Leonardo Boff, filósofo/e teólogo
O cataclisma ambiental, social e humano que se abateu sobre as três cidades serranas do Estado do Rio de Janeiro - Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo -, na segunda semana de janeiro de 2011, com centenas de mortos, destruição de regiões inteiras e um incomensurável sofrimento dos que perderam familiares, casas e todos os haveres tem como causa mais imediata as chuvas torrenciais, próprias do verão, a configuração geofísica das montanhas, com pouca capa de solo sobre o qual cresce exuberante floresta subtropical, assentada sobre imensas rochas lisas que por causa da infiltração das águas e o peso da vegetação provocam freqüentemente deslizamentos fatais.
Culpam-se pessoas que ocuparam áreas de risco, incriminam-se políticos corruptos que distribuíram terrenos perigosos a pobres, critica-se o poder público que se mostrou leniente e não fez obras de prevenção, por não serem visíveis e não angariarem votos. Nisso tudo há muita verdade. Mas nisso não reside a causa principal desta tragédia avassaladora.
A causa principal deriva do modo como costumamos tratar a natureza. Ela é generosa para conosco, pois nos oferece tudo o que precisamos para viver. Mas nós, em contrapartida, a consideramos como um objeto qualquer, entregue ao nosso bel-prazer, sem nenhum sentido de responsabilidade pela sua preservação nem lhe damos alguma retribuição. Ao contrário, tratamo-la com violência, depredamo-la, arrancando tudo o que podemos dela para nosso benefício. E ainda a transformamos numa imensa lixeira de nossos dejetos.
Pior ainda: nós não conhecemos sua natureza e sua história. Somos analfabetos e ignorantes da história que se realizou nos nossos lugares no percurso de milhares e milhares de anos. Não nos preocupamos em conhecer a flora e a fauna, as montanhas, os rios, as paisagens, as pessoas significativas que aí viveram, artistas, poetas, governantes, sábios e construtores.
Somos, em grande parte, ainda devedores do espírito científico moderno que identifica a realidade com seus aspectos meramente materiais e mecanicistas sem incluir nela, a vida, a consciência e a comunhão íntima com as coisas que os poetas, músicos e artistas nos evocam em suas magníficas obras. O universo e a natureza possuem história. Ela está sendo contada pelas estrelas, pela Terra, pelo afloramento e elevação das montanhas, pelos animais, pelas florestas e pelos rios. Nossa tarefa é saber escutar e interpretar as mensagens que eles nos mandam. Os povos originários sabiam captar cada movimento das nuvens, o sentido dos ventos e sabiam quando vinham ou não trombas d’água. Chico Mendes com quem participei de longas penetrações na floresta amazônica do Acre sabia interpretar cada ruído da selva, ler sinais da passagem de onças nas folhas do chão e, com o ouvido colado ao chão, sabia a direção em que ia a manada de perigosos porcos selvagens. Nós desaprendemos tudo isso. Com o recurso das ciências lemos a história inscrita nas camadas de cada ser. Mas esse conhecimento não entrou nos currículos escolares nem se transformou em cultura geral. Antes, virou técnica para dominar a natureza e acumular.
No caso das cidades serranas: é natural que haja chuvas torrenciais no verão. Sempre podem ocorrer desmoronamentos de encostas. Sabemos que já se instalou o aquecimento global que torna os eventos extremos mais freqüentes e mais densos. Conhecemos os vales profundos e os riachos que correm neles. Mas não escutamos a mensagem que eles nos enviam que é: não construir casas nas encostas; não morar perto do rio e preservar zelosamente a mata ciliar. O rio possui dois leitos: um normal, menor, pelo qual fluem as águas correntes e outro maior que dá vazão às grandes águas das chuvas torrenciais. Nesta parte não se pode construir e morar.
Estamos pagando alto preço pelo nosso descaso e pela dizimação da mata atlântica que equilibrava o regime das chuvas. O que se impõe agora é escutar a natureza e fazer obras preventivas que respeitem o modo de ser de cada encosta, de cada vale e de cada rio.
Estamos pagando alto preço pelo nosso descaso e pela dizimação da mata atlântica que equilibrava o regime das chuvas. O que se impõe agora é escutar a natureza e fazer obras preventivas que respeitem o modo de ser de cada encosta, de cada vale e de cada rio.
