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terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Posse de arma de fogo com registro vencido não configura crime


Recente decisão do STJ afastou a configuração do crime de posse de arma de fogo nas hipóteses de registro com validade vencida.

De acordo com o novo entendimento do STJ, a posse de arma de fogo, obtida de forma lícita, mas com registro vencido, não configura crime.

Analisemos a aplicação da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento)em relação a posse irregular de arma de fogo.


Posse irregular de arma de fogo na Lei 10.826/03



Prevista no artigo 12 do atual Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), a posse irregular de arma de fogo de calibre permitido prevê pena de 1 a 3 anos de detenção e multa; já a de calibre restrito, está prevista no art. 16, com pena de 3 a 6 anos de reclusão e multa.

Com base nos artigo 5º, § 3º, e artigo 30 da Lei 10.826/03, foi possibilitado aos possuidores de arma de fogo, promover seu recadastramento ou registro inicial junto à Polícia Federal. Uma vez preenchidos os requisitos possuidores e proprietários de arma de fogo ficam autorizados a possuí-la e mantê-la sob os seus cuidados. O referido Estatuto remete à obrigatoriedade do registro de arma de fogo no órgão competente até 31 de dezembro de 2008, com a prorrogação estabelecida no artigo 20 da Lei 11.922/09, estendeu-se o prazo até 31 de dezembro de 2009.

Encerrado o prazo, todas as armas passaram a exigir a renovação de seus registros a cada 03 anos (art. 5º, §2º da Lei 10.826/03) e o tipo penal adquiriu sua plena eficácia. O registro pode ser renovado sucessivas vezes, desde que o proprietário e possuidor de arma de fogo comprove novamente os requisitos supramencionados.

Com isso, a irregularidade na posse da arma para a configuração do delito era tomada em sentido amplo, sendo equiparadas as armas jamais registradas e aquelas cujo registro teve sua validade expirada, bastando que uma arma de origem lícita tivesse seu registro vencido para já ser considerada uma “arma do crime”, cabendo prisão do agente por posse irregular de arma de fogo, pois estaria em “desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

Novo entendimento do STJ

 

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que a posse de arma de fogo com o registro vencido não é crime. No julgamento do Habeas Corpus nº 294.078-SP, a corte, por sua Quinta Turma, pela primeira vez afastou a configuração de crime por alguém manter em seu poder uma arma de fogo com registro vencido.

O entendimento agora alcançado, contudo, estabeleceu nítida distinção entre a posse intencionalmente irregular e aquela decorrente da mera inobservância de um procedimento burocrático. Conforme entenderam os ministros do STJ, se uma arma foi originalmente registrada, a ausência de renovação do respectivo registro “não pode extrapolar a esfera administrativa”, não se prestando, portanto, à configuração de crime, uma vez que, para o Direito Penal, a mera falta daquela renovação não apresenta relevância capaz de automaticamente transformar o proprietário da arma em criminoso. Com isso, a ele podem ser aplicadas, tão somente, sanções de âmbito administrativo, mas não penais.

O Ministro Relator Marco Aurélio Belizze, compreendeu que por mais que a arma de fogo esteja irregular, em razão do vencimento do seu registro, não caberia qualquer sanção criminal, por ser materialmente atípica a conduta do agente, sendo passível apenas de sanção administrativa. Acrescentou, ainda, que “a mera inobservância da exigência de recadastramento periódico não pode conduzir à estigmatizadora e automática incriminação penal”.

No seu voto, o relator ainda menciona o Projeto de Lei 3.722/2012, em trâmite na Câmara dos Deputados, que visa substituir o Estatuto do Desarmamento, e que prevê como típica a conduta de possuir arma de fogo sem o devido registro, mas não menciona a suposta irregularidade abstrata como elementar do tipo.

Veja o Habeas Corpus nº 294.078/SP – Quinta Turma do STJ:

HABEAS CORPUS Nº 294.078 – SP (2014/0106215-5)
RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
IMPETRANTE: EDUARDO NUNES DE SOUZA E OUTRO
ADVOGADO: EDUARDO NUNES DE SOUZA E OUTRO(S)
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE: SERGIO FERNANDES DE MATOS

EMENTA

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2. ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO COM O REGISTRO VENCIDO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO PENAL. PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA QUE SE MOSTRA SUFICIENTE. 3. ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no intuito de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente – a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício –, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

2. O trancamento de ação penal na via estreita do writ configura medida de exceção, somente cabível nas hipóteses em que se demonstrar, à luz da evidência, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou outras situações comprováveis de plano, suficientes ao prematuro encerramento da persecução penal. Na espécie, o paciente foi denunciado pela suposta prática da conduta descrita no art. 12 da Lei n. 10.826/2003, por possuir irregularmente um revólver marca Taurus, calibre 38, número QK 591720, além de dezoito cartuchos de munição do mesmo calibre.

3. Todavia, no caso, a questão não pode extrapolar a esfera administrativa, uma vez que ausente a imprescindível tipicidade material, pois, constatado que o paciente detinha o devido registro da arma de fogo de uso permitido encontrada em sua residência – de forma que o Poder Público tinha completo conhecimento da posse do artefato em questão, podendo rastreá-lo se necessário –, inexiste ofensividade na conduta. A mera inobservância da exigência de recadastramento periódico não pode conduzir à estigmatizadora e automática incriminação penal. Cabe ao Estado apreender a arma e aplicar a punição administrativa pertinente, não estando em consonância com o Direito Penal moderno deflagrar uma ação penal para a imposição de pena tão somente porque o indivíduo – devidamente autorizado a possuir a arma pelo Poder Público, diga-se de passagem – deixou de ir de tempos em tempos efetuar o recadastramento do artefato. Portanto, até mesmo por questões de política criminal, não há como submeter o paciente às agruras de uma condenação penal por uma conduta que não apresentou nenhuma lesividade relevante aos bens jurídicos tutelados pela Lei n. 10.826/2003, não incrementou o risco e pode ser resolvida na via administrativa.

4. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, para extinguir a Ação Penal n. 0008206-42.2013.8.26.0068 movida em desfavor do paciente, ante a evidente falta de justa causa.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder habeas corpus de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Regina Helena Costa, Laurita Vaz e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 26 de agosto de 2014 (data do julgamento).

Com esta decisão, o STJ lançou nova luz sobre o tratamento penal da posse irregular de arma de fogo, abrindo importantíssimo precedente, o que pode indicar uma significativa evolução, não só na aplicação do vigente estatuto do desarmamento, mas na própria alteração das leis que regulamentam o acesso a armas.


Referência:

– SÃO PAULO. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 294.078 – SP (2014/0106215-5), Matéria Criminal. Quinta Turma, Relator: Marco Aurélio Belizze, Julgado em: 26 ago. 2014.
– OLIVEIRA JÚNIOR, Ivan Pareta de. Posse de arma de fogo com o registro vencido. A decisão do STJ no julgamento do HC 294.078-SP e a aplicação da Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento). Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4097, 19 set. 2014. Disponível em:

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