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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Prefeituras mineiras criam taxistas fantasmas


Ricardo Bastos/Hoje em Dia
Em Belo Vale, oficial do Fórum da cidade circula em um táxi registrado no nome do marido dela

A concessão indiscriminada de placas vermelhas no interior de Minas Gerais fez surgir um novo personagem na praça: o taxista fantasma. Sem qualquer tipo de licitação pública, as prefeituras distribuem permissões de táxi a particulares que, na realidade, estariam interessados somente na facilidade para adquirir veículos novos, pagando preços bem mais camaradas.

 

Pela legislação, quem trabalha como taxista é prestador de serviço e tem isenções de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), o que permite comprar um veículo zero quilômetro com até 28% de desconto. Além disso, o motorista de táxi não precisa desembolsar nem um centavo com o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). 

 

Como os carros não são efetivamente utilizados na prestação do serviço público, Estado e União vêm registrando prejuízos financeiros incalculáveis ao longo dos anos com a burla da legislação.

Critério político

 

De acordo com a Polícia Civil, quase 31 mil táxis estão aptos a rodar nas 853 cidades do Estado. Mas, graças ao critério político para a distribuição das placas, Minas possui cidades com média de táxi superior à do Rio de Janeiro, principal destino turístico do país e um dos mais conhecidos do mundo. 

 

Sem regulamentação, carros que deveriam transportar passageiros foram parar nas mãos de familiares de políticos, servidores do Judiciário, comerciantes, funcionários de Câmaras Municipais e empresários. Com 10 mil habitantes, São Gonçalo do Rio Abaixo, na região Central de Minas, tem 67 táxis cadastrados, média de um veículo para cada grupo de 149 passageiros. 

 

Para se ter noção do exagero, a Cidade Maravilhosa disponibiliza um “amarelinho” para 198 habitantes.  O recomendado, segundo especialistas em transporte urbano, é um táxi para cada grupo de 300 pessoas. Apesar da quantidade expressiva de concessões, o movimento no ponto principal da pequena São Gonçalo do Rio Abaixo é restrito a poucos taxistas, conforme o Hoje em Dia constatou na última semana. 

 

Ironia

 

Quem realmente trabalha no ramo ironiza a inusitada situação da frota do município da região Central de Minas. Entre os relatos, o mais comum é de que a enxurrada de placas vermelhas acaba prejudicando a imagem da categoria profissional. Por outro lado, com o enfraquecimento da concorrência, não existe reclamação ou disputa por passageiros.

 

Exemplo

 

Um exemplo de uso indevido de concessão de táxi envolve os familiares do ex-presidente da Câmara Municipal de São Gonçalo do Rio Abaixo Marlon Pessoa Costa (PPS), atualmente na Secretaria de Esportes.  O irmão de Marlon Costa, o comerciante Eduardo Pessoa Costa, não roda na praça, mas desfila pelas ruas a bordo de um Chevrolet Cruze com placa vermelha. O sedã custa entre R$ 60 mil e R$ 80 mil no mercado de veículos novos.


 

Taxista e funcionários da Câmara Municipal ao mesmo tempo

 

Ainda em São Gonçalo do Rio Abaixo, a servidora da Câmara Municipal Juliana Rosária Silveira, namorada do irmão do ex-vereador Marlon Pessoa Costa (PPS), tem registrado em seu nome um táxi Chevrolet Astra avaliado em aproximadamente R$ 50 mil. 

 

Curiosamente, Juliana bate o ponto todos os dias no prédio da Câmara, onde dá expediente de 8h às 17h. “Presto o serviço (de taxista) de vez em quando”, afirmou a servidora em entrevista gravada, antes de encerrar a ligação telefônica. 

 

O carro dela, no entanto, fica frequentemente estacionado na garagem dos familiares de Marlon, no Centro de São Gonçalo do Rio Abaixo.

 

Com trajetória polêmica, o ex-vereador já enfrentou sérios problemas relacionado aos táxis da cidade. 


Em 2011, no cargo de presidente do Legislativo municipal, passou uma longa temporada na cadeia acusado de chefiar um esquema de desvio de dinheiro da Casa por meio de notas frias de prestação de serviços de táxi. O caso ficou conhecido entre os investigadores como “Golpe da Angélica”, conforme noticiado pelo Hoje em Dia.

 

No ano seguinte, acabou reeleito, mas devido a uma recontagem dos votos não tomou posse. Mesmo assim, Marlon mantém influência política na cidade. Atualmente, é chefe de setor na Secretaria Municipal de Esportes.

Em entrevista, ele admitiu que os irmãos não são taxistas. 

 

“Não teve influência política, nunca fui prefeito. Hoje temos poucos taxistas na cidade. Existe uma cultura de doação de placas há vários anos”.

 

Em Belo Vale, até membro do Judiciário ganha concessão

 

Em Belo Vale, cidade com 7.800 habitantes na região Central de Minas, a média é de um táxi para 190 passageiros. Comerciante bem-sucedido, Autair Ribeiro é dono de lojas de roupas e de um hotel. Nem por isso abre mão da placa vermelha. Recentemente, comprou um Fiat Linea Absolute. Zero quilômetro, o automóvel custa entre R$ 60 mil e R$ 70 mil. O comerciante alegou em entrevista que não fará corridas até o carro ser emplacado. 

 

Oficial de apoio do Fórum da cidade, Rita Braga usa um Fiat Idea avaliado entre R$ 35 mil e R$ 50 mil. O veículo está registrado no nome do marido dela, Maksuel Braga, membro de tradicional família da cidade. 

 

Em entrevista gravada por telefone, a servidora pública declarou: “Não é só taxista que possui carro com placa vermelha. Se tem alguma irregularidade a responsabilidade é da prefeitura, que concede a permissão”. Em seguida, emendou: “Uso o carro, mas ele não está em meu nome. E o verdadeiro dono nem mora aqui. Ele tem outro emprego fora da cidade. Ou você acha que é possível sobreviver trabalhando como taxista em Belo Vale?”, questionou.

 

Noiva dos Cordeiros

 

Já o agricultor Arodi Fernandes, irmão da vereadora Rosa da Noiva dos Cordeiros (PDT), tem um Palio Weekend avaliado entre R$ 50 mil e R$ 60 mil. Rosa alegou que o carro faz o transporte de moradores do distrito rural Noiva dos Cordeiros, reduto eleitoral da parlamentar. 

 

Espécie de subprefeita local, Rosa mora ao lado do irmão em uma casa com amplo espaço de convivência, banheiro químico e orelhão. “Não tenho nada a ver com o táxi. O carro está no nome do Arodi. Mas entendo que a cidade tem poucos táxis”, resumiu.

 

Investigação

 

Por meio de nota, a Prefeitura de São Gonçalo do Rio Abaixo prometeu instaurar uma sindicância para investigar irregularidades nas concessões de placas de táxis. Já a Prefeitura de Belo Vale informou, via assessoria, que não vai se manifestar a respeito.

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