Só controlamos a natureza na medida em que lhe obedecemos e soubermos escutar suas mensagens e ler seus sinais. Caso contrário teremos que contar com tragédias fatais evitáveis.
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A hipocrisia das Organizações Globo na hora da tragédia
Numa hora dessas o mais importante é a solidariedade. Não é hora de fazer política. Mas também é uma indignidade usar de hipocrisia, como fazem os veículos das Organizações Globo.
A capa de O Globo mostra a demagogia numa hora dessas. Cobra das autoridades federais verbas para a prevenção de tragédias, para a contenção de encostas. Essa cobrança mereceria os meus aplausos se fosse pra valer.
Mas não dá pra esconder, que em outubro do ano passado, o governador Sérgio Cabral desviou R$ 24 milhões do FECAM (Fundo Estadual de Conservação do Meio Ambiente), para a contenção de encostas e obras de drenagem e deu para a Fundação Roberto Marinho, conforme poderão relembrar, na reprodução abaixo. Eu fiz a denúncia no blog, no dia 20 de outubro de 2010 e não saiu uma linha na imprensa.
Então não venham de hipocrisia. Os mesmos veículos das Organizações Globo que estão cobrando investimentos públicos – o que é emergencial, é claro – escondem que a fundação dos seus patrões, a família Marinho pegou R$ 24 milhões, dados por Cabral, que era para terem sido usados na prevenção de enchentes e contenção de encostas. É tudo lastimável.
Raquel Rolnik, relatora da ONU para a Moradia digna disse: “Na última terça-feira, dia 11/01/2001, participei do Jornal da TV Cultura, falando sobre o problema das chuvas que atingem várias regiões do nosso país nesta época do ano. Depois da apresentação de uma reportagem que mostrava deslizamentos de encostas e perdas de vidas em várias cidades, a primeira pergunta do apresentador Heródoto Barbeiro foi: "isso tem solução?"
Segue abaixo a minha resposta:
"Tem solução, sim. Evidentemente algumas medidas são paliativas. Há formas de intervenção para melhorar a estabilidade dos terrenos, drenar melhor a água, conter encostas, ou seja, melhorar a condição de segurança e a gestão do lugar para que, mesmo numa situação de risco, se possam evitar mortes.
Mas a questão de fundo é que ninguém vai morar numa área de risco porque quer ou porque é burro. As pessoas vão morar numa área de risco porque não têm nenhuma opção para a renda que possuem. Estamos falando de trabalhadores cujo rendimento não possibilita a compra ou aluguel de uma moradia num local adequado. E isso se repete em todas as cidades e regiões metropolitanas.
Não adiantam nada as obras paliativas aqui e ali se não tocarmos nesse ponto fundamental que é: quais são os locais adequados, ou seja, fora das áreas de risco, que serão abertos ou disponibilizados para que a população de menor renda possa morar?".
Quem quiser assistir a edição completa do telejornal, pode acessar o site da TV Cultura no seguinte link: http://www.tvcultura.com.br/jornal-da-cultura/programa/jc20110111
14/1/2011
''Brasil não é Bangladesh. Não tem desculpa'', afirma consultora da ONU
"O Brasil não é Bangladesh e não tem nenhuma desculpa para permitir, no século XXI, que pessoas morram em deslizamentos de terras causados por chuva." O
alerta foi feito pela consultora externa da ONU e diretora do Centro para a Pesquisa da Epidemiologia de Desastres, Debarati Guha-Sapir. Conhecida como
uma das maiores especialistas no mundo em desastres naturais e estratégias para dar respostas a crises, Debarati lançou duras críticas ao Brasil. Para
ela, só um fator mata depois da chuva: "descaso político."
A entrevista é publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 14-01-2011.
Eis a entrevista.
Como a senhora avalia o drama vivido no Brasil?
Não sei se os brasileiros já fizeram a conta, mas o País já viveu 37 enchentes, em apenas dez anos. É um número enorme e mostra que os problemas das chuvas
estão se tornando cada vez mais frequentes no País.
O que vemos com o alto número de mortos é um resultado direto de fenômenos naturais?
Não, de forma alguma. As chuvas são fenômenos naturais. Mas essas pessoas morreram, porque não têm peso político algum e não há vontade política para resolver seus dramas, que se repetem ano após ano.
Custa caro se preparar?
