Em GO, Força Nacional assume inquéritos
CRIMES ANTIGOS
Grupo de agentes tenta elucidar casos ocorridos entre 2001 e 2008, que, na maioria das vezes, envolvem PMs
ANDRÉ DE SOUZA
Enviado especial de O GLOBO
GOÂNIA - Marcelo Júnior Pereira tinha 19 anos quando foi morto, em 20 de julho de 2004, por policiais militares na periferia de Goiânia. Até duas semanas atrás, havia apenas a versão da PM de que o jovem teria disparado contra os policiais quando abordado. Somente nos últimos dias, mais de nove anos depois do assassinato, as testemunhas começaram a ser ouvidas e puderam dar uma nova versão: Marcelo estava desarmado e foi executado. O caso de Marcelo não é isolado em Goiás.
A aposentada Vilma Ribeiro de Araújo, de 56 anos, perdeu dois sobrinhos — os irmãos Divino Femandes Júnior e Ricardo Fernandes — em outubro do ano passado, em Caçu, no sul do estado. A polícia alegou que houve troca de tiros, mas a família nega e diz que houve uma execução. Dois amigos deles também foram mortos pela polícia na ocasião. A violência policial em Goiás raramente resulta em investigação e punição.
Em 1996, a legislação federal foi alterada para determinar que os crimes praticados por militar contra a vida de um civil devem ser julgados na Justiça comum. Isso significa que a investigação cabe à Policia Civil. Mas em Goiás, até 2005, a PM continuava responsável por apurar estes casos.
Em geral, a corporação deixava de ouvir testemunhas e não fazia perícias importantes para apurar os fatos. — Eles próprios (PMs) vinham fazendo as investigações, encaminhando-as para a Justiça Militar, e conduzindo-as conforme lhes convinham — afirmou o atual titular da Delegacia Estadual de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), Alexandre Lourenço, responsável pelo parecer que levou a Secretaria de Segurança Pública de Goiás a transferir essas investigações da PM para a Polícia Civil. O assassinato de Marcelo foi um dos casos apurados inicialmente pela PM.
A morte dele está sendo investigada de fato apenas agora e faz parte dos cerca de 130 inquéritos sob responsabilidade de uma equipe de 34 policiais civis da Força Nacional. Eles foram enviados a Goiás para elucidar crimes antigos e trabalham sob a coordenação de Alexandre Lourenço. Com os novos testemunhos, o quadro ficou bem diferente do registrado pela PM.
Com ciúmes de uma mulher, Marcelo agrediu outro rapaz com um bastão de ferro. A polícia foi acionada e viaturas da Ronda Ostensiva Tático Metropolitana ( Rotam) o encontraram em um terreno próximo da sua casa. Ele foi levado para uma mata, onde teria sido executado. Marcelo era pobre, já tinha passagem pela polícia e morava na periferia de Goiânia. Na casa onde vivia, ainda mora a avó, que já está muito enferma. Segundo uma amiga da família, a "Rotam não vem para prender, a Rotam vem para matar".
Em Goiás, há quase 3 mil inquéritos considerados sensíveis, em que é difícil produzir provas. Os cerca de 130 que já foram ou ainda serão enviados à Força Nacional fazem parte deste universo e tratam de crimes ocorridos entre 2001 e 2008. Boa parte desses casos envolvem agentes públicos, na maioria das vezes, PMs.
O foco da ação da Força Nacional não são os policiais militares, mas o resultado das investigações tem chegado a eles. Das 11 pessoas que tiveram algum tipo de pedido de prisão aceito depois da chegada da Força, nove são PMs. No caso das mortes ocorridas em Caçu, os dois sobrinhos de Vilma, de acordo com ela, traziam contrabando do Paraguai. Mas, diferentemente do que alegou a PM, não mexiam com drogas. — Eles não traziam drogas. Só traziam brinquedos, bermuda, roupa — diz a tia.
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