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quarta-feira, 27 de maio de 2015

Policiais da Rota são suspeitos de montar ‘teatro’ para encobrir morte em SP



Vítima foi baleada pelas costas, segundo laudo, o que confronta ‘tiroteio’ frente-a-frente
Integrantes da Rota são acusados de forjar cenário de crime para encobrir execução Arquivo Pessoal
A Rota, suposta tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo, está novamente sob a suspeita de montar um teatro para tentar encobrir uma morte cometida por seus integrantes. Dessa vez, a encenação dos militares, denunciada à Justiça pelo Ministério Público Estadual, teve como pano de fundo a alegação de que o quartel general da Rota, no bairro da Luz (região central de São Paulo), havia sido alvo de um atentado a tiros, na madrugada de 1º de agosto de 2010.
Ao receber a denúncia, a Justiça transformou o sargento Jorge Inocêncio Brunetto, 42 anos, e o soldado Sidney João do Nascimento, 43, em réus pela morte do ex-detento Frank Ligieri Sons. A partir do recebimento da denúncia, o que aconteceu nesta segunda-feira (25), os PMs terão dez dias para apresentar defesa por escrito à Justiça.
Dependente químico que havia saído de prisão em fevereiro de 2010, Frank Sons tinha 33 anos e era irmão de Ronaldo Ligieri Sons, um sargento da PM que havia deixado a corporação em março daquele ano, depois de também ter integrado a Rota.
Durante os quatro anos e nove meses de investigação do DHPP (departamento de homicídios), da Polícia Civil, sobre a morte de Frank Sons, os dois PMs sustentaram que ele foi morto quando, por volta das 3h40 de 1º de agosto de 2010, na rua João Teodoro, atirava contra a parte lateral do quartel general da Rota e também se preparava para jogar um coquetel molotov para tentar incendiar o prédio histórico.
Tanto o sargento Brunetto quanto o soldado Nascimento afirmaram durante toda a investigação que, naquela madrugada de agosto, “um popular”, até hoje nunca identificado, procurou a portaria principal da Rota para avisar que um carro escuro estava parado, “em atitude suspeita”, ao lado do quartel da Rota.
Brunetto e Nascimento disseram ter ido até a rua João Teodoro e lá encontraram Frank Sons, que estaria atirando contra o prédio. Ao receber ordem de prisão, Sons teria atirado contra os PMs e, no revide, foi ferido. Nascimento disse ter atirado quatro vezes contra Sons; Brunetto, duas. Levado para o hospital pelos próprios PMs da Rota, Sons morreu.
Molotov desaparecido 
Equipes de reportagem que foram ao local naquela madrugada gravaram uma garrafa de vidro perto da parede do quartel general da Rota que, segundo os PMs, tinha algum líquido inflamável.
Durante o inquérito policial para investigar a morte de Frank Sons, o DHPP ouviu formalmente 37 testemunhas, além dos dois PMs que assumiram ter disparado naquela noite.
Algumas dessas testemunhas disseram que o suposto coquetel molotov que estaria com Sons só apareceu na cena do crime após ele ter sido levado para o hospital, já baleado. A garrafa com o suposto líquido inflamável desapareceu e nunca foi periciado.
Os familiares de Frank Sons disseram à Polícia Civil que, por ser usuário de cocaína e álcool, o que lhe fazia entrar e sair constantemente de clínicas de recuperação, ele não tinha condições físicas de tentar qualquer tipo de ação criminosa, ainda mais contra aquela que é tida como a mais temida da Polícia Militar de São Paulo.
Os investigadores do DHPP também descobriram que, apesar de uma janela lateral do quartel general da Rota estar quebrada, supostamente a tiros, testemunhas só ouviram o barulho dos seis tiros dados pelos PMs.
Nenhuma das diversas câmeras de segurança na área do quartel da Rota, uma delas no cruzamento da avenida Tiradentes com a rua João Teodoro, local de grande movimento na capital paulista, gravou o suposto atentado de Frank Sons contra o prédio e muito menos a alegada troca de tiros entre os PMs e o ex-detento, que cumpriu pena de 11 anos por lesão corporal e roubo.
Os dois PMs da Rota e Frank Sons também não foram submetidos ao exame residuográfico, muito comum de ser realizado em casos de confrontos a tiros. Isso reduziu as chances de mostrar se Sons tinha ou não disparado com uma arma de fogo nos momentos que antecederam sua morte.
Tiro nas costas
Os laudos necroscópicos do IML (Insituto Médico Legal) revelaram que Frank Sons foi baleado pelos PMs da Rota quando estava de costas. Essa conclusão colocou em cheque a versão de que ele teria enfrentado os PMs em um tiroteio frente à frente. O tiro nas costas de Sons entrou em linha reta e perfurou seu coração.
“Ocorre que, em dado momento, antes mesmo de abordar a vítima, os denunciados resolveram matá-la, tendo ambos atirado contra ela, em regiões do corpo e com características tais, a revelar a verdadeira execução. Isto porque enquanto um dos disparos atingiu o abdômen da vítima, um outro acabou por lhe atingir a região dorsal, no tronco”, escreveu na denúncia à Justiça o promotor Tomás Busnardo Ramadan.
Ao denunciar os PMs da Rota à Justiça, o Ministério Público Estadual pediu que dois laudos sejam anexados ao processo do caso: o toxicológico e o que apontará o horário exato de morte de Frank Sons.
Dívida com PCC não foi comprovada
Nos dias seguintes ao ataque, PMs espalharam a notícia de que Frank Sons tinha cometido o atentado contra o quartel general da Rota para pagar uma dívida com a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Até hoje, nenhuma parte da investigação oficial do DHPP sobre a morte de Sons conseguiu comprar tal vinculação.
A morte de Frank Sons ocorreu 17 horas após o episódio no qual o então comandante da Rota, o então tenente-coronel Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, 53 anos, hoje deputado estadual pelo PSDB, também afirmou ter sido alvo de um ataque a tiros na sua casa.
Outro lado
A reportagem solicitou entrevistas com os PMs Brunetto e Nascimento, agora réus pela morte de Frank Sons, ao comadante-geral da PM, coronel Ricardo Gambaroni, e ao secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, mas o pedido não foi atendido.
De acordo com a assessoria de imprensa da Polícia Militar, o sargento Brunetto e o soldado Nascimento não foram autorizados a apresentar suas versões sobre a morte de Frank Sons e também sobre o suposto atentado contra o quartel general da Rota. “Os policiais [Brunetto e Nascimento] não estão autorizados a falar, uma vez que o pedido [de entrevista] foi negado após análise da assessoria de imprensa”.
Questionadas pela reportagem, as assessorias de imprensa da Polícia Militar e da Secretaria da Segurança Pública não responderam onde os dois policiais militares acusados de matar Frank Sons trabalham atualmente, se estão no serviço de policiamento preventivo, nas ruas, ou se estão cumprindo função administrativa, com trabalhos burocráticos.
Do R7

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