Marcos Carneiro e Vladimir Morgado(*)
De forma equivocada, algumas Assembléias Legislativas, como ocorreu em
passado recente e continua na atual legislatura, no caso da Bahia, tem legislado ignorando a
inovação introduzida pela Emenda à Constituição Federal (ECF) nº 47 (em especial o § 12
do art. 37), como será demonstrado no presente estudo, pois vem, em desacordo com a
Carta Estadual vigente, estabelecendo como limite de remuneração para o servidor público
estadual o subsídio de Governador, contrariando expressamente o disposto no § 5º do art.
34 da Constituição do Estado da Bahia, que foi alterado pela Emenda à Constituição
Estadual (ECE) nº 007, de 18.01.99.
Após a edição da Constituição Federal em 1988, várias emendas constitucionais se
sucederam tratando dos limites máximos de remuneração nos Três Poderes e nas diversas
entidades da Federação, com reflexos importantes na Constituição do Estado da Bahia e nas
expectativas salariais do servidor estadual do Poder Executivo, tendo em vista que alguns
servidores já estão estornando parte da remuneração por ultrapassar o atual limite imposto,
contrariando as normas constitucionais, em especial o art. 37, XI combinado com o
respectivo § 12 da CF/88 e com § 5º do art. 34 da Constituição do Estado da Bahia, como
veremos a seguir.
Por força da Emenda à Constituição Federal (ECF) Nº 19, com efeitos a partir de
04/7/1998, o limite máximo de remuneração do Executivo Estadual passou a ser o subsídio
mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
O mesmo aconteceu nas
diversas unidades da Federação.
Decorridos 6 (seis) meses, precisamente em 19/01/1999, o Estado da Bahia adotou
um novo teto salarial, isto é, o subsídio mensal, em espécie, dos Desembargadores.
A partir
daquela data, nenhum servidor público baiano, inclusive Procuradores e Auditores Fiscais,
poderia ganhar mais do que um Desembargador poderia perceber. Esta determinação foi
implantada por Emenda à Constituição do Estado da Bahia, a EC Nº 07, na forma
transcrita abaixo:
"Art. 34. A Administração Pública, no que respeita aos seus
servidores civis e militares, obedecerá ao disposto na Constituição Federal e
ao seguinte:
§ 5º a remuneração e o subsídios dos ocupantes de cargos, funções e
empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos
membros de qualquer dos Poderes do Estado e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos,
pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou
não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não
poderá exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Desembargadores."
Nota 1: O § 5º foi acrescentado ao artigo 34 pela Emenda Constitucional nº 007, de
18.01.99, DOE de 19.01.99, efeitos a partir de 19.01.99.
Em seguida, outra mudança foi efetivada no texto do inciso XI do art. 37 da CF/88,
veiculada pela EC 41, com efeitos a partir de 31/12/2003. Nela foram criados diversos
tetos remuneratórios, um para cada entidade da Federação.
Assim, para os servidores da
União, o limite continuou sendo o do Ministro do STF; para o Município, o máximo
permitido passou a ser o subsídio do Prefeito; e, para os Estados, foram criados 3 tetos, um
para os servidores do Judiciário, um para os servidores do Legislativo e um para os
servidores do Executivo, este último sendo o subsídio do Governador, “in verbis”:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e
empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos
membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais
agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória,
percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de
qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie,
dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos
Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o
subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio
dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o
subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa
inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie,
dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário,
aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e
aos Defensores Públicos;"
Nota : A redação atual do inciso XI do art. 37 foi dada pela Emenda Constitucional
nº 41, de 19 de dezembro de 2003, efeitos a partir de 31/12/03.
Esta nova mudança constitucional poderia trazer a conclusão de que a supracitada
EC 07 estaria revogada - a que estabelece o limite único na Bahia como sendo o subsídio
do Desembargador - não fosse o advento da ECF 47, publicada em 05/7/2005, mas com
efeitos retroativos a 31/12/2003, mesma data de publicação da ECF 41. Veja-se o teor da
ECF 47, que acrescentou o §12 ao art. 37 da CF/88:
3
"§ 12. Para os fins do disposto no inciso XI do caput deste artigo,
fica facultado aos Estados e ao Distrito Federal fixar, em seu âmbito,
mediante emenda às respectivas Constituições e Lei Orgânica, como
limite único, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo
Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos
por cento do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal,
não se aplicando o disposto neste parágrafo aos subsídios dos Deputados
Estaduais e Distritais e dos Vereadores."
