Decisão do STF contra dinheiro das empresas para partidos abre rara oportunidade de questionar sistema político. Outras Palavras debate, com José Antonio Moroni, como não desperdiçá-la
Entrevista a Antonio Martins
Um silêncio eloquente e revelador domina, desde a última quinta-feira, a cena política brasileira. O Supremo Tribunal Federal (STF) compreendeu finalmente que, segundo o texto da Constituição de 1988, o dinheiro das empresas não pode lubrificar a política. Postergada por 17 meses, devido a protelação abusiva praticada por um ministro do STF cujos laços com o poder econômico são notórios, a decisão está, porém, ameaçada. Em poucos dias, o Senado Federal poderá remendar a Constituição, para legalizar os agrados dos empresários, agora vetados. Se o jornalismo cumprisse seu papel, esta tensão seria, certamente, o tema de todas as manchetes.
Em entrevista a Outras Palavras, nesta terça-feira (22/9), o historiador José Antonio Moroni explicou por quê. Além de integrante do colegiado de direção do Instituto de Estudos Socioeconomicos (Inesc), ele é um dos coordenadores da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política. Grande parte do esforço desta articulação volta-se, nos últimos anos, a mostrar como o dinheiro empresarial corrói e democracia, amplia as desigualdades e deforma a noção de “desenvolvimento” no Brasil.
O financiamento de campanhas, conta Moroni, é a forma que o poder econômico encontrou, no Brasil, para encabrestar a política institucional. Ninguém – de Presidente a Vereador – se elege mais sem gastar muito dinheiro. Em 2014, as campanhas presidenciais de Dilma Roussef e Aécio Neves custaram, cada uma, em torno R$ 300 milhões – um aumento de 1000%, em relação aos patamares de 2001. Nos estados mais populosos, salvo exceções estatisticamente desprezíveis, eleger-se deputado federal não custa menos de R$ 3 milhões.
É impossível financiar os gastos, nesta escala de valores, com dinheiro miúdo, voluntariamente oferecido por quem julga necessário levar ao Parlamento defensores das causas em que acredita. A arrecadação cidadã gota a gota é substituída pelo dinheiro a rodo de grandes grupos econômicos.
Mas uma empresa que doa dinheiro a um candidato exige o troco, na forma de decisões políticas que a favoreçam. A relação de tutela é estabelecida pelo fato de que haverá, sempre, a eleição seguinte. Nela, o parlamentar que as empresas julgarem pouco confiável, perderá o apoio – sendo substituído por um “produto” mais dócil.
A fidelidade ao poder econômico assume várias formas, prossegue o filósofo. No atacado, significa, por exemplo, bloquear propostas como a de uma Reforma Tributária que obrigue os ricos a pagarem impostos de maneira proporcional a seus rendimentos e privilégios. No varejo, leva os legisladores a incluírem, nos Orçamentos da União, Estados e Municípios, projetos que interessam de seus financiadores. Já não há planejamento estatal relevante sobre obras de infra-estrutura. De hidrelétricas a viadutos,tudo é decidido ou em conluio com grandes empreiteiras, ou a partir de projetos diretamente concebidos por elas.
Todos os escândalos de corrupção que o país acompanha atualmente derivam desta prática. Por isso, proibir de fato o financiamento empresarial das campanhas – e evitar que esta proibição seja burlada – significaria uma pequena revolução. Estigmatizaria as empresas pilhadas em contribuições clandestinas a políticos. Obrigaria os candidatos a cargos públicos a campanhas muito mais baratas, nas quais precisariam substituir o marketing pelo debate concreto de ideias.
Não surpreende, portanto, que uma decisão de enorme potencial democrático e regenerador como a do STF, na última quinta-feira, seja ocultada pelos defensores do atual sistema político. Para a garantia de privilégios e mandatos, é melhor que tudo continue como hoje. Para a velha mídia, que há muito abandonou a crítica ao poder, também. Não é à toa que os jornais, coalhados todos os dias de textos sobre cada votação do “ajuste fiscal”, silenciam sobre o futuro da decisão que inibe as relações promíscuas entre o poder econômico e os políticos
Evitar um amplo debate nacional sobre o tema atende a uma manobra política. O coordenador da Plataforma pela Reforma Política explica: tramita no Parlamento a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 113/2015. Aprovada na Câmara Federal, em junho, após manobra grosseira do deputado Eduardo Cunha, ela está no Senado, onde poderá ser votada em poucos dias. Se passar, transformará a decisão histórica do STF num aborto. Seu texto autoriza os partidos políticos a receber contribuições – em dinheiro ou bens – tantos de cidadãos como de empresas.
Além desta hipótese, os defensores do status quo contam, continua Moroni, com outra carta na manga – uma espécie de Plano B, para ao menos ganhar tempo. A Câmara dos Deputados já aprovou, em votação definitiva mudanças na lei das eleições (lei 9.504) e no Código Eleitoral (lei 4.737). As alterações, em ambos os casos, estabelecem regras para… o financiamento empresarial das campanhas! São claramente inconstitucionais, após o pronunciamento do STF. Ainda assim, por um detalhe esdrúxulo do sistema institucional brasileiro, entrarão em vigor assim que promulgadas. Para anulá-las, será necessário um longo processo no Supremo Tribunal Federal. Certamente, ele não sera concluído ao menos antes do pleito municipal de 2016.
Que a velha mídia busque esconder o tema de seus leitores, é compreensível. Mas por que o assunto não é assumido com vigor pelos movimentos sociais e forças políticas que desejam enfrentar o poder das elites? Fazê-lo não abriria caminho para abrir, com a sociedade, um debate mais amplo sobre a corrupção? Não seria um meio de reverter a grande onda conservadora — que ameaça carimbar como “corruptos” todos os que se vestem de vermelho?
Para estas últimas perguntas, talvez não haja, ainda, respostas. Em tempos de desorientação política, até as grandes oportunidades parecem escorrer entre os dedos. Talvez este desperdício revele que são necessários novos atores, para lutar por transformações profundas na sociedade brasileira. A entrevista de José Antonio Moroni indica que as brechas continuam abertas.
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