Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Pensemos – A Repressão

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Por Jesús Sabariego, Pierre Guibentif , Cícero Krupp da Luz,  Gustavo Oliveira de Lima Pereira e Augusto Jobim do Amaral

//Pensemos 

A praça de Nossa Senhora da Salete, em Curitiba, foi o local de manifestações altamente simbólicas para o momento institucional político brasileiro. Nossa Senhora da Salete é o nome atribuído a uma das aparições da Virgem Maria. Em uma de suas profecias, previa que guerras iriam ocorrer se os homens não se arrependessem de seus pecados. 
Arrependimento, culpa ou reparação não parecem estar presentes nos discursos subsequentes aos eventos em que colocaram frente a frente duas das maiores instituições defendidas à distância pela população e governo: professores e policiais. Nos retóricos e cínicos discursos políticos, a educação é a solução para todos os males. Se alguém não aprendeu direito, polícia neles. Curiosamente, uma sociedade onde ninguém é contra a educação, não valoriza os professores: espanca, humilha e abusa. Ainda mais curiosamente, utilizamos a força policial para reeducar: espancar, humilhar e abusar. 
Esse conflito de interesses demonstra que a brutalidade não está na pessoa de farda e a dor não está somente no corpo de sangue. Isso são as imagens. A bala que machuca a carne está nas nossas instituições autoritárias. A desmilitarização da polícia e a responsabilização jurídica e política dos envolvidos precisam ser encaradas como parte cervical de nossa transição democrática incompleta.
O governador, na oportunidade, declarou ser “natural” a brutalidade raramente vista nos eventos contra o direito de manifestação política. Essa concepção de sociedade poderia ser natural para o ano de aparição da Nossa Senhora da Salete, em 1846. Talvez, ele esteja equivocadamente certo: ainda não saímos do século XIX.
Tais manifestações como esta dos professores no Paraná, que devem ganhar cada vez mais vozes pelos demais recantos do país, detiveram, como uma de suas principais incumbências, trazer à pauta de discussão em torno do funcionamento do poder.  Existem tentativas de deslegitimação ou adestramento dessas manifestações – assim como de todas as manifestações sociais que são legitimadas pelo grito do oprimido (e não por aquelas que pululam o desejo de oprimir) – pelo fato de estas não terem sido seduzidas pelo imperativo de que o futuro pertence ao mecanismo. De que o futuro já nos foi dado e que quem escolheu a profissão de Professor deve amoldar-se às regras do jogo e render-se ao quietismo.
Até que enfim duas pautas urgentes ganharam notoriedade: educação e violência policial. Infelizmente, em um país de mal-educados (composto por analfabetos e doutores) a violência policial é exercida sobre os educadores, quando a educação é quem deveria, sempre, erguer-se contra a violência policial. A racionalidade violenta, construída por anos e anos de uma educação para a destruição, desferiu seus golpes aos educadores. O tom professoral de como isso é imposto aos professores talvez seja o maior ponto da ironia: “eu estou lhe ensinando que ensinar não vale a pena. Como você ainda não aprendeu direito, eu lhe ensino na base da porrada!”. 
O momento é de luta. Portanto, lutemos! O momento é de pensar estratégias de resistência. Então, pensemos! O momento é de seguir na contracorrente. Nadar contra a corrente significa resistir ao desejo de muitos de que sigamos a vida de forma automática. Significa não se render ao discurso sedutor daqueles que querem decidir por nós. Quem nada contra a corrente precisa de mais força. A correnteza é cada vez mais intensa. Porém, sabe-se o que acontece com aquele que se habitua a nadar contra a corrente: ele se torna mais forte!
É inaceitável que, em um regime democrático, a legítima reivindicação de direitos por parte da cidadania veja-se lesada de maneira tão intensa e desproporcionada. O exercício de poder por parte dos representantes democraticamente eleitos pelo povo é, e deve ser, sempre um exercício de responsabilidade do Estado, visando proteger a cidadania com as devidas garantias, velando para que ela possa exercer seus direitos, entre eles o direito de se manifestar livremente, a liberdade de expressão e a liberdade de reunião. Jamais o poder outorgado pelo povo aos seus representantes deve ser pervertido por estes que, utilizando a ação das forças de segurança, devem proteger a cidadania e favorecer o pleno exercício de seus direitos inalienáveis.
A figura para o enfrentamento não poderia ser mais emblemática. O inimigo é uma manifestação de professores. O alvo destes “subversivos” é o “pacote de austeridade” do governo estatal numa verdadeira tentativa de esbulho da previdência. Saque genuíno no pouco de bem estar que ali havia. Bravamente, os professores já haviam resistido em fevereiro e desbaratado tal votação, fazendo vergonhosamente alguns deputados saírem escoltados da casa legislativa. 