Não. O Brasil é um país que já sabe que tem esse problema de forma recorrente. Portanto, não há desculpa para não se preparar ou se dizer surpreendido pela chuva. Além disso, o Brasil é um país que tem dinheiro, pelo menos para o que quer.
E como se preparar então?
Enchentes ocorrem sempre nos mesmo lugares, portanto, não são surpresas. O problema é que, se nada é feito, elas aparentemente só ficam mais violentas.
A segunda grande vantagem de um país que apenas enfrenta enchentes é que a tecnologia para lidar com isso e para preparar áreas é barata e está disponível.
O Brasil praticamente só tem um problema natural e não consegue lidar com ele. Imagine se tivesse terremoto, vulcão, furacões...
14/1/2011
Não é a chuva que deve ir para a cadeia
"Os brasileiros estão perdendo mais uma chance de bater com força no projeto de lei número 1876/99, que o deputado Aldo Rabelo transfigurou, para enquadrar
o Código Florestal nos princípios do fato consumado", escreve Marcos Sá Corrêa, jornalista, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 14-01-2011.
Pois, segundo o jornalista, o 'novo' Código Florestal, "reduz à metade as áreas de preservação em margens de rio, dispensa da reserva legal propriedades
pequenas ou médias e consolida os desmatamentos ilegais. Nunca foi tão fácil saber aonde ele quer chegar, folheando as fotografias aéreas das avalanches
em Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Dá para ver nas imagens o que havia antes nos pontos mais atingidos. É o que o novo Código Florestal vai produzir
no campo".
Eis o artigo.
Das surpresas do clima, quem pode falar por todos os políticos com conhecimento de causa são os faraós egípcios. Eles, como o ex-presidente Lula, agiam
como enviados do céu à Terra. E, ao contrário do ex-presidente Lula, não falam desde que saíram de cena, a não ser por intermédio de escribas e hieróglifos.
Mas, como encarnações do Sol, se o Sol fracassava lá em cima, eram arrancados do trono cá embaixo, surrados e cuspidos no fundo do Nilo. Tudo porque o rio
deixava de inundar o delta que nutria seu reino agrícola. Lá, o regime político mudava conforme o regime do rio. Tornava-se violento e insurreto até o
Nilo voltar à normalidade, irrigando uma nova dinastia.
As vítimas dessas tragédias políticas e climáticas não tinham, na época, como saber que as cheias do Nilo eram regidas pelas chuvas de monção do Sudeste
Asiático, que por sua vez dependiam de ventos conjurados pela temperatura das águas no Oceano Pacífico, do outro lado da terra, na costa da América do
Sul, um lugar mais distante que o Sol do cotidiano egípcio.
O culpado da desordem era um fenômeno natural que só entrou há duas décadas no noticiário internacional, com o nome de El Niño. Mas deixar o clima fazer
seus estragos à solta, em Tebas ou Mênfis, tinha custo político, porque da regularidade do rio dependiam vidas humanas. O preço era injusto, cruel e exorbitante.
Como é injusto, e talvez seja também cruel e exorbitante, que hoje não se processe no Brasil, por homicídio culposo, o político que patrocina baixas evitáveis
e supérfluas em encostas carcomidas e vales entulhados por ocupações criminosas.
No dia em que um prefeito, olhando as nuvens no horizonte, enxergar a mais remota possibilidade de ir para a cadeia pelas mortes que poderia impedir e incentivou,
as cidades brasileiras deixariam aos poucos de ser quase todas, como são, feias, vulneráveis e decrépitas. De graça ou com o dinheiro virtual do PAC, os
políticos não consertarão nunca a desordem que os elege.
Não adianta ameaçá-los com ações contra o Estado ou a administração pública, porque o Estado e a administração pública, na hora de pagar a conta, somos
nós, os contribuintes. O remédio é responsabilizar homens públicos como pessoas físicas pelos crimes que cometem contra a vida. Às vezes em série, como
acaba de acontecer na região serrana do Rio de Janeiro.
O resto é conversa fiada. Ou, pior, papo de verão em voo de helicóptero, que nessas ocasiões poupa às autoridades até o incômodo de sujar os sapatos na
lama. Pobres faraós. O longo e virtuoso o caminho civilizatório que nos separa de seu linchamento está nos levando de volta à impunidade anárquica das
entressafras dinásticas, quando a favelização lambia até as suntuosas muralhas de Luxor.