(destaques acrescidos)
Nota : O § 12 foi acrescentado ao art. 37 pela Emenda Constitucional nº 47, de 05
de julho de 2005, efeitos a partir de 31/12/03.
Portanto, hoje podem os Estados fixar um único limite, aplicável a todos os
servidores respectivos (exceto os do Legislativo), como alternativa à adoção de tetos
distintos.
No entanto, a Bahia já tinha feito isso através da ECE 07, desde 1999.
Repita-se que na redação da EC 47 está dito claramente que seus efeitos
retroagirão para 31/12/2003, data da promulgação da ECF 41, criadora de tetos distintos
nos Estados.
Logo, impossível falar que no caso houve repristinação, evento repelido pelo direito
brasileiro (art. 2º e parágrafos da Lei de Introdução ao Código Civil infra-escrita), ou seja,
uma lei revogada por outra voltar a produzir efeitos jurídicos pelo fato de uma terceira lei
revogar a lei revogadora. Em outras palavras, haveria repristinação se a Lei "B" (ECF 41)
revogasse a Lei "A " (ECE 07) e a Lei "C" (ECF 47), ao revogar a Lei B, fizesse retornar ao
mundo jurídico a Lei A.
Definitivamente, não foi isso que aconteceu no presente caso.
DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942.
“Art. 2o
Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a
modifique ou revogue.
§ 1o
A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,
quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que
tratava a lei anterior.
§ 2o
A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já
existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3o
Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a
lei revogadora perdido a vigência.”
Nesse sentido, a ECF 47, mesmo publicada um ano e meio depois da ECF 41, teve
seus efeitos jurídicos lançados para a mesma data da edição desta última (31.12.2003). Em
verdade, apesar de no tempo terem sido publicadas em datas distintas, as duas emendas
nasceram para o direito no mesmo dia (31.12.03). E a partir daí convivem pacificamente.
4
E não poderia ser diferente, pois a lei nova (ECF 47) - no dizer do § 2º do DL acima
citado – não revogou nem modificou a regra prevista na ECE nº 07 que fixou o teto
constitucional igual à remuneração de Desembargador.
Ao contrário, o § 12 da ECF 47 fez
com que a ECE nº 07 ficasse inalterada com o permissivo de essa matéria poder vir a ser
disciplinada por emenda à Constituição. Não há que se falar, portanto, em uma ter revogado
a outra e, por assim dizer, não há que se falar em repristinação.
§ 12 da ECF 47 - “Para os fins do disposto no inciso XI do caput deste
artigo, fica facultado aos Estados ... fixar, em seu âmbito, mediante
emenda às respectivas Constituições..., como limite único, o subsídio
mensal dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça...”
Desenvolvendo um pouco mais: No mesmo momento jurídico, os valores máximos
de remuneração nos Estados passaram a ter limites diferentes, a depender da esfera de
Poder, mas os Estados poderiam fixar um teto único através de emenda à respectiva
Constitucional do Estado. E, no caso da Bahia, o limite único – subsídio do Desembargador
– estava e continua fixado pela ECE 07, conforme visto anteriormente.
Enfim, não há incompatibilidade entre a ECE 07, a ECF 41 e a ECF 47, os três
diplomas em pleno vigor no ordenamento jurídico. Muito menos revogação ou alteração.
Hoje, na Bahia, os servidores públicos de qualquer Poder devem obediência ao limite
máximo equivalente ao subsídio do Desembargador do Tribunal de Justiça.
