CLAMOR GERAL
A Proposta de Emenda Constitucional 171, que visa a reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos, continua a gerar protestos. Ao longo da semana, entidades da magistratura, da advocacia e do Ministério Público vêm se posicionando contra o texto. A discussão em torno da redução ganhou fôlego com a decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, no último dia 31 de março, de admitir a proposição. A aprovação apenas reconhece a constitucionalidade, a legalidade e a técnica legislativa do tema. A PEC ainda tramitará por uma comissão especial e, se for aprovada, será encaminhada à apreciação do Plenário da Câmara, em dois turnos de votação.
Em nota divulgada nesta sexta-feira (10/4), a Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciaria da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro afirmou que “a proposta confronta-se com o positivado tanto no ordenamento jurídico pátrio quanto em tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, destacando-se a Convenção sobre os Direitos das Crianças da ONU, que consagra o princípio da proteção integral” e que “a Constituição de 1988 reproduz este princípio cujas diretrizes são consolidadas através do Estatuto da Criança e do Adolescente”.
“Reforçamos o entendimento do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) de que hoje o adolescente brasileiro, especialmente os negros, pobres e moradores das periferias das grandes cidades, encontra-se muito mais no papel de vítima dentro do sistema de segurança pública do que no de causador da violência que lhe é imputada. Os números apontam para um percentual ínfimo de homicídios cometidos por adolescentes ao passo que, em números absolutos, demonstram que o Brasil é o segundo país do mundo em homicídios praticados contra esta população”, diz o documento.
O Conselho Federal da OAB também se manifestou contra a decisão que admitiu a PEC, no fim de março. De acordo com a entidade “o que precisa ser feito por todos, Legislativo, Executivo e Judiciário, e por toda a sociedade civil organizada, é buscar meios de melhorar as condições de vida dos adolescentes, principalmente os mais pobres. Se eles não têm escola, não têm educação profissionalizante, não têm esporte, não são acolhidos pelo Estado, podem ser atraídos para o tráfico, além do estabelecimento de um sistema de internação que efetivamente ressocialize”.
Em nota pública, o Movimento do Ministério Público Democrático, disse que “a criminologia tem demonstrado que a pura e simples expansão do Direito Penal não é eficaz para a redução da criminalidade, especialmente quando visa satisfazer o clamor público e o desejo de vingança social”.
“A justificativa da criminalidade crescente atribuída aos adolescentes, responsáveis por menos de 1% dos homicídios cometidos no país, é descabida e visa indevidamente responsabilizar o jovem pelo fracasso do Estado nas ações preventivas, que sequer cumpre o comando da prioridade absoluta, inclusive orçamentária, no tocante à efetivação de políticas públicas realizadoras de direitos fundamentais”, afirma a entidade.
Liminar
Na quinta-feira (9/4), o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal,rejeitou um pedido de liminar que tentava parar o andamento de uma proposta que pretende reduzir a maioridade penal, de 18 para 16 anos. A solicitação foi apresentada pelo deputado federal Luiz Gionilson Pinheiro Borges (PMDB-AP), conhecido como Cabuçu Borges. Para Toffoli, a votação no Plenário da Câmara “não está em via de efetivação imediata” a ponto de justificar sua suspensão por meio de liminar.
Leia a íntegra das notas de repúdio:
A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciaria da OAB-RJ vem a público manifestar seu repúdio à Proposta de Emenda Constitucional nº 171, que versa sobre a redução da maioridade penal, pelos motivos que seguem:
"A proposta em questão confronta-se com o positivado tanto no ordenamento jurídico pátrio quanto em tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, destacando-se a Convenção sobre os Direitos das Crianças da ONU, que consagra o princípio da proteção integral. A Constituição de 1988 reproduz este princípio cujas diretrizes são consolidadas através do Estatuto da Criança e do Adolescente. Direito fundamental, a redução da maioridade penal consiste em verdadeira afronta ao artigo 60, § 4º, da CRFB/88, restando, portanto, a proposta eivada de inconstitucionalidade.
Há que se lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece medidas de responsabilização para os adolescentes em conflito com a lei em seu artigo 112, sendo a mais gravosa delas a internação em estabelecimento educacional. Tal medida, assim como as demais elencadas neste rol, é revestida de caráter precipuamente educativo. Porém, em que pese a intenção do legislador, na prática observa-se o foco na punição e a inobservância dos diplomas legais que regulam esta medida, em especial o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), resultando consequentemente em inúmeras violações de direitos humanos, como a crítica superlotação, a recorrência do uso da tortura e, em casos extremos, a morte de adolescentes no interior das unidades do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase – Rio de Janeiro).
Reforçamos o entendimento do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) de que hoje o adolescente brasileiro, especialmente os negros, pobres e moradores das periferias das grandes cidades, encontra-se muito mais no papel de vítima dentro do sistema de segurança pública do que no de causador da violência que lhe é imputada. Os números apontam para um percentual ínfimo de homicídios cometidos por adolescentes ao passo que, em números absolutos, demonstram que o Brasil é o segundo país do mundo em homicídios praticados contra esta população.
