LOGÍSTICA REVERSA
O manejo de resíduos sólidos constitui um dos mais complexos desafios da atualidade, tendo em vista os impactos de ordem ambiental, social e econômica que pode gerar a sociedade. A fim de enfrentar essa questão, em 2010, após 20 anos de tramitação legislativa, a Lei Federal 12.305 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
Como se sabe, a premissa da PNRS é a efetiva participação de todos os integrantes das cadeias de produção e de consumo do produto. Esse tema foi abordado pelo governo brasileiro sob o prisma da responsabilidade compartilhada entre o Estado, a iniciativa privada e os consumidores finais pelo ciclo de vida do produto, que, por sua vez, inclui o desenvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição final.
Além disso, algumas políticas de resíduos sólidos já foram instituídas em âmbito estadual, como é o caso do estado de São Paulo que, anteriormente à publicação da PNRS, já possuía sua Política Estadual de Resíduos Sólidos (Lei Estadual 12.300/2006). Dessa forma, assim como comumente se verifica nas demais searas do direito ambiental, o país conta, atualmente, com um arcabouço legislativo pulverizado sobre o assunto.
A iniciativa privada é, nos termos da PNRS, responsável pela elaboração dos chamados Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos. Importante ressaltar que a elaboração dos referidos planos, segundo a PNRS, não atinge, indiscriminadamente, toda a iniciativa privada (isto é, fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos), mas, tão-somente, determinados geradores de resíduos sólidos e estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços que se encontram especificados na PNRS, como por exemplo, aqueles que geram resíduos industriais, de serviços de saúde, de mineração, e resíduos ligados às empresas de construção civil.
Não obstante a mencionada obrigatoriedade estabelecida pela PNRS, a legislação paulista também exige que planos de gerenciamento de resíduos sólidos sejam elaborados pela iniciativa privada. Como exemplo, pode-se citar o artigo 19 da Lei nº 12.300/2006 do estado de São Paulo, que determina que tal plano deve ser elaborado pelo gerador do resíduo e constar obrigatoriamente do processo de licenciamento da atividade.
Nesse sentido, é possível verificar a existência de divergências entre os dispositivos estabelecidos pela norma federal vis-à-vis os dispositivos estaduais (e em alguns casos também municipais) sobre o assunto, resultando, por vezes, em dificuldades de natureza hermenêutica e operacional. Como exemplo, registra-se que as inconsistências acerca dos geradores sujeitos à elaboração de planos de gerenciamento de resíduos sólidos, previstos nas diferentes normas sobre o assunto, resultam em dificuldades e incertezas na implementação de sistemas de gestão ambiental pelas empresas.
Cumpre mencionar, ainda, o sistema de logística reversa instituído pela PNRS. Referido sistema constitui um dos requisitos mínimos dos planos de gerenciamento de resíduos sólidos e tem gerado debates acerca das partes que estariam obrigadas a implementá-lo. De acordo com a PNRS, a logística reversa tem o objetivo de assegurar o retorno dos produtos após o uso pelo consumidorfinal, e deverá ser implementada pelos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes deagrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, produtos eletroeletrônicos, dentre outros, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos.
A fim de auxiliar na implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto, a PNRS previu a implementação de acordos setoriais, de termos de compromisso ou a expedição de decreto pelo Poder Executivo. Nas duas primeiras hipóteses, estipulou-se a possibilidade de o poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes convencionarem as condições, quantidades e metas, dentre outros aspectos, acerca da forma pela qual se dará o retorno dos produtos e embalagens após a sua utilização pelo consumidor final. A terceira hipótese prevê a implantação do sistema de logística reversa diretamente por regulamento, via decreto editado pelo Poder Executivo, o que poderá vir a acontecer caso sejam frustradas as tentativas de estabelecimento conjunto de um sistema entre o poder público e a iniciativa privada.
Em 2013, o Ministério do Meio Ambiente publicou o Edital de Chamamento 1/2013 de fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos eletroeletrônicos e seus componentes, para a elaboração de proposta de acordo setorial visando à implantação de sistema de logística reversa de abrangência nacional para tal segmento. Outros editais já foram lançados, e, em dezembro de 2012, foi firmado acordo setorial entre o Ministério do Meio Ambiente e o setor privado relativo a embalagens plásticas de óleos lubrificantes.
No tocante aos termos de compromisso, alguns deles já foram firmados no âmbito do estado de São Paulo entre a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e representantes dos setores produtivos responsáveis pelos resíduos pós-consumo de embalagens plásticas de óleos lubrificantes, de embalagens de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, de materiais de limpeza e afins, de embalagens de agrotóxicos e de pilhas e baterias portáteis.
Dada a possibilidade de coexistirem múltiplos acordos setoriais e termos de compromisso a respeito dos mesmos resíduos, a PNRS previu de modo expresso que os acordos e termos firmados em âmbito nacional prevalecem sobre aqueles em âmbito regional, e estes, por sua vez, prevalecem em relação àqueles de âmbito municipal.
Todo esse arcabouço, contudo, parece não estar sendo suficiente. A propósito, a implementação dos dispositivos da PNRS é verificada atualmente pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de São Paulo, no âmbito de inquéritos civis recentemente instaurados, que têm como objeto a análiseda regularidade e implementação do plano de gerenciamento de resíduos sólidos, notadamente de logística reversa, à vista dos danos ambientais que o Ministério Público indicou, em tese, existirem. Até o momento, os seguintes setores industriais foram chamados a apresentar informações: (i)eletrônica e informática; (ii) óleos comestíveis (inclusive embalagens); (iii) pilhas e baterias; e (iv) aparelhos de telefonia móvel e acessórios correlatos.
A conclusão a que se chega é de que, de um lado, a pulverização de normas resulta em insegurança jurídica ao setor privado, mormente no que tange às obrigações relativas ao gerenciamento de resíduos sólidos; e, de outro lado, há o risco de que a implantação do sistema de logística reversa venha a ocorrer diretamente por regulamento expedido pelo Poder Executivo, caso a iniciativa privada não chegue a uma solução consensual com o Poder Público. Não fosse o suficiente, ainda é possível que as investigações iniciadas pelo Ministério Público resultem no ajuizamento de demandas judiciais sobre o assunto.
Uma alternativa conciliatória seria, talvez, a edição, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de regulamentações visando a uniformizar as normas existentes sobre gerenciamento de resíduos sólidos, a partir de discussões com os interessados. A publicação, em nível federal, de resoluções contendo critérios e procedimentos para a elaboração de planos de gerenciamento de resíduos sólidos específicos para cada segmento da indústria, ao nosso ver, contribuiria para que os objetivos da PNRS fossem mais facilmente alcançados, proporcionando, ao mesmo tempo, maior segurança jurídica ao setor privado.
Péricles d'Avila Mendes Neto é advogado associado na área de Direito Ambiental e Consumidor do Trench, Rossi e Watanabe Advogados.
Patricia Frederighi é advogado associado na área de Direito Ambiental e Consumidor do Trench, Rossi e Watanabe Advogados
Revista Consultor Jurídico
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