Em um programa piloto desenvolvido no Maranhão juízes concluíram que não cabia a prisão provisória em quase 50% das audiências de custódia
Um programa piloto realizado no Maranhão está ajudando a reduzir o número de presos provisórios, uma das principais causas da superlotação das prisões e do recrutamento de novos membros por facções criminosas, informou nesta quarta-feira a Human Rights Watch (HRW) O programa possibilita que novos detidos sejam levados rapidamente à presença de um juiz para uma “audiência de custódia”, que determina se eles devem ser mantidos presos provisoriamente ou liberados.
Em quase metade dos casos que fizeram parte do programa piloto conduzido no Estado, que registrou os piores índices de violência em prisões dos últimos anos, os juízes decidiram que não cabia prisão provisória e determinaram a liberação dos detidos.
Embora o direito internacional preveja a obrigação dos Estados de promoverem essas audiências, elas raramente ocorrem no Brasil, onde muitos presos esperam por meses até serem levados a um juiz.
Embora o direito internacional preveja a obrigação dos Estados de promoverem essas audiências, elas raramente ocorrem no Brasil, onde muitos presos esperam por meses até serem levados a um juiz.
Nos casos em que as decisões foram baseadas apenas nos documentos policiais, os juízes determinaram a liberação do detido em apenas 10% dos casos, embora o direito internacional preveja que a prisão provisória deve ser último recurso, privilegiando a liberdade.
“As prisões devem servir para ajudar a conter os crimes violentos, mas, no Maranhão, elas promoveram o crescimento das facções criminosas e da violência, tanto dentro de seus próprios muros quanto fora.”
Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch para o Brasil.
Laura destaca que o programa piloto mostra que “o respeito às obrigações do Brasil em relação aos direitos humanos tem também o potencial de ajudar no combate aos problemas crônicos do sistema carcerário em todo o país”.
Audiências de custódia
As audiências de custódia previnem casos de encarceramento arbitrário e ilegal de suspeitos de crimes não-violentos enquanto estes aguardam julgamento. Elas permitem que os juízes tenham mais informações para decidir se alguém foi detido legalmente e se estão presentes os elementos para se determinar a prisão provisória.
Sem essas audiências, os detidos que aguardam para serem levados à presença de um juiz pela primeira vez podem passar meses em prisões superlotadas, sob intensa pressão para se juntarem a facções criminosas.
Mais de 90 presos foram mortos nas prisões maranhenses nos últimos dois anos, a maioria por membros de facções rivais, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça e da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos. Membros dessas facções criminosas mutilaram suas vítimas, realizaram sequestros e extorsões dentro das prisões e estupraram visitantes, de acordo com declarações de presos e autoridades à Human Rights Watch, que em janeiro de 2015, visitou o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, o maior do Maranhão. Lá entrevistou 25 presos e 17 parentes de detentos atuais ou egressos do complexo, assim como juízes, promotores, defensores públicos, advogados de defesa, ex-agentes penitenciários, autoridades locais e representantes da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, uma organização não-governamental.
Recrutamento para facções
Ao longo da última década, duas facções se formaram dentro de Pedrinhas: o Primeiro Comando do Maranhão (PCM), cujos membros são majoritariamente do interior do Estado, e o Bonde dos 40 (uma referência às pistolas calibre 40), cujos membros são principalmente da capital, São Luís. Inicialmente criadas pelos presos para se proteger contra a violência dentro das prisões, essas facções cresceram até controlarem unidades inteiras dentro do complexo penitenciário.
Esses grupos também ampliaram suas atividades ilegais para fora dos muros prisionais e agora dominam bairros inteiros de São Luís. Durante os últimos anos, os crimes violentos cresceram dramaticamente no Estado do Maranhão. O índice de homicídios triplicou entre 2002 e 2012, de acordo com o Mapa da Violencia 2014, um estudo acadêmico baseado em dados do Ministério da Saúde.
Em janeiro, a polícia prendeu 36 homens em uma festa em São Luís após ligações anônimas relatarem à polícia que a festa era organizada por uma facção criminosa, embora testemunhas e familiares entrevistados pela Human Rights Watch tenham insistido que eles não eram membros de nenhuma facção. No entanto, ao chegarem em Pedrinhas, os detidos pediram para serem colocados em celas com membros do Bonde dos 40, pois moram em bairros dominados por essa facção e temiam serem mortos se fossem presos juntamente com membros do PCM.
A Human Rights Watch concluiu que esta é uma receita clara para o recrutamento de novos membros pelas facções criminosas, com consequências que perdurarão muito além da libertação desses presos.
O crescimento das facções criminosas se deu em grande parte por causa da falta de segurança dentro das prisões, que se agravou com a superlotação, disseram autoridades locais à Human Rights Watch.
Em outubro de 2014, mais de 6.500 pessoas estavam presas nas unidades prisionais do Maranhão, que foram construídas para abrigar um máximo de 3.605 presos, de acordo com um relatório do poder judiciário estadual.
Sessenta por cento desses presos estão em prisão provisória, diz o relatório. Eles são rotineiramente colocados em celas com criminosos condenados, em uma clara violação dos padrões internacionais.
“O Congresso precisa parar de adiar a discussão do projeto das audiências de custódia (PLS n. 554/2011) e torná-lo lei.”
Maria Laura Canineu
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Pacto internacional
O direito de uma pessoa detida de ser levada à presença de um juiz sem atrasos é um direito fundamental previsto no direito internacional e consagrado em tratados ratificados pelo Brasil, incluindo o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Ele se aplica a todas as prisões, sem exceção, e se destina a colocar sob controle judicial a prisão de um indivíduo sujeito a uma investigação criminal. Este indivíduo deve ser fisicamente conduzido à presença do juiz, de modo a permitir indagações sobre o tratamento dispensado a ele enquanto sob custódia policial.
As audiências de custódia também são cruciais para prevenir a tortura e os maus-tratos pela polícia – um sério problema no Brasil. O juiz Fernando Mendonça disse à Human Rights Watch ter identificado sinais de maus-tratos em três casos durante as audiências de custódia do programa piloto, os quais encaminhou ao Ministério Público. As evidências físicas dos maus-tratos provavelmente teriam desaparecido se os presos tivessem que esperar meses até serem conduzidos à presença de um juiz.
Um projeto de lei apresentado ao Congresso Nacional em 2011 prevê a obrigatoriedade das audiências de custódia em todo o país, mas o Congresso ainda não decidiu sobre esta questão. Em fevereiro de 2015, o Estado de São Paulo iniciou seu próprio programa de audiências de custódia, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça.
“O Congresso precisa parar de adiar a discussão do projeto das audiências de custódia (PLS n. 554/2011) e torná-lo lei”, declarou Maria Laura Canineu. “No entanto, os Estados não precisam esperar por uma atitude de Brasília. O Maranhão tem demonstrado que as audiências de custódia, ao mesmo tempo que respeitam os direitos humanos, produzem resultados promissores”.
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