A presidenta Dilma parece ter saído de um período de governo pretensamente “técnico”, exaltado pela mídia como um salto adiante em relação ao seu antecessor. Os encontros de Dilma com os líderes do Movimento Passe Livre (MPL) e os 27 governadores de Estado, nesta segunda (24), podem significar várias viradas tanto no comportamento do governo, quanto na atuação dos movimentos que sacodem o país. Por Gilberto Maringoni
Gilberto Maringoni
A presidenta Dilma Roussef recebe hoje à tarde os líderes do Movimento Passe Livre (MPL) e os 27 governadores de estado. Na pauta, um esforço nacional pela melhoria dos serviços públicos.
Os encontros podem significar várias viradas tanto no comportamento do governo, quanto na atuação dos movimentos que sacudiram o país nas últimas duas semanas. Podem também representar a superação de uma fase do chamado lulismo. Sublinho o verbo “poder”.
A presidenta parece ter saído de um período de governo pretensamente “técnico”, exaltado pela mídia como um salto adiante em relação ao seu antecessor. Durante dois anos e meio, Dilma governou principalmente a partir de planilhas e modelagens de metas e desempenhos. Dirigir um país seria algo como gerenciar um empreendimento que já está com suas engrenagens e rumos azeitados, bastando apertar um parafuso aqui e outro ali.
Contato com o povo e o mundo político foi feito, no mais das vezes, através de intermediários e de pesquisas quantitativas e qualitativas. Algo próprio de quem não tem muita familiaridade com a política estrito senso.
Algo bem diverso da atuação do ex-presidente Lula em seu segundo mandato (2007-11). O então mandatário – depois da crise do mensalão – usou e abusou de visitas a todo o país e deixou de conceder entrevistas exclusivas a órgãos de imprensa que o atacavam impiedosamente. Passou a dar coletivas a toro e a direito, em quase todas as manifestações públicas e a falar mais. Desceu dos palanques para apertar mãos e cumprimentar os que acorriam a inaugurações e atividades oficiais.
Dilma faz um governo de gabinete. Justamente o que está sendo criticado nas manifestações.
Pode ser que a presidenta tenha descoberto que nada substitui a política na atividade administrativa.
Rumos do governo
A segunda possível – atenção, a palavra é “possível” – alteração nos rumos do governo é mais profunda.
Até aqui o lulismo realizou poucas mudanças que universalizassem direitos das camadas populares. Não produziu algo com a grandeza e abrangência de uma Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como Getulio Vargas, em 1943.
Mas realizou um programa social focado de grande êxito, o bolsa família, aproveitou-se de um ciclo internacional favorável para aumentar níveis de emprego e renda e expandiu o crédito ao consumidor. O resultado foi o acesso dos pobres ao consumo, razoáveis índices de crescimento econômico e a ilusão de que se poderia realizar mudanças sem rupturas.
O que são mudanças sem rupturas? Não se trata de fazer revolução, mas de mudar a repartição das receitas tributárias do Estado, taxando-se os mais ricos e destinando o excedente para a disseminação de direitos e serviços públicos universais.
É o que estará em pauta hoje: a melhoria dos serviços públicos. Algo que a marquetagem da campanha de Fernando Haddad, em São Paulo, anunciou mas não cumpriu: “Com Lula, a vida melhorou da porta para dentro de sua casa; da porta para fora tudo continua ruim”. O alvo eram os governos de Gilberto Kassab (PSD) e Geraldo Alckmin (PSDB).
Dentro e fora
Os serviços “da porta para fora” não melhoram por duas razões: foram privatizados em boa parte – ou seja, são regidos não pelo interesse universal, mas pelo lucro – e carecem de investimento. Transportes, energia e comunicações foram passados a particulares na bacia das almas pelos governos tucanos (1995-2003). O PT envereda de forma envergonhada pelo mesmo caminho.
Educação pública de primeiro e segundo grau sofre com baixos salários de professores e técnicos e falta de investimento (a educação superior conheceu nos últimos dez anos notável expansão, mas ainda insuficiente diante das arapucas do ensino privado). O SUS conhece um sucateamento paulatino e o avanço da medicina privada. E o sistema de ônibus nas cidades representa uma caixa preta a ser aberta.
Se o anunciado for apenas subsídios e desonerações para melhorar a qualidade e não mexer no lucro do empresariado dessas áreas, teremos uma bela foto da presidenta com os mandatários dos estados ao final da reunião e resultados de durabilidade incerta.
Se a ação do Estado realmente mudar, intervindo, planejando, estipulando objetivos e cassando concessões que não atendam a patamares mínimos de preços e qualidade, aí a virada será mais profunda.
Movimentos no palácio
Do lado dos movimentos, Dilma também pode ensejar um giro em sua gestão. Até agora a presidenta teve no terceiro andar do palácio do Planalto a companhia de gente como empresários de comunicação, maganos do agronegócio, financistas e chefes de Estado estrangeiros. Pouca atenção deu a representantes de movimentos sociais, como sindicalistas, indígenas, mulheres, comunidade GLTB, trabalhadores sem terra e outros. O resultado é uma antipatia desses setores com aquela que o marqueteiro João Santana já classificou como a “rainha” do Brasil.
O encontro com os rapazes e moças do MPL pode dar sequência a conversas com outros movimentos. Mas não bastará fazer, como Lula, que colocou o boné do MST na cabeça, mas não acelerou a reforma agrária.
As mobilizações de rua foram feitas a partir de um modelo horizontal, sem lideranças, e têm muito de espontaneísmo. É algo interessante na deflagração da coisa, mas dificulta entendimentos e aprofundamentos de pautas. O pessoal do MPL que estará no gabinete presidencial leva na bagagem uma espetacular vitória sobre prefeitos e governadores, inédita na historia recente: a redução das tarifas.
Os protestos devem continuar em todo o país, até porque são incontroláveis. A direita está nas ruas – e na mídia – tentando disputar suas bandeiras. A agenda presidencial é parte desse jogo de grande envergadura.
A tarde de segunda promete. A conferir.
Fotos: EBC
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