Linchar um político não é a mesma coisa que malhar seus projetos. E os brasileiros estão perdendo mais uma chance de bater com força no projeto de lei número
1876/99, que o deputado Aldo Rabelo transfigurou, para enquadrar o Código Florestal nos princípios do fato consumado. Ele reduz à metade as áreas de preservação
em margens de rio, dispensa da reserva legal propriedades pequenas ou médias e consolida os desmatamentos ilegais. Nunca foi tão fácil saber aonde ele
quer chegar, folheando as fotografias aéreas das avalanches em Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Dá para ver nas imagens o que havia antes nos pontos
mais atingidos. É o que o novo Código Florestal vai produzir no campo. Mais disso.
14/1/2011
Ministério da Catástrofe
Para o simples viajante pelas paragens de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, "o futuro já estava escrito na parede", comenta Ruy Castro, escritor,
em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 14-01-2011.
Eis o artigo.
Funcionários de pelo menos cinco ministérios - Meio Ambiente, Cidades, Transportes, Bem-Estar Social e Integração Nacional - já deviam ter passado pelas
estradas por fora de Petrópolis, Teresópolis e Friburgo nos últimos anos e observado que a ocupação das encostas, por pobres e ricos, na região serrana
do Estado do Rio não podia acabar bem.
Para mim, simples viajante por aquelas paragens, o futuro já estava escrito na parede. A favelização das encostas era algo que chocava, pela velocidade,
até quem levou a vida acompanhando o mesmo espetáculo nos morros do Rio. Custava a crer que os próprios prefeitos e governadores tolerassem tal abscesso
numa área que vive de sua beleza e tradição.
Pelo visto, esses ministérios, apesar dos nomes, têm outras atribuições que os impedem de enxergar o óbvio. Donde a solução pode estar na criação de mais
um ministério, de função explícita e exclusiva: o Ministério da Catástrofe. Teria a atribuição de tentar prevenir tragédias onde elas estivessem sujeitas
a acontecer, lutar para que não acontecessem e, no caso de mesmo assim elas se materializarem, avaliar os estragos e o custo da recuperação, mandar o dinheiro
e cuidar para que fosse aplicado.
Você dirá que são atribuições de mais para um ministério e, afinal, elas já competem àqueles outros ministérios. Talvez. Mas quem sabe assim as verbas prometidas
pelo governo federal a cada catástrofe não passem a chegar na íntegra aos que precisam delas, e não apenas uma avara fração do dinheiro prometido, como
de praxe?
Você dirá também que já temos ministérios demais, que este seria o 38º no leque em mãos da presidente Dilma e tão inútil quanto, digamos, o Ministério da
Pesca. É verdade. Mas pense na necessidade que o governo tem de acomodar os derrotados do seu partido em cargos de poder e com acesso a verbas.
Deslizamento é um dos dez maiores do mundo, diz ONU
O drama que assola a região serrana do Rio já está entre os dez piores deslizamentos do mundo nos últimos 111 anos. O número de vítimas do desastre ultrapassou
o de uma tragédia na China que até então ocupava a décima posição no ranking da ONU - ainda não atualizado. Além disso, o deslizamento desta semana já
é o segundo maior do mundo no último ano e o terceiro maior da década.
A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 14-01-2011.
Os dados fazem parte do banco de estatísticas do Centro para a Pesquisa da Epidemiologia de Desastres. A entidade com sede na Bélgica fornece os números
oficiais da ONU para avaliar respostas a desastres naturais pelo mundo. A organização coleta dados desde 1900. Para especialistas, problemas semelhantes
ao do Rio já vêm sendo registrado no Brasil há anos e as explicações estão na falta de vontade política e de investimentos.
Até ontem, o ranking dos dez piores deslizamentos no mundo tinha como nono e décimo lugares, respectivamente, desastres no Peru (600 mortos) e China (500).
Até o fechamento desta edição, às 23h45, 510 pessoas haviam morrido no Rio.
O maior desastre relacionado a um deslizamento de terra, porém, aconteceu em 1949, na União Soviética, com 12 mil mortos. O segundo maior foi no Peru, em
dezembro de 1941, e deixou 5 mil vítimas.
