Comissão de Direitos Humanos recebe novas denúncias de abusos da Polícia Militar em manifestações na Capital mineira.
O suposto envolvimento de policiais militares à paisana, os chamados “P2”, insuflando a violência nas manifestações que tomaram conta de Belo Horizonte e do País nas últimas semanas, foi a principal denúncia que veio à tona na tarde desta terça-feira (25/6/13), em reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O encontro deu sequência à discussão iniciada ainda pela manhã, em reunião extraordinária, sobre abusos cometidos pela PM na repressão aos manifestantes, sobretudo nos protestos registrados no último sábado (22), nas imediações do Mineirão, palco do jogo Japão x México, pela Copa das Confederações.
Outro tema recorrente foi a preocupação de que novas cenas de violência se repitam nesta quarta-feira (26), quando a Capital mineira será palco de uma partida da seleção brasileira de futebol. Ainda nesta terça (25) era esperada a presença de representantes da PM em uma reunião de uma comissão mista, com a presença de representantes da ALMG, organizada no âmbito do Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos, justamente para tentar prevenir novos incidentes nas manifestações.
A atuação de militares à paisana infiltrados foram citados com mais veemência em três dos vários depoimentos ouvidos pela Comissão de Direitos Humanos, suspeita corroborada pelos deputados Durval Ângelo (PT), que presidiu a reunião, Rogério Correia (PT) e Cabo Júlio (PMDB). Foram trazidos para a reunião várias balas de borracha e estilhaços de bombas de gás lacrimogênio recolhidos nas últimas manifestações, que ficaram em exibição no Teatro, palco dos debates.
Outras denúncias feitas durante o encontro dão conta da suposta omissão de socorro por parte dos militares a manifestantes feridos, o uso de um helicóptero para atirar bombas contra os manifestantes e ainda que alguns dos artefatos usados contra os ativistas teriam sido disparados do interior do campus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Por sua vez, o deputado Sargento Rodrigues (PDT) cobrou uma participação mais ativa do Legislativo estadual nas discussões sobre temas nacionais levantados pelas manifestações, mas defendeu que sejam dadas garantias à integridade dos policiais militares, já que pelos menos 19 deles teriam sido feridos durante os últimos confrontos. “A Constituição não distingue os militares dos manifestantes. Atrás de uma farda tem também um cidadão. Vale lembrar ainda que há muitos filhos de policiais entre os manifestantes”, afirmou.
“Mas estou muito feliz pois, finalmente, a população está exigindo que o poder público garanta seus direitos fundamentais. Nós, parlamentares, temos nossa parcela de responsabilidade, pois não estamos cumprindo com eficiência o nosso dever de fiscalizar”, completou Sargento Rodrigues.
Médico denuncia ação truculenta da PM
O depoimento mais contundente foi dado pelo médico e professor universitário Giovano Iannotti, ainda na abertura da reunião. Ele, juntamente com a mulher, que também é médica, outros colegas de profissão e ainda estudantes do curso de Medicina, atuou como voluntário nos protestos de sábado (22). Ao tentar socorrer um rapaz com ferimentos graves que teria despencado de um viaduto na Avenida Antônio Carlos, ele diz ter sido impedido pelos militares, mesmo com todos os voluntários claramente identificados por jalecos brancos.
Até mesmo o posto improvisado de socorro montado na Avenida Abraão Caram foi, segundo ele, alvo das balas de borracha e do gás lacrimogênio, alguns dos disparos originados inclusive do interior doscampus da UFMG. Em desespero, o médico diz ter sido abordado por um homem mascarado que estava em meio aos manifestantes e se identificou como policial. Esse mesmo indivíduo teria se prontificado a negociar um “cessar-fogo”, que permitiu o transporte do ferido até a área cercada pela PM.
“Tão logo entrei na área isoada, as hostilidades recomeçaram. E lá um oficial da PM não permitiu que eu levasse o ferido para uma ambulância posicionada dentro da área isolada pela polícia. Ele disse que o veículo era somente para socorrer policiais feridos e não teve argumento que o fizesse mudar de opinião. Não pude usar nem mesmo os equipamentos que estavam na ambulância, pois esse oficial não deixou”, contou.
Estudante diz ser vítima de ameaças
Na mesma linha, Gladson Reis, primeiro vice-presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), disse ter visto vários homens armados prendendo manifestantes em meio à multidão, acrescentando ainda que viu bombas de gás lacrimogênio sendo jogadas de um helicóptero. “Venho recebendo ameaças pela internet nos últimos dias e percebo que estou sendo seguido nas ruas. Na última passeata, recebi vários relatos de companheiros, de que pessoas mascaradas perguntavam insistentemente por mim”, contou.
Gladson pediu aos parlamentares que interfiram para que ele receba proteção de programas de defesa dos direitos humanos, mesmo pedido feito por Gabriela Souza Santos, do Comitê dos Atingidos pela Copa. Ela também confirmou o arremesso de bombas de um helicóptero e do interior do campus da UFMG e denunciou estar sendo seguida por estranhos, que estão rondando sua casa. “Desde que percebi, não voltei mais. Quero que o Ministério Público investigue isso e que meu nome seja incluído nos programas de proteção. Estou com muito medo”, afirmou.
