A expressiva queda de 9,7% na nota média da redação do Enem 2014 em relação à edição anterior acendeu a luz amarela no governo e chamou a atenção de especialistas. Índices cada vez mais baixos de leitura e a pouca familiaridade com o tema proposto pelo exame — publicidade infantil — podem ter contribuído para o recorde de 529 mil candidatos, ou 8,5% do total, com nota zero. Apenas 250 entre 5,9 milhões de estudantes que tiveram seus textos corrigidos alcançaram o conceito máximo (mil). Ao resultado ruim na disciplina (nota 470,8, ante 521,2 em 2013) se somou ainda uma considerável queda (7,3%) no desempenho médio em matemática, contribuindo para uma diminuição da nota geral de 1%.
A reportagem é de Carolina Brígido, Eduardo Vanini e Lauro Neto, publicada pelo jornal O Globo, 15-01-2015.
Especialistas se assustaram com a queda no rendimento de redação. Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, em linhas gerais, o quadro mostra a necessidade de reforço no ensino e na avaliação acerca da leitura e da escrita nos anos finais dos ensinos médio e fundamental. Segundo ele, o Brasil ainda prioriza a leitura em detrimento da escrita.
— Na prática, as aulas de língua portuguesa não estão reforçando a dissertação — avalia.
— E não estou falando de ensinar aos alunos como escrever em português formal, mas de lhes proporcionar condições de se expressar textualmente da maneira adequada.
A educadora Andrea Ramal, doutora em educação pela PUC-Rio, reforça os argumentos de Cara:
— Meio milhão de estudantes com nota zero é absurdo. Temos aí um número significativo de analfabetos funcionais, que não conseguiram entender o enunciado. Isso mostra que o Brasil continua a formar alunos no ensino médio sem a devida preparação para entrar na universidade.
Para ela, os resultados do Enem 2014 ratificam a estagnação vivenciada pelo ensino médio brasileiro nos últimos anos, revelada, inclusive, por outros indicadores.
— O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) já nos mostram que não saímos do lugar nos últimos anos — ilustra.
— Desde o primeiro mandato da presidente Dilma, esse é o quarto ministro da Educação. E todos os anteriores disseram que uma das metas é reformar radicalmente o ensino médio. E, agora, Cid Gomes disse o mesmo. A gente percebe, então, que vão-se os ministros, ficam as promessas.
Em matemática, a queda na média das notas foi de 514,1 para 476,6. Neste caso, Daniel Cara disse acreditar que a baixa reflete uma oscilação esperada dentro do panorama de uma avaliação como o Enem, no contexto contemporâneo brasileiro.
— Como o número de participantes cresceu, a tendência é cair a média. Essa oscilação é natural e seguirá por mais alguns anos, enquanto houver essa variação no número de candidatos — observa.
— E isso é bom, pois significa que mais brasileiros estão vendo o ensino superior em seus horizontes através doEnem.
Já a professora e coordenadora de Matemática do Colégio Sarah Dawsey, Andrea Canela, acha que uma mudança no perfil da prova observada ao longo dos últimos anos também pode estar por trás da queda no desempenho.
— Desde 2009, algumas pegadinhas começaram a aparecer com mais frequência. E, como a prova de matemática é a última de um dia bastante cansativo, já que há um total de 90 questões e a redação, os alunos não têm tempo de revisar suas respostas, muita vezes caindo nessas armadilhas — comenta.
— A queda nas notas não chega a equivaler a um percentual altíssimo, mas mostra que é preciso observar com atenção os próximos resultados.
Houve aumento nos pontos conquistados em ciências humanas, ciências da natureza e linguagens. As notas de ciências da natureza apresentaram aumento médio de 2,3%: foram de 473,2 para 484. Em ciências humanas, a pontuação saltou de 515,1 para 543, um crescimento de 5,4%. E, em linguagens, houve incremento de 489,1 para 508,1 (3,9%).
Durante uma coletiva de imprensa para comentar os resultados, os representantes do governo federal elencaram as razões que levaram às anulações de mais de meio milhão de redações. Entre os candidatos que zeraram na disciplina, 217,3 mil fugiram do tema, 13 mil copiaram o texto motivador, 7,8 mil escreveram menos de sete linhas, 3,3 mil incluíram alguma parte desconectada do texto principal e 955 ofenderam os direitos humanos. Essas pessoas estão automaticamente eliminadas: não poderão se inscrever no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que será aberto na próxima segunda-feira.
O tema da redação foi diretamente relacionado pelo ministro ao resultado ruim na redação. Em 2013, o texto pedido era sobre a Lei Seca, assunto amplamente debatido na sociedade e na imprensa. A publicidade infantil, que apareceu no ano passado, não é, para ele, “popular”. O ministro da Educação, Cid Gomes, porém, não deixou de reconhecer que a má qualidade do ensino público e a pouca leitura dos estudantes ajudam a explicar o tombo.
— Os estudantes estão lendo pouco. Não dá para fugir, camuflar e dizer que o ensino público é bom. Está muito aquém do desejável. Estamos aqui para lutar para melhorar — disse.
Presidente do Inep, Francisco Soares lembrou que o Enem não é um exame obrigatório e, por isso, não abrange todos os alunos que concluíram o ensino médio. Ele acrescentou que comparar o desempenho dos estudantes em 2013 e 2014 não é justo, já que o tema da redação não foi o mesmo:
— Seria completamente equivocado dizer que a redação é um problema neste ano.
Sudeste tem melhores resultados
Os dados apresentados ontem revelam que o desempenho dos alunos do Sudeste é melhor do que os de todas as outras regiões. As redações dos alunos da região, por exemplo, apresentaram pontuação média de 486,9.
Os piores resultados estão no Norte, onde os estudantes conquistaram, em média, 417,5 pontos na redação.
Segundo Francisco Soares, o rendimento costuma ser melhor em regiões nas quais o nível social, econômico e cultural dos pais é maior.
A partir da próxima segunda-feira, e até o dia 22, com a nota do exame em mãos, o candidato poderá se inscrever em uma instituição pública de ensino superior por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Há 205.514 vagas ofertadas. Em comparação com janeiro de 2014, houve aumento de 11% no número de instituições participantes e 20% no número de vagas disponíveis.
Do total de 63 universidades federais, 59 participam do Sisu neste primeiro semestre. Todos os 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia e os dois centros federais de educação tecnológica (Cefet) também oferecem vagas. O ministro afirmou que será uma prioridade conversar com os representantes das instituições que ainda não integram o sistema a fim de fazê-los mudar de ideia.
Cid Gomes também afirmou que vai trabalhar para aumentar a oferta do ensino médio em turno integral em todo o país. Segundo ele, o desempenho dos alunos no Enem é melhor onde há esse serviço. O ministro ainda prometeu informatizar o exame, para que os estudantes possam fazer as provas em terminais de computadores.
— O Enem on-line é uma comodidade para milhões de brasileiros. Temos técnica para isso, não precisamos fazer essa operação de guerra em todo o Brasil e ficar sujeitos a sabotagem. Pretendo levar à presidente Dilma Rousseff a proposta o mais rápido possível, para que possamos aproveitar tecnologias e realizar o Enem de forma remota. Devemos trabalhar para que possa ter Enem o tempo inteiro, toda hora, todo dia, quando quiser — disse o ministro.
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