- Escrito por Gilberto Martins de Almeida (*)
Recentemente, o STF se manifestou sobre uma crítica dura feita pelo jornalista Paulo Henrique Amorim ao empresário Daniel Dantas, não vendo motivo para condenação do jornalista; porém, em outros casos, certos comentários do mesmo jornalista geraram condenações judiciais (postuladas pelo Ministro Gilmar Mendes, e pelo também jornalista Merval Pereira).
Embora, em geral, continue aplicável o aforismo “cada cabeça, uma sentença”, inclusive quanto a magistrados, uma pergunta que certamente não quer calar é: o quê explica a diferença de resultados nesses julgamentos?
Em todos, havia de um lado a expectativa de liberdade de expressão e da atividade jornalística, e de outro lado, a expectativa de proteção da honra ou reputação de alguém.
Essa configuração de direitos antagônicos e da necessidade de equilibrá-los sugere um paralelo com outro caso em que também estava em jogo a liberdade de expressão, apesar de contraposta a outro tipo de direitos, os relativos a privacidade e a intimidade.
Foi no chamado “caso Cicarelli”, em que a Justiça entendeu que, quando as celebridades se expõem publicamente, perdem direito à privacidade mas mantêm direito à intimidade. Em tal decisão, o Judiciário enxergou o que a doutrina costuma chamar de teoria dos círculos concêntricos, segundo a qual a privacidade ocupa o círculo de fora e a intimidade o círculo de dentro.
Significa dizer que a privacidade pode ser ferida sem que a intimidade tenha sido tocada, porque a privacidade diz respeito a trajeto, movimento, invasão, enquanto a intimidade consiste em conteúdo cujo teor seja intrinsecamente reservado. Em outras palavras, se não fossem as cenas de sexo, o que se passou na praia poderia ter sido divulgado, mesmo sem autorização.
Todas esses conceitos – privacidade, intimidade, honra e reputação - se enquadram nos “direitos da personalidade”, uma categoria de direitos que se acredita serem inerentes à dignidade do ser humano. Pergunta: a teoria dos círculos concêntricos, válida para privacidade e intimidade, poderia estender-se a julgamentos sobre honra e reputação?
Parece que sim, pois o fundamento da liberdade de expressão e imprensa é o interesse coletivo, que reveste a camada externa, a sensibilidade da sociedade, enquanto o motivo da exceção a tais liberdades é o interesse individual, quanto à preservação da dignidade pessoal.
Como o interesse coletivo deve prevalecer sobre o individual, a regra geral é de que a liberdade de expressão e imprensa prevaleça - particularmente em relação a personalidades públicas, pois em relação a elas existe maior interesse coletivo em tomar conhecimento de atos e fatos. Assim, somente quando se dê a intenção de ofender mais do que a de criticar é que a liberdade de expressão e imprensa deverá perder a vez.
Mas em quais situações se pode entender que está o presente o intuitu injuriandi ou intuitu diffamandi em vez de o intuito apenas de criticar? Tomemos o exemplo das condenações judiciais mencionadas: i) colocar embaixo de uma foto a legenda dizendo “jornalista bandido” é adjetivação sem fato, na medida em que não conste que o retratado seja “bandido”, portanto, aí, se supõe que havia mais do que a intenção de criticar; e ii) num contexto de apreciação sobre sucesso profissional, qualificar alguém de cor como “negro de alma branca”, sugerindo que o sucesso se deveu à cor, o que normalmente não é fator para sucesso profissional, transborda dos limites da realidade sobre os quais a crítica deve construir sua justificativa.
Se, como diz outro provérbio, “uma imagem vale mais que mil palavras”, a teoria dos círculos concêntricos pode ser uma figura de raciocínio que facilita a explicação contextualizada das diferenças de julgamento no Judiciário a respeito dos embates entre liberdade de expressão e imprensa e direitos da personalidade (privacidade, intimidade, honra, reputação, etc.). Aplicando-a, se pode extrair coerência útil para pautar orientação a respeito.
(*) Advogado fundador do escritório Martins de Almeida.
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