Que bom para os petistas que José Dirceu não ficará em cana tanto tempo assim — dado o regime de progressão, nem dois anos em regime fechado! Considerando o tamanho de sua obra, é claro que é pouco, né? Fosse mais tempo, José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça e seu companheiro de partido, recomendaria que se matasse, o que seria uma perda inestimável para a espécie. Ontem, numa palestra, este incrível falastrão, cujo partido está no poder há dez anos, afirmou que o sistema prisional brasileiro é tão ruim que, se prisioneiro fosse por longo período, preferiria morrer. Esses não são termos próprios a um homem público, é evidente. Quem formula e aplica políticas de estado não pode se dar a esses rasgos hiperbólicos ainda que seja um exemplo de eficiência — e esse, definitivamente, não é o caso de Cardozo.
Vamos ver. As palavras têm o sentido do dicionário e têm um contexto. O Brasil enfrenta — e não é só São Paulo, como dão a entender setores da imprensa engajados na pauta petista — o problema das organizações incrustadas em presídios. Trata-se de uma ação do crime organizado, que organizado seria ainda que as cadeias brasileiras contassem com os serviços de hotelaria do Fasano. A propósito: os estabelecimentos que abrigam os chefões costumam ser os melhores, sem problemas de superlotação.
Atribuir à superlotação o ciclo de violência é considerar que o rabo balança o cachorro. Os presídios são, sim, um problema, mas não a origem do mal. No momento em que São Paulo enfrenta uma onda industriada de violência, comandada por líderes criminosos que estão presos, fazer uma observação como essa corresponde a livrar a cara dos bandidos e a jogar a culpa nas costas largas da tal “sociedade”. Mais: aquele que fala, claro!, por definição, não é o responsável, certo? O senhor Cardozo se atribui o papel, vejam que mimo!, de ombudsman do governo, não de ministro de estado, a quem cumpre, entre outras coisas, oferecer uma solução para o problema que aponta.
Uma tese contra os fatosSegundo Cardozo, a situação dos presídios brasileiros é uma das causas da violência. Eu gostaria de vê-lo provar este brocardo do pensamento supostamente progressista, estabelecendo os devidos liames de causa e efeito. Ele não conseguirá fazê-lo simplesmente porque não existe essa relação. Trata-se de puro chute. A esmagadora maioria dos presos, diga-se, pode até estar submetida, nas celas, ao tacão das organizações criminosas, mas não pertence a facção nenhuma. Não é a superlotação que define se uma unidade prisional estará ou não sob a influência dos partidos do crime.
Esse pensamento de Cardozo é o que costumo definir como gato escondido com o rabo de fora. Ele tem uma raiz que não ficou clara na sua intervenção, mas que se pode deduzir. Atenção! Há um movimento que prospera nas áreas ditas “progressistas” do direito brasileiro segundo a qual o Brasil prende demais. Será mesmo? Tratei do assunto no dia 23 de julho deste ano. E indagava então: “O que é prender demais?”.
Qual é a base de comparação? Segundo dados do Departamento de Justiça dos EUA, havia em 2009 naquele país 2.292.133 pessoas efetivamente presas — atenção, outras 4.933.667 estavam em liberdade, mas enroscadas com a Justiça. As prisões juvenis reuniam mais 92.845 pessoas. Seriam os EUA uma ditadura, uma tirania, um exemplo de sociedade que esmaga as liberdades individuais??? Arredondemos para 500 mil os presos brasileiros. Isso significa 263 por grupo de 100 mil habitantes (tomo como base 190 milhões de habitantes). Huuummm… É muito? Nos EUA, eles são, atenção!, 744 por 100 mil!!! Quase o triplo. O Brasil tem 24 homicídios por 100 mil habitantes (números de 2010, segundo o “Mapa da Violência). Os EUA, 5!!! Menos de um quinto! Entenderam?
Há países que prendem menos do que os EUA, com menos homicídios? Há! É evidente que prender ou não prender bandidos não é o único fator da segurança pública. Mas uma coisa é certa: ninguém ainda inventou uma maneira de deixar um facínora solto e, ao mesmo tempo, diminuir a violência.
O Brasil prende demais? Está em 47º lugar na lista por 100 mil habitantes. E atenção! É assim por causa de São Paulo, onde estão 40% dos presos brasileiros, embora o estado tenha menos de 22% da população. De novo, vamos aos números: o estado tem, então, 606 presos por grupo de 100 mil habitantes. Isso quer dizer que o resto do Brasil tem apenas 168, quase o índice da Grã-Bretanha, queridos, que é de 143 por 100 mil. Se tirarmos São Paulo da conta, o Brasil salta para 30 mortos por 100 mil. Entenderam o ponto? Aquela parte do país que registra mais de 45 mil homicídios por ano tem um índice de encarceramento de padrão verdadeiramente britânico, onde há apenas 1,2 morto por 100 mil! Por que esses números não vêm a público? Por que os nossos repórteres não levam esses dados aos nossos libertários?
Ora, não por acaso, o estado que mais prende — São Paulo — viu despencar os índices de violência (a despeito das ocorrências dos últimos dias; ocupo-me da trajetória histórica): o índice de homicídios caiu quase 70% em 10 anos; o de assassinato de jovens, mais de 80%. Em alguns estados do Brasil, especialmente no Nordeste, a violência explodiu. E ela é tanto maior nos estados que… menos prendem bandidos!
A situação dos presídios brasileiros é lamentável? Na média, é, sim! Essa precariedade responde, no entanto, pela violência no país? Isso é uma conversa mole, uma estupidez. Os dados empíricos sugerem que não. O que se tem constatado, aí sim, é que a violência é menor nos estados que mais prendem bandidos — é o caso de São Paulo. Afirmar isso quando o estado está debaixo de vara e sob o ataque do PCC, do PTT, do PJP (Partido do Jornalismo Progressista) e do JEC (José Eduardo Cardozo) é uma verdade incômoda? É, sim, mas tem de ser dita.
Até porque eu sou um homem lógico e obrigo os que debatem comigo a também sê-lo. Se o doutor Cardozo acredita que a situação dos presídios responde pelo ciclo da violência, dado que não se vão fazer cadeias da noite para o dia, alguém pode ter a ideia feliz de soltar bandidos para… diminuir a violência, não é mesmo?
E o que faz Cardozo?Muito bem! O PT está no poder há dez anos. O que a Secretaria Nacional de Segurança, esta obra de ficção, fez até hoje para combater a violência? Como é que este senhor comanda a área que está diretamente ligada ao combate à violência e se sai com um diagnóstico do espanto, mas sem medida profilática? O que o ministro Cardozo efetivamente fez para, vá lá, melhorar a situação dos presídios ao menos? Eu conto: em 2011, a Secretaria sob o seu comando gastou R$ 1,5 bilhão a menos do que gastou em 2010.
Chega! José Eduardo Cardozo, com suas falas irresponsáveis, já fez muito mal aos paulistas — ou aos brasileiros de São Paulo. À frente do Ministério da Justiça, tem-se mostrado um falastrão, um boquirroto, mas sempre com aquele ar garboso de cavalo de parada. Em vez de dizer que cometeria suicídio se tivesse de cumprir uma pena longa em presídios brasileiros, deveria oferecer uma resposta às angústias da sociedade brasileira. Não tendo o que dizer, não chego a sugerir que se mate. Basta que se cale!
Por Reinaldo Azevedo
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