EXCESSO DE LINGUAGEM
A pronúncia criminal é mero juízo de admissibilidade da acusação. Ou seja, o juiz deve analisar apenas se há prova da materialidade e indícios suficientes de autoria ou participação no crime, sem fazer comentários sobre o mérito da questão. Por enxergar violação a este entendimento, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul anulou a decisão de um juiz por "excesso de linguagem". O colegiado aceitou recurso interposto pela defesa de um réu acusado de homicídio.
A limitação está prevista no artigo 413 do Código de Processo Penal. Apesar disso, o juiz convocado José Ricardo Coutinho Silva, relator do recurso, explicou que o fato do juiz tecer considerações sobre o mérito da questão, ao fundamentar a sentença de pronúncia, acabou por expor suas certezas acerca do caso.
''Como visto, no trecho destacado da decisão atacada, o magistrado a quo [de origem] afastou o cabimento da tese defensiva de legítima defesa e afirmou a presença do animus necandi [intenção de matar], ultrapassando o limite do exame da admissibilidade da acusação, adentrando na valoração da prova e proferindo juízo de mérito sobre matérias de exclusiva competência do Tribunal do Júri", escreveu no acórdão.
Reconhecida a preliminar de nulidade, por excesso de linguagem, o relator determinou a remessa dos autos ao juízo de origem, para que outra decisão seja proferida.
Golpe letal
De acordo com a denúncia do Ministério Público em Venâncio Aires, o réu matou sua namorada em fevereiro de 2013 com uma faca. Os motivos do homicídio não foram esclarecidos. Preso logo em seguida, o réu teve o auto-de-prisão em flagrante convertido em prisão preventiva. Após conseguir a liberdade provisória, em abril de 2013, ele apresentou resposta à acusação criminal.
Após a fase de instrução, com oitiva das testemunhas e interrogatório do acusado, o juiz João Francisco Goulart Borges pronunciou criminalmente o réu. Ele foi incurso nas sanções do artigo 121 do Código Penal (homicídio simples, com 6 a 20 anos de reclusão), como apontou o Ministério Público.
Na sentença de pronúncia, o juiz comentou que "ninguém ignora que golpe de faca contra o pescoço é altamente letal e se realmente a intenção fosse outra, se defender de agressões dela, o que se admite apenas para argumentar, ainda assim poderia o réu livrar-se da vítima ferindo-a em parte não letal do corpo da mesma".
Em outra passagem, o juiz refutou a tese da defesa de que o golpe de faca foi acidental, para afastar a agressão da vítima contra o acusado. "Ora, quem quer algo (lesionar para se defender de agressão contra si) já evidencia neste querer e nesta ação um desígnio de vontade voltado para a obtenção de um resultado que só se alcança por meio de conduta dolosa e não culposa."
Clique aqui para ler a sentença de pronúncia.
Clique aqui para ler o acórdão.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico
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