Carta despedida de Leandro Montandon, ex-militar que pediu baixa no 32°BPM Uberlândia - MG
Olá nobres amigas, amigos e colegas.
Penso nestas palavras a muito tempo, elaborei mentalmente diversos modelos desta despedida, refiz falas, já pensei em deixar relatos dos momentos ruins que vivi na esperança de poder de alguma forma evitar que outros também os vivam, já desisti de escrever qualquer coisa, e por fim, aqui estou agora iniciando este texto.
Dia 19/01/2015 será um dia que marcará eternamente minha vida. Foi o dia no qual tomei a iniciativa e procurar a P1 e fazer os procedimentos necessários ao meu pedido de baixa da PMMG. Vocês, na ativa, não podem calcular o que representa caminhar pelo corredor do 32º BPM às vésperas de completar 7 anos como policial militar, todos vividos nas atividades da 171ª Cia PM, em direção ao ponto final de minha carreira militar.
Sempre fui um militar enquadrado, nunca fui comunicado disciplinarmente, estive até a derradeira data no conceito A. Trabalhei no operacional, no dia, na madrugada, na rodoviária, na intendência, na recepção, em apoio a outros órgãos, e por fim na Patrulha Solidária. Curiosamente esta última atividade a que mais formou uma imagem pública de minha atuação. Para alguns um desperdício de recurso humano, para outros uma atividade que representa a própria imagem que a PMMG deseja para si no futuro, solidária, próxima a população, carismática e diferente da imagem dura e antipática de um militar tradicional.
Vi com meu próprios olhos a dificuldade de se oferecer segurança pública, vivi também na pele a angústia do não reconhecimento da importância do policial, vi inúmeras vezes o quanto o serviço policial é importante para a promoção da paz e do bem social, mas vi também o quanto em muitos casos o militar se torna a fonte de inúmeros problemas.
Parto neste momento com um desejo profundo de iniciar uma nova vida, com novas perspectivas, provavelmente agora com um salário menor, mas com a esperança de mais vida. Com a garantia de meus finais de semana, de meus feriados, de meus horários e de mais paz.
Acredito que tudo em nossa vida tem um propósito.
Cada situação, cada pessoa, cada benção e cada problema que vivemos carrega em si uma razão e um objetivo para ser vivido. Eu particularmente vivi nestes meus tempos finais como policial momentos muito difíceis na corporação. Fui chamado de “chapeleiro”, fui citado em relatórios e sindicâncias, fui indicado para possíveis transferências de região, de Cia, trabalhei em escalas estranhas, tive colegas cumprindo ordens de visita na escola em que trabalho para levantamento de informações, enfim, fui o alvo da vez.
Ser o alvo da vez me ensinou muito e nesta despedida espero poder deixar algumas reflexões que possam servir de registros históricos de problemas que podem ser evitados e podem tornar a PMMG uma instituição melhor para aqueles que nela trabalham. A primeira delas direcionadas a todo militar que ocupar uma posição de comando. Saiba: você influencia a vida daqueles sob seu comando.
Pode parecer óbvio mas tenho certeza em dizer que muito poucos consideram a influencia que suas ações podem ter na vida do outro, subordinado. Ser um policial militar não significa viver um sacerdócio, um sacrifício de vida, ser policial é tão somente um trabalho e isso precisa ser bem entendido. Uma pessoa pode ser um policial militar em seu trabalho o que não exclui a chance de ser marido, mulher, filho, filha, pai, mãe, irmão, irmã, amigo, amiga, vizinho, vizinha, fiel, ateu, entre tantos outros que podemos ser nas mais diversas situações de nossa vida.
Alguns chefes não entendem que o que devem esperar de seu subordinado é simplesmente o seu trabalho e acabam por exigirem sua vida. Já vi quem ameaçasse transferência para aquele que não desejasse participar de festa da cia, vi mudanças de horário de trabalho excessivas, vi chuvas de procedimentos direcionados a militares específicos e eu - dizem - quase parei em outra REGIÃO por ter, inicialmente, ficado doente e licenciado das atividades policiais.
Não exijam de seus subordinados mais que o trabalho, suspeitem daqueles que lhes dão mais do que seu trabalho pois terão nesta pessoa alguém com sérios problemas em sua vida pessoal. E temos tantos colegas assim. Se não há espaço para uma vida pessoal com qualidade não é de se admirar que tantos surtem, suicidem, adoeçam ou cometam desvios em algum momento. Os chefes que ignoram estes sinais de problemas vindouros são cúmplices destes problemas quando ocorrerem, reconheçam.
Adoeci, fui recomendado a não realizar esforço físico, me licenciei na PM tendo comparecido a escola no mesmo dia. Fui por isso questionado de tantas formas que confesso, tive dificuldades de argumentar. São tão óbvias as diferenças da natureza que cada atividade profissional possui e foram tão descabidas todas as consequências que tal licença gerou que ainda estou por entender tudo o que houve.
E o mais curioso disso tudo, em pleno Yom Kippur. Em algumas tradições filosófico-religiosas o Yom Kippur, também chamado de Dia do Perdão, representa uma importante data sagrada e comemorativa. Curiosamente nesta data deram-se início todos os procedimentos que culminaram na minha decisão final de não integrar mais as fileiras desta corporação.
Tive um bom tempo de afastamento no qual pude me dedicar a atividades mais revigorantes, refleti muito e percebi que não posso colocar preço em minha dignidade, não posso vendê-la por salário. Obviamente nem todo chefe é problemático mas é certo que é considerado normal no ambiente militar que qualquer um tenha que “engolir sapos” periodicamente.
Não me surpreende que as pesquisas apontem tamanha insatisfação pelo militarismo e tantos, especialmente em meio a tropa, são favoráveis a seu fim. Cada chefe incapaz de realizar uma mínima gestão de pessoas tem uma parcela considerável de responsabilidade no fim, cada dia mais possível, deste modelo de polícia militar ainda vivo.
Parto reconhecendo a possibilidade de um prejuízo financeiro mas com a certeza de que não me rendi ao autoritarismo despropositado. Saio com a cabeça erguida por saber que fiz o melhor enquanto pude e na torcida para que os colegas que ficam não sejam as próximas vítimas das intempéries emocionais de um chefe qualquer. Aprendi muito na instituição, especialmente que somos responsáveis por oferecer um tratamento digno e respeitoso, inclusive e principalmente a nós mesmos.
Aos amigos que deixo, meus sinceros votos de sucesso e felicidade. Torço para que sejam prósperos e que tenham seus caminhos livres de injustiças e perseguições. Me perdoem por partir sem despedir-me pessoalmente mas preferi a discrição na busca de uma tranquilidade maior no executar de meu pedido de baixa.
Obrigado por tudo que me ensinaram e continuem honrando o modo como os vejo, heróis.
Aos demais outros... repensem seus papeis no mundo, na PM e na vida de todos em seu entorno. Semear discórdias, intolerâncias e ignorâncias não podem gerar frutos positivos. A solidão e o descrédito, é o mínimo que colherão. Triste este fim, e pode ser evitado.
Fiquem com Deus meus irmãos.
Um grande abraço a todos.
Saudações!
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