Essa mesma situação (idêntica à supracitada, portanto) é vivenciada pelos Estados
do Rio Grande do Sul (ECE nº 40, de 12/12/2003), Paraná (Lei nº 13981, de 26/12/2002) e
Tocantins (ECE Nº 07, de 15/12/88) onde, nesses Estados, firmou-se o correto
entendimento de que o teto do executivo continua sendo o equivalente à remuneração de
Desembargador, haja vista a permissão expressa na ECF 47 (efeitos a partir 31/12/2003),
mesma data da ECF 41.
De outra sorte, vários Estados que não tinham esse dispositivo nas respectivas
Constituições Estaduais já fizeram ou estão em vias de se efetivar a alteração na Carta
Estadual, encaminhado projeto de Emenda Constitucional, a exemplo de Minas Gerais
(PEC 40/2007), Santa Catarina (PEC 0004.2/2006), Pará (PEC 08/2007) e Rio Grande do
Norte (PEC 190/2006), consoante quadro de Teto Salarial divulgado pela Federação
Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais - FEBRAFITE, combinado com
tabela abaixo constante do Parecer ao Projeto de Lei nº 16.325/2007 da bancada da
liderança do Governo da Bahia, disponível em
http://www.lideranca.ba.gov.br/index.asp?site=parecer/ver.asp&codigo=5, acesso em 29
fev. 2008:
TETO DE REMUNERAÇÃO DO SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL
BRASILEIRO.
Estado Governador Teto Salarial (R$) / Disp. Legal
Paraná Roberto Requião (PMDB) 24,5 mil / Lei nº 13.981/2002
Tocantins Marcelo Miranda (PMDB) 22,1 mil / ECE Nº 07//1998
Acre Binho Marques (PT) 22,1 mil / Lei nº 1973/2007
Mato Grosso do Sul André Puccinelli (PMDB) 22,1 mil / Lei nº 3328/2006
Sergipe Marcelo Déda (PT) 22,1 mil / Lei nº 6146/2007
Amapá Waldez Góes (PDT) 22 mil / Lei nº 1055/2006
Roraima Ottomar Pinto (PSDB) 18,6 mil /
Subsídio Governador
Paraíba Cássio Cunha Lima (PSDB) 18,37 mil / Lei nº 8427/2007
Amazonas Eduardo Braga (PMDB) 17 mil / Lei nº 2750/2002
São Paulo José Serra (PSDB) 14,8 mil / Lei nº 12.792/2007
Maranhão Jackson Lago (PDT) 13 mil /
Subsídio Governador
Goiás Alcides Rodrigues (PP) 12,8 mil /
Subsídio Governador
Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB) 12,76 mil / Lei nº 5001/2007
Distrito Federal José Roberto Arruda (PFL) 22.111,25 / ELO nº 46/2006 (*)
Rondônia Ivo Cassol (PPS) 12,3 mil / ECE 55/2007
Espírito Santo Paulo Hartung (PMDB) 12,16 mil /
Subsídio Governador
Rio Grande do Norte Wilma de Faria (PSB) 19.900,12 / PEC nº 190/2006 (*)
Alagoas Teotônio Vilela (PSDB) 11,5 mil /
Subsídio Governador
Piauí Wellington Dias (PT) 11,44 mil /
Subsídio Governador
Pará Ana Júlia (PT) 11,44 mil /
Subsídio Governador
Mato Grosso Blairo Maggi (PR) 11mil /
Subsídio Governador
Bahia Jacques Wagner (PT) 10, 64 mil /
Subsídio Governador.
Minas Gerais Aécio Neves (PSDB) 22.111,25 / PEC nº 40/2007 (*)
Santa Catarina Luiz Henrique da Silveira
(PMDB) 22.111,25 / PEC nº 0004.2/2006 (*)
Pernambuco Eduardo Campos (PSB) 17.000,00 /
Subsídio Governador
Rio Grande do Sul Yeda Crusius (PSDB) 22.111,25 / ECE nº 40/2003 (*)
(*)
Valores divergentes dos registrados na tabela constante do Parecer ao Projeto de Lei nº 16.325/2007, em função de
alterações ocorridas, de acordo com a FEBRAFITE e respectivos Projetos de Emenda à Constituição (PEC) ou
Emenda à Lei Orgânica (ELO).