Apesar da grande quantidade de água que desceu morro abaixo, especialistas brasileiros e a própria ONU classificam o fenômeno natural como deslizamento,
e não enchente - que tecnicamente ocorre quando o nível de água de um rio sobe além do normal e destrói casas construídas nas margens. Isso também ocorreu,
mas grande parte da destruição e das mortes foi causada pelos deslizamentos.
O evento também é o pior deslizamento de toda a história do Brasil. Ele superou em número de vítimas o registrado em 1967, em Caraguatatuba, quando 436
pessoas morreram. A tragédia desta semana é a segunda pior catástrofe climática do País - também em 1967, uma enchente no Rio matou 785 pessoas. No topo
da lista está uma epidemia de meningite de 1974 em São Paulo , ainda contabilizada pela ONU como o maior desastre natural do País.
Últimos 12 meses
Em um ano, o desastre fluminense também já entra para os registros da ONU, superado apenas por um incidente em agosto de 2010 na China, com 1,7 mil mortos.
Na década, apenas dois deslizamentos de terra foram mais mortais que o do Estado do Rio desta semana. Além do que ocorreu no ano passado na China, as Filipinas
registraram um desastre desse tipo em 2006, que deixou 1.126 mortos.
Não é a primeira vez que o País aparece com destaque na lista de desastres naturais. Em 2008, o Brasil foi o 13.º país mais afetado por desastres naturais.
Pelo menos 2 milhões de pessoas foram atingidas, principalmente por chuvas. Só as de Santa Catarina, em novembro daquele ano, atingiram 1,5 milhão de pessoas.
Segundo especialistas, as vítimas poderiam ter sido poupadas. Em 2009, o Brasil subiu na escala e foi o 6.º país no mundo a enfrentar o maior número de
desastres naturais. O alerta na época havia sido do Departamento para a Redução de Desastres da ONU.
Segundo a estimativa, dez desastres naturais atingiram o Brasil entre janeiro e dezembro de 2009. Grande parte relacionada a chuvas torrenciais, deslizamento
de terra e enchentes.
Desastres
Na década, o Brasil sofreu mais fenômenos devastadores que países tradicionalmente afetados por problemas naturais, como México e Bangladesh. A liderança
é das Filipinas, com 26 casos em 2009. A China vinha em segundo, com 23, seguida pelos Estados Unidos, com 16 desastres naturais em 2009.
No total, 181 pessoas morreram no Brasil em 2009 por causa de chuvas, deslizamentos e enchentes. Em abril, 56 pessoas morreram com alagamentos e deslizamentos
no Nordeste. Em dezembro, São Paulo teve 23 mortes e prejuízo de US$ 8,4 milhões. No mesmo mês, houve ainda mais 72 mortes por deslizamentos no Rio.
No mundo, os desastres naturais mataram 10,4 mil pessoas em 2009. Foram, no total, 327 incidentes, com prejuízos de US$ 34,9 bilhões.
14/1/2011
Memórias recorrentes
"O remanejamento da população é caro, mas deve ser feito", afirma Heloisa Magalhães, jornalista, em artigo publicado no jornal Valor, 14-01-2011.
Eis o artigo.
Era 11 de janeiro de 1966, exatamente 45 anos antes da noite de início da tragédia na serra fluminense. Morava com minha família em uma casa no Cosme Velho
construída por meu pai, engenheiro calculista. Para quem não conhece, é o bairro onde está a estação do bondinho de acesso ao Cristo Redentor, um vale
entre belas encostas do Rio.
Acordamos, de madrugada, com uma chuva apavorante. Na véspera, já fôramos surpreendidos pela descida de parte da encosta atingindo os fundos da casa. Nada
sério, mas na noite seguinte foi diferente, foi o dia em que o Rio enfrentou uma das grandes tragédias causadas por chuvas de verão. Morreram 140 pessoas.
Um edifício inteiro caiu no bairro de Santa Tereza, matando grande parte dos moradores.
Naquela noite, terra e lama invadiram até o teto do primeiro andar da nossa casa, cobrindo e destruindo móveis e objetos na sala de estar, cozinha e varanda.
No momento do desmoronamento, por sorte, os quatro filhos, estavam todos no quarto dos pais e ninguém foi atingido.