Repudiamos veementemente qualquer proposta reducionista bem como os sistemáticos esforços envidados com escopo de criminalização da pobreza".
A OAB Nacional, reafirmando o entendimento histórico do seu Conselho Pleno, de março de 2007, manifesta sua contrariedade à decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que aprovou nesta terça-feira (31) a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.
"A criminalidade envolvendo crianças e adolescentes requer atenção especial das autoridades e de toda a sociedade, mas não se deve deixar que a comoção leve a caminhos que não irão resolver o problema, mas apenas agravá-lo. A Constituição fixa a maioridade penal em 18 anos. Para a Ordem, esta é uma cláusula pétrea, que não pode ser modificada. Além disso, há dados que mostram que essa medida seria inócua.
Segundo dados divulgados recentemente pela imprensa, somente em São Paulo o número de crianças e adolescentes internados por crimes e contravenções cresceu 67% nos últimos dez anos, registrando 40 casos por dia que chegam às Varas da Infância e Juventude.
Ao mesmo tempo, um levantamento do Conselho Nacional de Justiça aponta que 47% dos internos em centros de reabilitação têm entre 16 a 17 anos e 42%, de 14 a 15 anos. Os crimes que eles cometem são praticamente do mesmo tipo. Portanto, apenas baixar a idade penal para 16 anos não resolverá completamente o problema.
O entendimento da OAB é de que o Estado brasileiro deve primeiro cumprir suas funções sociais antes de remeter a culpa pela falta de segurança ao sistema de maioridade penal.
O simples aumento do número de encarcerados, e a consequente ampliação da lotação dos presídios, em nada irá diminuir a violência. A OAB não descarta ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, caso a proposta prospere no Congresso Nacional.
O que precisa ser feito por todos, Legislativo, Executivo e Judiciário, e por toda a sociedade civil organizada, é buscar meios de melhorar as condições de vida dos adolescentes, principalmente os mais pobres. Se eles não têm escola, não têm educação profissionalizante, não têm esporte, não são acolhidos pelo Estado, podem ser atraídos para o tráfico, além do estabelecimento de um sistema de internação que efetivamente ressocialize.
É fato que toda a sociedade brasileira quer um país mais justo e com menos criminalidade, mas a redução pura e simples da maioridade penal não vai trazer os benefícios esperados pela sociedade. Sem receberem o tratamento adequado, esses seres humanos acabam virando peças vulneráveis para o cometimento de infrações e sentem-se acolhidos nas instituições criminosas".
MPD externa total contrariedade à redução da idade mínima para responsabilização penal
"O Movimento do Ministério Público Democrático, associação civil sem fins econômicos nem corporativos, de âmbito nacional, que congrega membros do Ministério Público da ativa e aposentados, divulga nota hoje na qual externa total contrariedade aos termos da PEC 171, que propõe a redução da idade mínima para a responsabilização penal. Para a entidade a idade penal mínima prevista na Constituição da República é cláusula pétrea, integrando o núcleo irreformável da Carta Magna, sendo, portanto, imutável via proposta de emenda constitucional. Esclarece que o patamar etário de 18 anos é estabelecido fundamentalmente por força de decisão de política criminal, não obstante o amadurecimento crescente de alguns segmentos da população e sua progressiva conscientização em relação ao caráter criminoso de certas condutas. E enfatiza que a criminologia tem demonstrado que a pura e simples expansão do direito penal não é eficaz para a redução da criminalidade, especialmente quando visa satisfazer o clamor público e o desejo de vingança social.
Para o MPD a justificativa da criminalidade crescente atribuída aos adolescentes, responsáveis por menos de 1% dos homicídios cometidos no país, é descabida e visa indevidamente responsabilizar o jovem pelo fracasso do Estado nas ações preventivas, que sequer cumpre o comando da prioridade absoluta, inclusive orçamentária, no tocante à efetivação de políticas públicas realizadoras de direitos fundamentais.
“Chama a atenção que, neste momento de crise de imagem do Congresso Nacional e Presidência da República, mesmo em meio a tantas carências sociais e políticas públicas não concretizadas, priorize-se o debate legislativo sobre a redução da idade penal como se isto resolvesse todos os males da sociedade brasileira”, enfatiza o texto encaminhado hoje para a sociedade.
A instituição apartidária de promotores e procuradores públicos destaca que o sistema penitenciário brasileiro sofre forte influência do crime organizado, sendo certo que crianças e adolescentes, por serem seres humanos em formação, necessitam de educação e principalmente de exemplos de dignidade, valores éticos e morais de seus responsáveis (família, sociedade e Estado), sendo óbvio que a mistura pura e simples de adolescentes a criminosos profissionais não cumprirá as funções essenciais do Direito Penal.
Para o MPD o Estatuto da Criança e do Adolescente é moderno paradigma legal internacional, representando instrumento jurídico que promove a responsabilização penal juvenil desde os 12 anos, o qual poderia ser ajustado no sentido de ampliar o período de internação nas hipóteses de cometimento de crimes hediondos ou excessivamente violentos".
Revista Consultor Jurídico
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