Reprodução do documento publicado nesta quarta-feira 23 pelo jornal Diário de São Paulo
Um
documento com teor racista, assinado pelo capitão da Polícia Militar de
São Paulo Ubiratan de Carvalho Góes Beneducci, veio à tona nesta
quarta-feira 23 e gerou revolta de organizações de Direitos Humanos e de
igualdade racial. O documento, divulgado pelo jornal Diário de São Paulo,
orienta policias que trabalham no bairro Taquaral, região nobre de
Campinas, a abordarem com rigor pessoas “em atitude suspeita,
especialmente indivíduos de cor parda e negra”. Segundo o jornal, a
determinação é adotada por policiais desde o dia 21 de dezembro do ano
passado e é direcionada principalmente para jovens entre 18 e 25 anos,
que estejam em grupos de três a cinco pessoas e tenham a pele escura.
Em
carta, o diretor presidente da Educafro, frei David, pediu
esclarecimentos sobre o caso para o governador do estado de São Paulo,
Geraldo Alckmin, e ao secretário de Segurança Pública, Fernando Grella.
“Nos assusta saber que ainda ocorrem casos de racismo dentro da
polícia”, disse o frei David a CartaCapital.
Às
11 horas desta quarta-feira 23, o secretário-adjunto de Segurança
Pública, Antonio Carlos Ponte, se reuniu com frei David para assegurar a
apuração da denúncia e a convocação do Comando-Geral da PM para
explicar se a orientação também é dada a outros comandos e batalhões.
Motivada
pelo caso, a Educafro solicitou, durante a reunião, a divulgação dos
dados étnicos das vítimas de abordagens policiais registradas como
“resistência seguida de morte”. O pedido foi baseado na Lei da
Transparência. O secretário-adjunto se comprometeu, segundo o diretor da
Educafro, a apresentar os dados até o dia 15 de fevereiro.
Em
relação a Campinas, a carta requisita os dados estatísticos sobre as
abordagens com e sem mortes realizadas pelo Batalhão de Campinas, com o
intuito de verificar se há, de fato, uma tradição racista dentro da
unidade.
Resposta da Polícia Militar
O
Comando da PM nega teor racista do documento e explica que a ordem do
oficial foi motivada por uma carta de dois moradores do bairro, na qual
eles descreviam os criminosos “com a cor da pele negra”.
Procurada
pela reportagem, a assessoria da Polícia Militar disse que o documento
apenas reproduziu as características presentes na carta dos moradores.
“Houve uma falta de atenção na escrita do documento, mas isso não é um
caso de preconceito”, explica o capitão Araújo, da assessoria de
imprensa da PM. “O próprio capitão Beneducci é pardo e quis, no
documento, apenas expor as características físicas dos suspeitos”,
completa.
Leia a íntegra da carta, redigida por frei David, abaixo:
Para: Governador Dr. Geraldo Alckmin Cc para: SSP Dr. Fernando Grella
Acreditamos
que neste novo Brasil que estamos construindo, que deseja ser modelo
civilizatório para o mundo, especialmente a partir da Copa do Mundo de
2014 e das Olimpíadas de 2016, nenhum governante opta por ser racista ou
desumano haja vista a responsabilidade da garantia assegurada pelos
Direitos Humanos, tão atual no reconhecimento dos crimes praticados
quando da Ditadura no Brasil. A própria ONU mostra-se preocupada com a
violência de vários países entre eles, o Brasil e decretou a década do
Afrodescendente que vai de 2013 a 2023. No entanto, em vários setores da
sociedade, especialmente órgãos públicos, vários fatos concretos
deixam-nos preocupados, como por ex: cobramos do governo do Estado, na
ocasião das primeiras ocorrências e até hoje o governo estadual não
revelou quanto por cento das mortes pelos ataques do (PCC e da Polícia)
foram de indivíduos negros.
Apesar
dos protestos de boa parte da sociedade, poucas providências foram e
são aplicadas para reeducar os funcionários públicos da segurança e de
outros setores, autores isolados de atos discriminatórios ou vítimas do
“Consciente Coletivo” que perpassa ao longo da história grande parte da
corporação policial e da sociedade. O “embranquecimento” ocorre para
nossa tristeza e decepção na formação de nossos policiais que
inconscientemente passam a não se verem como negros e aplicam na
abordagem as ordens lhes passadas ao abordarem o negro como ele. Esta
falta de formação gera e faz perpetuar a “abordagem RACISTA de pressupor
que o negro até que se prove em contrário é considerado um bandido,
marginal!”
O
novo fato, muito preocupante, refere-se à Ordem de Serviço nº 8 – BPMI –
822/20/12 da região de Campinas emitida pelo Capitão Ubiratan
Beneducci, que segue anexo.
A
ordem leva-nos a entender que se os policiais cruzarem de carro ou a
pé, com um grupo de 3 a 5 brancos entre 18 e 25 anos, não desconfiem
deles. Se forem pardos ou negros, abordem-nos imediatamente! Queremos
que a Polícia se liberte da imagem do cidadão/ã Negro/a como sendo
bandido/a. Quase 100% dos políticos processados e daqueles que aplicam
Grandes Golpes financeiros contra a nação são indivíduos brancos. Para
estes sim, a polícia deveria emitir alertas urgentes! Para nossa
tristeza, neste caso são considerados inocentes até que se prove o
contrário. A inversão de valores está no conceito de que são
“autoridades” e não moram na periferia ou favelas.
Compreendemos
que esta orientação e determinação não é governamental, mas este mesmo
governo ao qual apelamos através deste ofício, pode combater com
determinação e direito esta medida aplicada por este servidor policial,
mal formado e não preparado para suas funções de comando.
Ao final, baseado na lei de transparência nº 12.527 de 18/11/2011, solicitamos ao governador Alckmin:
1)
Que nos apresente os dados étnicos das vítimas de abordagens policiais,
registradas como “resistência seguida de morte”, e quantos por cento
são cidadãos/ãs brancos/as, indiodescendentes, negros/as ou orientais. 2) Apresente-nos o perfil étnico das vítimas dos ataques do PCC e da Polícia do ano de 2006 quando dos primeiros ataques.
3) Apresente-nos os dados estatísticos daquele batalhão de Campinas
sobre abordagens (sem e com mortes), bem como, a percentagem de
moradores negros e brancos da área desse batalhão.
4) Apresente-nos os dados estatísticos dos assassinatos de negros e
brancos, no estado de São Paulo nos últimos 12 meses (janeiro de 2011 a
janeiro de 2012), com perfil étnico, idade e classe econômica.
Sem mais, confiando em um retorno de nossas solicitações o mais breve possível,
Com a saudação franciscana de Paz e Bem! Frei David Santos
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