Passado o pânico com o barulho estonteante de montanhas de terra caindo e quebra dos vidros das janelas, vizinhos, solidários, vieram nos socorrer levando
a família para suas casas, rua acima. Tudo debaixo de chuva torrencial.
Passado o susto, meu pai tratou de estudar geotécnica. Projetou um sistema de proteção na encosta no morro atrás da casa, cujo topo vinha silenciosamente
sendo ocupado por moradias irregulares.
A terra jamais voltou a invadir a casa. Mas, por muitos anos, a cada verão, mesmo depois dos filhos terem seguido rumo próprio, bastava uma chuva forte
para todos, tentando mostrar calma, telefonarem para saber se estava tudo bem por lá.
O Rio de Janeiro vive históricas e seculares enchentes. O jornal "Extra" mostrou, ontem, que apenas entre 2001 e 2010, todos os anos morreram pessoas vítimas
de enchentes, totalizando 554 óbitos. Este ano, já houve 444 mortos identificados na região serrana fluminense.
Certamente muitas análises e mapeamentos já foram feitos, e a cidade reduziu as consequências protegendo encostas, deslocando moradores em áreas de risco.
Mas o que se sabe é que há planos que ficam nas prateleiras. Em Teresópolis, por exemplo, a defesa civil, na gestão passada, produziu um relatório detalhado
e um chamado Plano Municipal de Redução de Riscos. Na atual, o plano foi refeito. A proposta era localizar todas as áreas de risco invadidas e tirar a
população. Mas segundo uma fonte que acompanhou o processo, praticamente nada foi realizado.
A doutora em geografia do meio-ambiente Ana Luiza Coelho Netto, do Instituto de Geociências, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), defende uma
ação ampla. Diz que o momento é um alerta para ser repensado o modelo de planejamento da ocupação de toda a região Sudeste, principalmente as áreas mais
montanhosas. Ela lembra que nelas há deslizamentos, independentemente da presença humana. O problema é que hoje as terras são ocupadas desordenadamente,
seja pela agricultura ou por habitações dos de baixa renda ou não, causando importantes perdas, e com isso acabam se configurando grandes catástrofes.
"Atrás das cicatrizes dos deslizamentos ficam clareiras nas encostas, perdendo-se elementos que dariam resistência ao solo. Com planejamento adequado, as
chuvas de grande magnitude não impediriam o deslizamento, mas não atingiriam a dimensão das perdas que estamos assistindo", afirma.
O também professor e economista da mesma UFRJ, Mauro Osório, estudioso do Estado, lembra que há décadas se sabe que a cidade do Rio de Janeiro, por exemplo,
conta com áreas abaixo do nível do mar. Uma delas é a Praça da Bandeira, perto do estádio do Maracanã, onde há um rio com o mesmo nome, parte dele canalizado,
e as enchentes se repetem ano a ano.
Ele reconhece que foram realizadas muitas obras de contenção de encostas na cidade e que, ainda na década de 60, foi criado um instituto equivalente a atual
GeoRio. Como muitos municípios não têm condições de arcar com os custos dos estudos de ocupação e processos de recuperação de encostas, sugere na linha
da professora Ana Luiza a realização de um planejamento amplo, a adoção de um modelo de consórcios unindo prefeituras e o governo do Estado para a região
serrana, em especial, contar com um trabalho permanente de proteção das encostas.
Osório lembra que o Estado do Rio de Janeiro sofreu com uma "lógica de políticos clientelistas" que não trabalharam com planejamento, facilitando invasão
moradia em lugar precário causada, em boa parte, pela ausência de alternativa.
Sergio Besserman, ambientalista, membro do conselho diretor da WWF-Brasil que trabalha no tema mudanças climáticas desde 1992, avalia que não há solução
de curto prazo e destaca que o diagnóstico é de três agendas.
Uma delas é a "do passado", a da ocupação irregular, sem planejamento. "Ninguém fez nada na área de habitação e as pessoas tem que morar. Saíram procurando
lugares mais baratos e vulneráveis. Mas, obviamente, não é possível realocar todas as pessoas da noite para o dia, é preciso tempo. No Rio, há 18 mil casas
em locais de risco. Custa caro o remanejamento, mas os governos vão ter que lidar com isso". Essa é a agenda do presente.