Ainda, torna-se imperativo registrar que o teto remuneratório vinculado ao subsídio
de Governador de Estado, cargo, por essência, de natureza política representa uma ameaça
à autonomia das carreiras típicas de Estado que ainda não tiveram o mesmo tratamento que
foi dado (princípio da isonomia) a outras Carreiras Exclusivas Estaduais, a exemplo do
Ministério Público e Procuradores de Estado que têm seus tetos de remuneração limitados
aos subsídios dos Desembargadores dos Tribunais de Justiça (cargo não político).
Além disso, como é sabido de todos, não é esse subsídio que é fixado para o
Governador de Estado (cargo eminentemente político, como disse) que lhe dá o suporte
para o exercício do mandato, haja vista a existência de toda uma infra-estrutura à sua disposição (hospedagem, pessoal, veículos etc.) necessária e imprescindível para o bom
desempenho e segurança no exercício das funções de um Chefe de Estado.
O mesmo pode-se dizer dos seus respectivos Secretários de Estado, não na mesma
proporção, claro, pois os mesmos participam de vários Conselhos ou órgãos colegiados e
percebem, em cada um deles, “jetons” ou verbas com denominações semelhantes, de
natureza ou caráter indenizatório, que, em função deste aspecto, não se submetem ao
limite fixado para subsídio de Governador (Teto de Remuneração do Servidor Público,
exceto Secretários de Estado e demais servidores que recebem esses “jetons” ou verbas
semelhantes de caráter indenizatório).
Não sei até que ponto essas verbas ou “jetons” poderiam ser pagos pelos órgãos
públicos sem contrariar as normas constitucionais que dizem que ao fixar o teto
constitucional, seja ele (teto) o subsídio de Governador ou a remuneração de
Desembargador, deve ser “incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra
natureza, e não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie...”. (Art. 37, inciso XI da
Carta magna e art. 34, § 5º da Constituição do Estado da Bahia, por exemplo)
“
(...)Por outro lado, mas dentro do mesmo contexto, o art. 39, §4° da CF
(ECF 19/98) determina que os membros de poder, os detentores de mandato
eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários de Estado serão
remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única. É bom
frisar que o parágrafo 8° também abre a possibilidade para que qualquer
servidor público organizado em carreira venha a ser remunerado na forma de
subsídio.
(...)
Assim, não obstante tenha uma ligação umbilical com o teto constitucional,
o subsídio não pode de forma alguma com ele ser confundido.
O subsídio funciona como um verdadeiro coletivo que açambarca os mais
diversos componentes de uma remuneração, como a verba de representação,
as vantagens pessoais e as gratificações de toda sorte, enquanto que o teto
salarial é o valor máximo que ele (subsídio) pode vir a alcançar...”
(disponível em http://www.sintafrs.org.br/inf_artigo_tecnico_detalhe.asp cod_artigo_tecnico=961,
acesso em
17 Fev. 2008).
Pelo exposto, como estamos diante de administrações que se dizem democráticas,
participativas e transparentes, resta aos titulares ou Chefes de Governo dos Estados, em
atenção aos princípios da legalidade, impessoalidade e da eficiência, compreender que
ainda vigora como teto constitucional o limite único de remuneração do servidor estadual
equivalente ao subsídio mensal do Desembargador do Tribunal de Justiça (caso do Estado
da Bahia), evitando-se a instauração de demandas judiciais para o reconhecimento desse
legítimo direito, bem como que todas as categorias típicas de Estado (Ministério Público, Procuradores, Auditores Fiscais etc.) tenham um mesmo tratamento em relação a essa
questão, em obediência ao princípio da igualdade ou isonomia.
(*)
Marcos Antonio da Silva Carneiro
auditor fiscal do Estado da Bahia, bacharel em Administração e em Direito,
especialista em Direito Tributário e em Gestão Tributária, professor de Direito
Tributário no MBA em Gestão Empresarial da FIB.
Vladimir Miranda Morgado
auditor fiscal do Estado da Bahia, doutorando em Direito Público, pós-graduado em
Gestão Tributária, professor de Direito Tributário da UNEB.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada