polícia já tinha o nome do suspeito e ele se entregou. A primeira audiência do julgamento foi marcada para a quarta.
O promotor pediu mais tempo para a perícia e a juíza concedeu: 48 horas para o laudo ser apresentado. E foi. Na sexta-feira, a prisão foi confirmada e o Ministério Público tem 70 dias para apresentar a acusação.
O chefe do Ministério Público, Sabas Chauan, explica que a participação do promotor desde o primeiro dia torna a investigação mais rápida e eficiente.
Ninguém discute que o Brasil precisa fazer mudanças para conseguir resultados parecidos com os do Chile. E esse não é um assunto esquecido por aqui.
BRASIL MAIS SEGURO
Em 2012, o governo federal lançou o programa “Brasil Mais Seguro”. Por enquanto, é apenas um projeto piloto que está sendo testado em algumas poucas cidades do Nordeste que sofreram uma escalada da criminalidade. Mas alguns bons resultados já mostram que é possível reduzir a violência.
A primeira meta do programa foi combater os crimes violentos, nas cidades com as maiores taxas de homicídios. “A nossa política nacional se traduz no ‘Brasil Mais Seguro’. O programa é uma política traçada pelo governo federal, para ser reproduzida dentro dos estados. Os últimos mapas nos dizem que, no Brasil, aumentou o homicídio na Região Nordeste. Então, nada mais justo, se eu tenho que escolher, eu priorizo uma região e priorizei o Nordeste. E a resposta foi satisfatória, mas ainda incipiente perto daquilo que necessitamos, com certeza”, explica Regina Miki, secretária nacional de Segurança Pública.
As necessidades são muitas. Mas, até agora, muitos projetos anunciados não viraram realidade. Algumas coisas já foram lançadas, como o registro de identidade civil que em 2010 e ainda não existe na pratica, ou o Banco Nacional de Informações de Digitais, de DNA.O repórter questiona José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, porque isso ainda não está à disposição das polícias no Brasil inteiro.
“O Brasil é um pais que tem uma estrutura federativa. E, portanto, uma autonomia dos entes federativos. Isso é muito bom, sob uma ótica de descentralização. Mas, do ponto de vista de políticas globais, como não há hierarquia entre os entes da federação, você tem que construir processos, que não são simples. Fora isso, infelizmente no Brasil, ainda a disputa política e a ausência de pactuação criam óbices intransponíveis, às vezes, para que nós possamos ter políticas nacionais”, responde o ministro José Eduardo Cardozo.
A pedido do ministro, o repórter descreveu o que foi visto nos quatro cantos do Brasil: abandono e falta de investimentos, peritos sem equipamentos, delegacias caindo aos pedaços, policiais sem condições de trabalhar e presídios superlotados.
Quando é que o que nós sabemos o que tem que ser feito, vai ser feito e a gente não vai ser cenas como essa? Segundo o ministro José Eduardo Cardozo, “quando nós nos conscientizarmos que não é apenas mudando a lei que eu resolvo o problema da segurança pública”.
“Chega de jogo de empurra. Nós, homens e mulheres que atuamos na vida pública, temos que estar juntos, integrando, parando de imputar responsabilidade aos outros. Mas fazendo com que os recursos que temos sejam bem geridos e, consistentemente, partam de uma integração necessária para o enfrentamento do problema”, aponta Cardozo.
Que isso se torne uma realidade no Brasil é o que esperam as famílias das vítimas da impunidade:
“Já faz um ano e um mês que estou esperando. Nem me procurar, me dar um telefonema. Se a gente procura e não tem resposta de nada”, lamenta Maria Krettli, mãe de Fabrício, assassinado na porta de casa, na frente dos pais.
“É uma dor que não vai tão cedo. Não diminui. Diminui um pouco vendo eles na cadeia, fazendo justiça. Aí pode amenizar mais um pouco “, confessa Luzenira Pinheiro, mãe de Thúlio, executado por engano diante de testemunhas que têm medo de falar.
“Eu espero que a justiça faça o seu papel de botar essas pessoas na cadeia e que paguem pelos crimes com a minha filha”, diz o pai de Yasmin, de dois anos e sete meses, que estava no colo da mãe dentro de um táxi que foi fuzilado, à luz do dia.
“Eu acredito que, amanhã ou depois, vai surgir alguma autoridade que tenha sensibilidade e, talvez, vergonha também, e que queiram dizer ‘eu vou pegar esse processo, vou abaixar a cabeça e realmente ver”, espera Sérgio Gabardo, pai de Mário, morto em uma rua movimentada por um homem que nem se preocupou em esconder o rosto.
O governo de Alagoas enviou uma nota ao Jornal da Globo afirmando que, em 2011, o Instituto de Criminalística do Estado expediu 2.604 laudos, e não 780, como citamos na reportagem de quarta-feira (1º) da série “Impunidade”.
Os repórteres do Jornal da Globo utilizaram os dados oficiais do Ministério da Justiça, e eles confirmam que os laudos expedidos naquele ano foram 780.
Fonte: Jornal da Globo
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