Ele destaca, contudo, que há "a agenda do futuro e as notícias não são boas". Ele avalia que neste verão choveu como há 40 anos atrás e "não pode se afirmar
que foi o aquecimento global, mas o certo é prever que vai voltar a chover assim e não vai mais demorar 40 anos para acontecer. As chuvas serão com mais
frequência e intensidade", alerta.
14/1/2011
Estudo mostra que medidas básicas de prevenção poderiam salvar muitas vidas
"Uma vergonha nacional." Assim o professor Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (Coppe/RJ), define a catástrofe que abalou a região serrana do Estado, destruindo o centro de Nova Friburgo e bairros de Petrópolis
e Teresópolis. "São recorrentes esses desastres", diz, resgatando da memória em alguns segundos pelo menos quatro grandes tragédias parecidas nos últimos
40 anos.
A reportagem é de Janes Rocha e publicada pelo jornal Valor, 14-01-2011.
Para ficar só nos episódios mais recentes, Pinguelli lembrou dos temporais seguidos de deslizamentos de terra que causaram morte e destruição em Santa Catarina ,
em 2008. Atendendo o pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Coppe fez sugestões para prevenir e mitigar os efeitos das chuvas naquele Estado.
Em meados de janeiro de 2010, pouco depois de calamidade parecida em Angra dos Reis, e novamente atendendo a pedidos, dessa vez do Estado do Rio de Janeiro,
a Coppe entregou um documento com propostas semelhantes.
Basicamente foi sugerido: mapeamento das áreas de risco em encostas e planícies sujeitas a deslizamentos e enchentes; criação de núcleos de profissionais
em geologia; aquisição de radares meteorológicos; implantação de um programa permanente de educação ambiental e gestão de risco de enchentes e deslizamentos;
definição de critérios técnicos para adaptação da legislação para uso e ocupação do solo; criação de um grupo de trabalho com especialistas para apoiar
tecnicamente a implementação das medidas.
A adoção dessas medidas depende tanto do governo do Estado - a quem foi entregue o estudo - quanto dos municípios, aos quais estão atribuídas, por lei,
algumas tarefas, como a definição dos critérios para uso e ocupação do solo. Segundo Pinguelli Rosa e o professor de Geotecnia do Coppe, Willy Alvarenga
Lacerda, Angra dos Reis fez rapidamente a remoção de 500 casas e construção de um muro de contenção.
A avaliação de ambos é que a maior parte das medidas que dependiam do município foram tomadas, exceto as mais de fundo, que são a educação ambiental e adaptação
da legislação de ocupação do solo. O risco de uma nova tragédia foi eliminado? "Não", responde Lacerda. "Mas pelo menos as medidas estão sendo tomadas."
Pinguelli critica a falta de medidas básicas, que não custam nada comparadas à quantidade de vidas que podem ser salvas em casos de temporais com enxurradas
e deslizamentos de terra. Primeiro, a contratação de radares meteorológicos. Esse equipamento, que custa apenas R$ 2,5 milhões a unidade (com instalação),
é capaz de prever e informar a aproximação de tempestades e outros fenômenos climáticos de grande intensidade com antecedência. No entanto, o Brasil tem
apenas 11 deles, a maioria pertencente à Força Aérea, utilizados exclusivamente no controle do tráfego aéreo.
A recomendação do Coppe ao governo fluminense foi atendida em dezembro, quando a Fundação Instituto de Geotécnica do Município (Geo-Rio) começou a operar
um radar no morro do Sumaré, no Parque Nacional da Tijuca. Há um radar da Aeronáutica no Pico do Couto, em Petrópolis, mas mesmo que estivesse a serviço
da sociedade civil, não teria ajudado muito desta vez, porque ele quebrou na segunda-feira, uma noite antes da tragédia, disse Pinguelli.
De forma geral, diz o diretor do Coppe, não falta só prevenção, organização e política habitacional. "Aqui (no Brasil) não tem nem sequer um alerta", diz
o diretor do Coppe, comparando com os Estados Unidos e Europa, em que sirenes, rotas de fuga e abrigos estão sempre à disposição da população que vive
em áreas sujeitas a catástrofes naturais, e não apenas quando elas acontecem. "Os governos estaduais e municipais mantêm sistemas de alerta (climático),
inclusive partilhado com as empresas, mas nada chega a população. Toda a sociedade deveria ser alertada, tem que haver uma organização social e política.
Pelo menos teria que haver um alerta sonoro."
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