A advogada Érica Portela, também voluntária na assistência aos manifestantes, confirmou ter recebido vários relatos da ação de militares P2 em ações de vandalismo em meio aos protestos. “Nosso grupo estava identificado com camisas amarelas e conseguimos até um habeas-corpuspreventivo antes dos protestos de sábado, mas de nada adiantou diante da truculência da repressão”, lamentou.
Outros dois depoimentos sensibilizaram os deputados. O estudante Márcio Tadeu Maia de Almeida Malta, que é cadeirante, diz ter sido atingido por uma bala de borracha na barriga em meio ao avanço dos policiais contra os manifestantes.
E a educadora social Poliana de Souza Pereira Inácia, ferida na perna ao tentar socorrer outra manifestante que era agredida, denunciou também ter sido tratada com truculência, horas depois, por um médico do Instituto Médico-Legal (IML), para onde foi encaminhada para se submeter ao exame de corpo de delito. “Ele falou que eu tinha cara de vândala e foi logo mandando tirar a roupa. Fiquei indignada”, resumiu.
Deputado lamenta clima de terrorismo contra novos protestos
O deputado Durval Ângelo prometeu empenho na apuração das denúncias, sobretudo a feita pelo médico Giovano Iannotti, classificada por ele como “extremamente grave”. O parlamentar acrescentou que, pelos relatos já colhidos pela comissão, também foi negado socorro aos manifestantes feridos na infraestrutura médica disponibilizada no Mineirão, sob a desculpa de que era reservada exclusivamente aos torcedores.
“Há incitadores no meio das manifestações. Os pais de uma das vitimas que caíram desse mesmo viaduto nos garantiram que ele foi empurrado. Agora estão recebendo visitas de policiais que querem que assinem um termo garantindo que a queda foi acidental”, revelou. O parlamentar também criticou que os militares envolvidos na repressão não usem tarja de identificação e que manifestantes detidos tenham sido mantidos por até dez horas em quartéis da PM, quando o correto é que tivessem sido levados imediatamente para uma delegacia.
Já Rogério Correia lamentou o clima de terrorismo disseminado, segundo ele, pelo Governo do Estado para desestimular novos protestos em Minas Gerais. “Eles ficam espalhando boatos de que as pessoas não devem ir para as ruas, pois vão correr perigo. Só em Minas Gerais um juiz dá uma liminar, a pedido do governador, para impedir a manifestação, que é um direito sagrado. Mas isso é só o começo. A tendência é de que outros setores também se manifestem a partir de agora”, apontou.
Cabo Júlio se disse a favor das manifestações legítimas, mas condenou atos de vandalismo, citando nomes de alguns militares feridos durante os protestos. “O papel do policial, que cumpre ordens, também é democrático. É preciso identificar os vândalos, que estão agindo sabe-se lá a mando de quem. Ninguém é a favor dos excessos, nem de um lado, nem do outro”, apontou. Ele confirmou que é prática comum o emprego de militares à paisana, dizendo ele mesmo ter sido alvo desse tipo de intimidação quando comandou a greve da Polícia Militar, em 1997.
MP vai monitorar atuação da polícia
O promotor Fábio Reis de Nazareth, da Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos, disse estar em negociação com a Polícia Militar para que promotores acompanhem os protestos desta quarta (26) diretamente no comando da PM, além de juntamente com os manifestantes. “Já reunimos mais de 1.500 vídeos e dezenas de depoimentos e vamos verificar, em uma investigação mais apurada, se há policiais infiltrados nas manifestações”, afirmou o promotor, que coordena a comissão de prevenção montada pelo Ministério Público.
“A PM sinalizou que vai cumprir o que está sendo negociado, de atuar sem violência e garantir a ação de quem está nos protestos para garantir a integridade das pessoas. É o caso, por exemplo, de advogados, médicos e jornalistas” destacou.
A presidente da CUT-MG, Beatriz Cerqueira, também criticou a ação da PM na repressão aos manifestantes e destacou já ter sido alvo do “monitoramento” da P2 durante greves dos professores. “A PM vai além do que foi acertado com a Fifa e faz outras barreiras por conta própria. O papel do governo é dialogar com os manifestantes, mas a mensagem que o Executivo manda é de confronto”, criticou.
Ouvidoria vai investigar denúncias
O ouvidor de polícia Rodrigo Xavier da Silva, também presente à reunião, prometeu investigar todas as denúncias com rigor e lembrou que é possível fazer queixas de abusos policiais pelo telefone 162.
Nesta quarta (26) será montado ainda um plantão na Casa dos Direitos Humanos, que funciona na Praça 7, Centro de Belo Horizonte. A Defensoria Pública também estará de plantão, conforme lembrou o defensor de Direitos Humanos Lucas Simões. “Estaremos no meio dos protestos, identificados por camisas verdes. O curioso é que na repressão não estão sendo respeitados nem mesmo garantias que são dadas a soldados em guerras. Até quem está filmando os abusos está sendo preso”, denunciou.
O coordenador do Disque 100 da Ouvidoria de Direitos Humanos da Presidência da República, Sidnei Souza, também prometeu acompanhar atentamente os protestos programados para esta quarta (26), assim como Leonardo Grilo de Almeida, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. “Não dá para admitir que sejam jogadas bombas a 600 metros de distância contra vândalos que estão na linha de frente”, lembrou.
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