Por Henrique Saibro
O equilíbrio entre a brandura e o abuso de decretos prisionais é regido pelo princípio da proporcionalidade. Trata-se do instituto que obriga o juiz a prolatar uma decisão harmônica entre a gravidade da medida (adequação) e a sua necessidade de imposição, resguardando a incidência cautelar somente quando realmente necessária, e, em caso positivo, tornar o prejuízo do imputado o menor possível. Desmontando-o, triparte-se nos subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
A adequação, cuja previsão está insculpida no inciso II do artigo 282 do CPP[1], visa resguardar o menor gravame ao suspeito/indiciado/réu, pois existindo uma opção menos onerosa para a finalidade pretendida, como os casos descritos no artigo 319 do CPP, ela deve ser optada pelo juiz, deixando a prisão preventiva como a última alternativa.
O termo adequação não está ligado somente à melhor opção das medidas cautelares disponíveis, senão, também, à correta aplicação de tal alternativa. Vejamos um caso prático:
Suspeitando o magistrado de que o réu venha a viajar no dia da realização de determinada perícia, a pedido do Ministério Público, o juiz proíbe o acusado de se ausentar da Comarca durante dois anos a contar da intimação da medida, forte ao inciso IV do artigo 319 do CPP. É verdade que o julgador acertou ao optar pela proibição de ausentar-se da Comarca jurisdicional em detrimento da prisão preventiva por risco de fuga, mas o tempo de duração de tal medida mostra-se evidentemente desproporcional, sendo inadequada frente ao caso exposto.
O subprincípio da adequação, juntamente com a leitura dos artigos 313[2] e 283[3], § 1º, ambos do CPP, deveria ser utilizado como prevenção aos casos em que o imputado foi segregado preventivamente durante toda a instrução e, no decisum, teve sua pena privativa de liberdade substituída por uma sanção restritiva de direito. Notadamente uma medida novamente não adequada à hipótese lançada. É justamente o que CARNELUTTI criticava:
[…] en todos aquellos casos en que no haya condena o no sea infligida una pena de detención o la pena infligida no alcance la duración de la detención o la pena infligida no alcance la duración de la detención preventiva sufrida por el condenado, éste ha cumplido una pena injusta[4].
A fim de exemplificar o acima exposto, eis o que decidiu o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
HABEAS CORPUS. ART. 288 CÓDIGO PENAL. (…) PRISÃO PREVENTIVA. LEI 12.403/11. INCABÍVEL. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À PRISÃO. ART. 319 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SUBSTITUIÇÃO. 1. Paciente que teve decretada prisão preventiva no curso das investigações, cujo mandado não logrou ser cumprido, e mantida na sentença condenatória para assegurar a aplicação da lei penal e garantir a ordem pública. Inobstante as razões que fundamentaram o decreto prisional, com a entrada em vigor da Lei 12.403/11, não mais subsiste requisito objetivo para sua manutenção, uma vez que o delito imputado (art. 288 do Código Penal) ao paciente não tem pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos. 2. Aplicação de medida alternativa à prisão preventiva, sendo cabível na espécie a fixação de outras medidas acauteladoras, conforme disciplina o art. 282 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela lei 12.403/11, ante a necessidade de garantir a aplicação da lei penal. Substitui-se o decreto de prisão preventiva expedido em desfavor do paciente, por medidas alternativas mais brandas, previstas na nova redação do art. 319 do Código de Processo Penal, notadamente aquelas constantes dos seus incisos I (comparecimento em juízo) e VIII (fiança). (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. HC. 0010337-16.2011.404.0000, Sétima Turma. Relator Desembargador Federal Márcio Antônio Rocha, publicado em 16-10-2011. Jurisprudência do TRF-4).
Já a necessidade, agora prevista no inciso I do artigo 282 do CPP[5], nas lições de LOPES JR.[6], assemelha-se à soma da provisoriedade e provisionalidade, pois nada mais é do que a imprescindibilidade da decretação da segregação cautelar, ou seja, quando não há mais nada a fazer, senão optar pela prisão do indivíduo.
Conforme aduz MANZINI[7], o magistrado, “cuando la ley le encomienda un poder discrecional en esta materia, debe inspirarse en ese criterio de necesidad”, mas respeitando as garantias constitucionais admitidas para a liberdade pessoal.
A título de esclarecimento, é de se estranhar a parte final da redação do aludido inciso, pois dispõe que a necessidade, aos casos expressamente previstos, será aplicada para evitar a prática de infrações penais. Não há nenhuma previsão jurídica que discorra acerca de medidas cautelares voltadas para impedir a perpetuação de crimes. Aliás, os únicos quatro casos previstos que ensejam a decretação de uma prisão preventiva estão arrolados taxativamente no artigo 312 do CPP.
Enfim, seguindo os ensinamentos de GOMES[8], o princípio da necessidade acaba refletindo a ideia de intervenção mínima do Estado. Em sendo caso de aplicação de uma medida cautelar, deve ser ela a menos onerosa ao imputado. Caso o magistrado opte pela prisão, deverá motivar o porquê da necessidade em tal magnitude.
Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito, posta figuradamente, assemelha-se a uma balança, em que de um lado está o enorme ônus de submeter alguém ao cárcere, pessoa essa cuja presunção é de inocência, e, doutro lado, a necessidade de prendê-la preventivamente, ou impor qualquer medida cautelar diversa. É por isso que DINAMARCO[9] assevera que, ao julgador, a boa técnica de sopesamento influi muito antes de tomar qualquer decisão, seja para qual lado for.
É dizer, para saber se a medida será proporcional ao caso tratado, deverá o julgador ter em mente que de um lado da contabilidade está o aspecto positivo (o que seria o crédito) dos ganhos sociais, que advirão do sucesso da prevenção ou redução da conduta em questão; no lado do débito, estão os custos morais e práticos na decretação de cada medida. Essa análise econômica das prisões é lecionada por PACKER:
On the credit side of the ledger are the social gains that will accrue form de successful prevention or reduction of the conduct in question, discounted by the prospects of achieving success (however defined). On the debit side are the moral practical costs, reckoned in terms of values other than the prevention of antisocial conduct.[10]
Assim, deverá a lógica do magistrado estar voltada à ponderação e bom senso, devendo ter proporcionalidade, segundo CARNELUTTI, “entre el malum actionis y el malum passionis”.[11]
[1] Art. 282: As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: […]
II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
[2] Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
[3] § 1º do art. 283 do CPP: As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.
[4] CARNELUTTI, Francesco. Lecciones Sobre el Proceso Penal. Buenos Aires: Bosch y Cía. Editores. 1950. p. 171. 2v
[5] Art. 282: As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais.
[6] LOPES JÚNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Diversas. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 34.
[7] Vicenzo, MANZINI. Tratado de Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa – América, 1952. p. 629. 3v.
[8] BIANCHINI, Alice. et al. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 51.
[9] DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 14.ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2009. p. 309.
[10] PACKER, L. Herbert. The Limits of The Criminal Sanction. California: Stanford University Press, 1968. p. 250.
[11] CARNELUTTI, Francesco. Lecciones Sobre el Proceso Penal. Buenos Aires: Bosch y Cía. Editores, 1950. p. 109. 1v.
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