Nada mais simbólico. Não obstante, o fato é apenas a metonímia de um contexto já muito bem delineado há tempos. O cenário nada tem de novo e é amplamente conhecido mundo a fora. O velho receituário neoliberal que o respalda dá até náusea de tão rançoso: retirar direitos sociais (rasgar as garantias trabalhistas e previdenciárias como prioridade) com o enxugamento de um parco estado de bem estar social (que no Brasil nunca passou de um arremedo), sob o pretexto de sanear as dívidas produzidas pelos mesmos protagonistas de tão nobre incompetência; privatizar o que for possível, afinal a corrupção é a medusa que petrifica o pensamento, canaliza a massa fascistoide e coloniza a inteligência. Neste contexto de alto padrão autoritário, aplaudir a pena de morte para quem vende droga consumida pelo andar de cima e querer diminuir cinicamente a maioridade penal, é apenas o corolário de uma barbárie naturalizada. 
Assim, o toque perverso da condição muito mais profunda de falência do modelo de democracia capital-parlamentarista, que percorre diversos nuances pelo mundo, no Brasil, não poderia ter também como acólito senão a cena do escracho policial contra os professores. Mais radical que a histórica violência estatal contra os trabalhadores, os atores carregam significado ainda mais especial, pois reatualizam as lutas de resistência que desde 1886 em Chicago marcaram o dia do trabalho. Quando a apartação parlamentar é tanta que seus membros teimam em esquecer donde vieram, será sempre no limiar entre a violência ilegal e a bruta força de lei que tal Estado ostensivamente demonstrará sua podridão.
“Menos polícia e mais política” apenas poderia ser uma estratégia lúcida de reivindicação mais indicada se alguma condição de vergonha ainda fosse possível de ser vista numa governabilidade que, sob o amparo da gestão policial, colonizou o coração da democracia. O aviso de incêndio já soou. Trata-se, neste ponto como postura radical, atacar e repudiar veementemente a sempre convocada lógica do campo policial, ou seja, uma tecnologia permanente de governo sempre ancorada “por razões de segurança” e pela criação de “estados de emergência permanentes”. 
Este ignóbil estado – que nesta oportunidade sintomaticamente apela ao esculacho das forças policiais diante de professores no Paraná, em geral com a promiscuidade cúmplice da justiça e da mídia – sinaliza claramente para o escopo da racionalidade que o ilumina: o aniquilamento de qualquer futuro possível. Vê-se apenas mais um capítulo de uma (des)razão que tem como desejo a eliminação de todo por vir, que administra instrumentalmente o inumerável de um povo, quer dizer, o seu incontabilizável futuro. Precisaremos fazer referência à tônica do genocídio cotidiano de jovens negros nas periferias como correlato disto noutra dimensão para bem representar um mesmo símbolo de desprezo na formação e no futuro de todos?  Todavia, para iludir e elidir este pesadelo nunca faltarão razões securitárias de toda ordem capaz de identificar a normalidade com a crise e tomar a decisão sobre a perpétua exceção. E se atualmente o princípio é de que “todo o cidadão é um potencial terrorista/subversivo/black bloc”, a pré-condição de suspeita e de politização da vida nua não mais se disfarça. 
Os protestos e as manifestações deixaram de se, em um  mundo globalizado, formas não convencionais dos repertórios de ação coletiva para se transformarem na consciência das necessidades humanas. É responsabilidade dos representantes políticos eleitos democraticamente realizar todos os esforços possíveis para atender e entender as ditas reivindicações numa esfera de respeito e diálogo, em que a negociação seja meio adequado.
Que não se calem os movimentos sociais e os trabalhadores em geral, e que se firme o repúdio à recorrente empresa estatal de tratá-los como caso de polícia. Sempre se soube que nenhum direito fora conquistado como dádiva divina, em que pese a locomotiva da história dos vencedores tentar pregar o contrário. Nada de concessões nestas vitórias portanto. São estes direitos fruto da dolorida luta de gerações. Buscá-los, mantê-los e ampliá-los sempre! Que se renovem as forças de resistência frente aos infames que nos estrangulam – algo disso está na frase gravada no monumento em homenagem àqueles corajosos trabalhadores de Chicago no século XIX – pois o momento decisivo se anuncia exatamente no instante em que o obsceno da infâmia pública tem espaço.

 Pensemos é um círculo acadêmico internacional integrado por professores e pesquisadores universitários, do âmbito do Direito, da Filosofia, da Ciência Política, da Sociologia, da Educação, dos Direitos Humanos e Desenvolvimento, que tem por objetivo um encontro teórico interdisciplinar sobre as problemáticas da democracia e dos sistemas políticos atuais, através da permanente reflexão e dos constantes debates plurais e críticos visando a contribuir para a melhora das sociedades contemporâneas.

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