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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Justiça inglesa diz que ficha criminal viola direitos

Passado que condena



A reincidência é um dos principais problemas da criminalidade no Reino Unido. Reinserir condenados à convivência em sociedade é um dos caminhos para lidar com o problema. Antes de seguir esse caminho, no entanto, existe uma barreira: a ficha de antecedentes criminais, que fecha muitas portas. Nesta terça-feira (29/1), a Corte de Apelação da Inglaterra considerou que as regras que determinam o que entra e o que sai dessa lista suja violam direitos fundamentais dos condenados. O tribunal apelou ao Parlamento para reescrever legislação sobre o assunto.
No Reino Unido, assim como no Brasil, a ficha criminal de todos é pública e pode ser solicitada por quem interessar. A exigência dessa ficha é pré-requisito para a contratação de profissionais para determinados cargos, especialmente aqueles que vão lidar diretamente com crianças ou com adultos incapazes. Qualquer item nessa lista é suficiente para acabar com a carreira de um professor ou psicólogo, por exemplo.
Foi o que aconteceu com duas pessoas que recorreram à Justiça para evitar que o histórico criminal as continuasse impedindo de arrumar um emprego. T. e JB., que tiveram seus nomes preservados pelos juízes, receberam uma advertência da Polícia por furto há mais de 10 anos. A advertência policial está prevista pela legislação britânica para crimes considerados inofensivos. Casos que no Brasil seriam desconsiderados pela Justiça com base no princípio da insignificância, na Inglaterra, nem chegam aos tribunais. A Polícia reconhece a insignificância do crime e adverte formalmente o infrator. Essa advertência é considerada um antecedente criminal.
T., hoje com 23 anos, foi advertido duas vezes pela Polícia quando tinha 11 anos por roubar bicicletas. JB. recebeu a advertência aos 40 anos por tentar furtar de uma loja um pacote de unhas postiças. Nos dois casos, passados 10 anos, as advertências continuam a fazer parte da ficha criminal dos dois. T. foi impedido de trabalhar numa escola de futebol e JB. teve de desistir de sua carreira no serviço social.
Ao analisar esses dois casos, os juízes da Corte de Apelação reconheceram que há uma flagrante violação de direitos fundamentais dos dois envolvidos. Eles consideraram que a falta de regras claras que determinem até quando uma condenação ou uma advertência deve integrar lista de antecedentes criminais é uma interferência indevida na vida privada de cada um, o que viola o previsto no artigo 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos. O dispositivo garante o respeito à vida privada e familiar e estabelece que as autoridades públicas só podem interferir nesse direito para garantir a segurança nacional, o bem-estar social e econômico do país e os direitos de terceiros.
A Corte de Apelação pediu ao Parlamento para editar regras sobre a divulgação de antecedentes criminais. A criação dessas regras já foi discutida por uma comissão especial no final de 2010, estabelecida para verificar se existia um equilíbrio justo entre as liberdades civis e a proteção da sociedade. Na ocasião, a comissão sugeriu mudanças na lei para permitir a criação de um filtro para a lista de antecedentes.
Uma das propostas discutidas foi permitir que crimes insignificantes deixassem de integrar a ficha criminal depois de um tempo curto. A comissão observou que a criação desse filtro seria necessária para impedir que a ficha criminal atrapalhasse a vida profissional de um trabalhador para sempre. Para o grupo, deveriam ser instituídos mecanismos que permitissem às autoridades avaliar os pedidos de possíveis empregadores para decidir o que é relevante informar e o que não é.
Também foi sugerido que os pequenos crimes cometidos por crianças recebessem um tratamento diferente quanto a ser ou não antecedente criminal. Na Inglaterra, a maioridade penal é de 10 anos. Da maneira como funciona hoje, o furto de uma bala cometido por uma criança pode impedir que ela seja um dia professor de menores, por exemplo. Na época, o governo respondeu que estudaria as propostas e defendeu que os empregadores são capazes de avaliar a lista completa de antecedentes criminais de candidatos e selecionar as informações importantes.
Nesta terça-feira (29/1), ao divulgar a sua decisão, a Corte de Apelação rejeitou o argumento do governo. Os juízes consideraram opiniões de especialistas no sentido de que os empregadores dificilmente avaliam o que está na lista de antecedentes criminais corretamente. A tarefa deveria ser das autoridades públicas, explicaram. A decisão do tribunal não é definitiva e ainda pode ser modificada pela Suprema Corte do Reino Unido.

Clique aqui para ler a decisão em inglês.
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico

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